terça-feira, 2 de julho de 2013

Groddeck: Pai da Psicossomática


Groddeck:  Pai da Psicossomática

Trechos da Carta 31, do “ O Livro d’Isso” (1923)

Continuando sua narrativa sobre os efeitos da Psicanálise em sua vida e em seu trabalho:

(...) Comecei a perceber que via coisas que não conseguia ver antes. Travei conhecimento com os símbolos. (...) Uma embriaguez tomou conta de mim, como nunca havia sentido antes e nunca voltei a sentir. O que primeiro aprendi sobre a psicanálise foi o símbolo, e ele não me abandonou mais.
(...) A força com que essa incursão no mundo dos símbolos me transformou deve ter sido inaudita, pois desde as primeiras semanas de meu aprendizado ela já me levava a procurar símbolos nas transformações orgânicas da aparência humana produzidas pelo que se convencionou chamar de doença orgânica física. O fato de a vida psíquica ser uma constante simbolização era tão evidente aos meus olhos que eu afastava com impaciência a inoportuna massa de idéias e sentimentos novos – pelo menos no que me dizia respeito – para me lançar com uma pressa frenética na pista do efeito produzido pela revelação dos símbolos sobre os órgãos doentes. E para mim esse feito era algo mágico.
(...)
A vaidade me impediu durante muito tempo de me interessar pela psicanálise científica. Mais tarde, tentei reparar esse erro; espero que o tenha conseguido, apesar das enraizadas ervas daninhas que ficaram em meu pensamento e em meu tratamento psicanalítico. Mas esta obstinação em não querer aprender teve suas vantagens. Em minhas apalpadelas cegas, livres do peso do conhecimento, dei por acaso com a idéia de que além do inconsciente do pensamento cerebral existem inconscientes análogos em outros órgãos, células, tecidos, etc., e que, graças à união íntima entre esses inconscientes e o organismo, obtêm-se uma influência curativa sobre cada um deles e ao se analisar o inconsciente cerebral.
Não pense que me sinto à vontade escrevendo isto. Tenho a impressão de que estas frases não resistirão nem mesmo a sua crítica afetuosa, sem falar no exame sério dos especialistas. Como me é cada vez mais fácil afirmar do que provar, mais uma vez vou recorrer à afirmação e direi: não há doenças do organismo, físicas ou psíquicas, capazes de resistir à influência da análise. O fato de, num certo caso, proceder-se através da psicanálise, da cirurgia, no plano físico, pela dietética ou pelos medicamentos, é apenas uma questão de oportunidade. Não há domínio da medicina em que a descoberta de Freud não tenha sua utilidade.

(...)
Para quem, como eu, vê na doença uma manifestação de vida do organismo, a doença não é mais uma inimiga. (...)

Desde que constato que a doença é uma criação do paciente, ela se torna para mim a mesma coisa que seu modo de andar, sua maneira de falar, o jogo fisionômico de seu rosto, seus gestos com as mãos, o desenho que faz, a casa que constrói, o negócio que conclui ou o curso de suas idéias: um símbolo significativo dos poderes que o dominam. (...) a doença não é mais uma anomalia, mas algo determinado pela natureza mesma desse paciente . (...) Tentarei descobrir porque e com que objetivo seu Isso (...) recorre à doença e o que pretende exprimir com isso. Tratarei de me informar a respeito junto a ele, junto ao Isso, sobre os motivos que o levaram a usar esse procedimento, tão desagradável para ele quanto para mim. Conversarei com ele e depois verei o que fazer.
(...)

A doença não provém do exterior, o próprio ser humano a produz; o homem só se serve do mundo exterior como instrumento para ficar doente, escolhendo em seu inesgotável arsenal de acessórios, ora a espiroqueta da sífilis, ora uma casca de banana, depois uma bala de fuzil ou um resfriado para proporcionar a si mesmo uma dor. Faz isso sempre com a intenção de sentir prazer, pois, em sua qualidade de ser humano, faz parte de sua natureza sentir prazer com o sofrimento; porque em sua qualidade de ser humano, está em sua natureza sentir-se culpado e querer afastar essa sensação de culpa através da autopunição; porque quer evitar só Deus sabe que incômodo. Na maior parte do tempo, ele não tem consciência alguma dessas singularidades; para falar a verdade, tudo isso é decidido e realizado nas profundezas do Isso, aonde não temos acesso; mas entre as insondáveis camadas do Isso e nosso bom senso, há camadas do inconsciente que o consciente pode alcançar e que Freud assinala como tendo capacidade de tornar-se conscientes; e nelas pode-se descobrir todo tipo de coisas gentis. O mais curioso é que quando se fuça nisso, não é raro que de repente surja aquilo que chamamos de cura. Sem que compreendamos coisa alguma do modo pelo qual a cura se produz, fortuitamente, sem que participemos do processo, por nada deste mundo, nunca me cansarei de repetir isso.
                                                                                            ***