CÂNCER: UMA ABORDAGEM PSICOSSOMÁTICA (Anexo 8)
SOLUÇÃO (REDENÇÃO) DO PROBLEMA DO CÂNCER
Com base em nossa perplexidade por um lado, e nossa
valoração por outro, é difícil ver ainda uma dis(solução) na representação do
câncer. Como comunidade, temos muito medo das nossas próprias forças e das
energias que estão adormecidas em nós. Amparados por inúmeros álibis sociais,
nós a empurramos para a sombra. Embora a sociedade tenha estilizado a livre
manifestação do indivíduo e a livre empresa como sendo o objetivo máximo a ser
atingido, a maioria de seus membros individuais é atormentada por medos e
angústias consideráveis no que a isso se refere. Os índices de crescimento
anímico-espiritual continuam sendo muito mais baixos que os índices de
crescimento científico. A longo prazo, nosso grandioso produto nacional bruto
não pode compensar a falta de crescimento interior. Com o apoio da sociedade,
mas por iniciativa própria, muitas pessoas conseguem bloquear a manifestação de
seu eu, encaixando-a em estruturas pré-determinadas com facilidades ou, muitas
vezes também à força. Gratificações externas aliviam a renúncia ao
desenvolvimento da individualidade e promovem a massificação da pessoa. Apenas
um pequeno passo separa o indivíduo massificado do “normopata”.
Como a auto-realização é parte do caminho de desenvolvimento
do ser humano, ela não pode ser eliminada do mundo, podendo no máximo ser posta
de lado. Quando empurrada para o lado, ela aterrissa na sombra. Esta tem duas
possibilidades de expressão no mundo material: o mundo corporal interior
(microcosmos) e o mundo (meio ambiente) exterior (macrocosmos).
Consequentemente, o caminho dos processos de crescimento reprimidos vai da
consciência para o mundo de sombras do inconsciente, e dali para o plano
corporal ou para o mundo exterior. Como o princípio é conservado a cada passo e
precisa adaptar suas possibilidades de expressão ao plano em que se manifesta,
ele pode ser encontrado por toda parte, seja em sua manifestação redimida ou em
sua forma não-redimida. Quanto mais ele é reprimido, menos redimido ele se
apresenta, mas mesma sob a forma menos
redimida deve ser possível vislumbrar ainda o plano redimido.
Nós em geral consideramos o plano material como
não-redimido, e o plano anímico-espiritual como redimido. No acontecimento do
câncer, nós consideramos maligno aquilo que em sentido figurado nos parece
totalmente desejável: o princípio de expansão. O câncer ultrapassa todas as
fronteiras e obstáculos, estende-se por tudo, penetra em tudo, participa de
tudo, une-se a tudo, até a estruturas alheias, não se detém diante de nada, não
pode ser detido por praticamente nada, é quase imortal e não teme nem mesmo a
morte. O câncer é a expansão que mergulhou nas sombras (do corpo).
Consequentemente, trata-se de expandir a consciência, de descobrir a infinitude
e a imortalidade da alma. Não deveríamos nos admirar que o princípio mais
elevado apareça por intermédio do mais maligno de todos os sintomas. A sombra
mais escura sempre emite a luz mais brilhante. Com a auto-realização, no
câncer, o que mergulhou nas sombras é o tema que procura atingir o objetivo
final de todo desenvolvimento: o “si mesmo”.
Embora o meio seja o objetivo final, no início do caminho é
necessário confiar em si mesmo e ir para os extremos. Quando Cristo diz: “Seja
quente ou frio, o morno eu cuspirei”, ele está falando sobre uma etapa do
caminho. É o meio como compromisso podre que deve ser abandonado. Aqui está a
tarefa mais difícil do aprendizado do paciente de câncer. Nesse sentido, o
tranqüilo meio-termo no qual o normopata se acomodou não é de forma alguma um
lugar definitivo. Em lugar da harmonia do meio, o que impera é uma harmonia
aparente. As (“malignas”) energias do ego não são visíveis, mas sua vida nas
sombras é tanto mais intensa. O normopata jamais ferirá alguém com um não
egoísta e descompromissado, mas tampouco fará alguém feliz com um sim
incondicional. Ele se desculpa permanentemente por sua existência, mas não se
livra da culpa primordial (a separação da unidade). Para ele, a aparência é
mais importante que o ser. Entretanto, trata-se em última instância do ser, e
ele portanto não encontra a paz final no cômodo meio, um caminho ao longo do
qual ele encontra pouquíssima resistência, ou seja, a paz que ele pode
encontrar aqui não é realmente a paz definitiva.
A primeiríssima coisa que ele deve fazer é começar a se
mover, a crescer, a se transformar e a se desenvolver. Faz parte, também,
aprender a dizer não, detectar e viver seus desejos egoístas, experimentar
rebelar-se contra regras rígidas, escapar de estruturas demasiado estreitas,
chegar perto e perto demais dos outros, pular fronteiras, ignorar limitações,
viver todas as coisas que, caso contrário, ocorrem nas sombras como acontecimento
cancerígeno. Em vez de mutações no nível celular, poderia haver metamorfoses
nos âmbitos anímico, espiritual e social. Em vez de sair da espécie
(degenerar), ele poderia pular a cerca (demasiado opressora). Trata-se de
travar conhecimento com o próprio ego, ainda, e principalmente, quando ele não
é um destacado contemporâneo e, por essa razão, não traz muita distinção ao
meio circundante. Em vez de sair da
espécie, trata-se de encontrar a própria espécie. Em vez de separação, o que se
procura é continuidade e responsabilidade por si mesmo.
A orientação terapêutica do radiologia americano Carl
Simonton vai nessa direção de uma maneira muito corporal. Simonton, com
bastante sucesso, deixa que seus pacientes entrem diariamente em uma guerra
múltipla. Em meditações dirigidas, eles combatem o câncer no nível celular com
sua agressividade que acaba de ser redescoberta. O sistema imunológico é
apoiado em sua luta pela existência com imagens interna e fantasias criadas
pela imaginação, e assim a agressão tão longamente reprimida passa a ser
vivida. Á primeira vista, mas somente à primeira vista, o conselho de combater
o câncer a todo custo parece estar em contradição com o princípio homeopático.
Como o agressivo câncer, é justamente a agressão que é homeopática, pois
trata-se de um remédio semelhante.
Embora estas primeiras etapas do despertar para as próprias
necessidades seja também muito importante e não possa ser substituída, o
caminho não pára aí. O “seja quente ou frio...” cristão é inevitável, mas o desenvolvimento
continua, e então, finalmente trata-se de: “Se alguém golpeia sua face
esquerda, oferece-lhe a direita”. Essas duas frases contraditórias já criaram
muita perplexidade, porque se referem a diferentes etapas do caminho. É
justamente neste ponto que é perigoso continuar a escrever, pois segundo todas
as experiências, justamente aqueles pacientes que ainda têm de lidar muito e
por muito tempo com os passos descritos até agora, de asserção agressiva de si
mesmos, tendem a refugiar-se rapidamente nos “planos mais elevados”. Por trás
disso está a suposição equivocada de que a realização de um tema tão sublime
como o amor levará facilmente à libertação do ego, juntamente com suas energias
agressivas. Mas quando se salta ou se abandona com demasiada rapidez um plano
anterior, o plano seguinte não tem a menor chance. Não se ganha nada se alguém
“morno”, por pura covardia, oferece a face direita após lhe terem golpeado a
esquerda. O amor então se transformará em um sentimento morno, e a salvação em
hipocrisia. Um paciente de câncer não pode se dar ao luxo de cometer tais
erros, dos quais a ladainha de “luz e amor” da cena new age se aproxima muito.
Apesar do perigo de se incorrer em mal-entendidos, é
necessário já ter em vista um objetivo, ainda que esteja muito distante. Mas os
passos e tarefas seguintes pressupõem o domínio dos passos anteriores, pois
caso contrário eles se transformam facilmente em um bumerangue. (...)
Por mais importante que seja a exibição das energias do ego
durante o percurso, ela não pode ser o objetivo final. O caminho a seguir e o
seu objetivo estão sempre implícitos ao próprio acontecimento cancerígeno. Em
vez de crescimento corporal, trata-se de crescimento anímico-espiritual. O ser
humano cresce fisicamente durante cerca de vinte anos; depois disso ele precisa
continuar crescendo anímica e espiritualmente, ou então o crescimento afunda na
sombra. Esse crescimento pode se dar no mundo exterior durante muito tempo,
podendo, por exemplo, aproveitar as possibilidades correspondentes de um
negócio em expansão. Mas em algum momento ele terá por objetivo a
auto-realização em um sentido mais elevado. Em última instância, trata-se de
tornar-se um com o todo, retornar ao Paraíso, ou seja, deixar que o eu e as
sombras aflorem no self. Esse estado, que recebe tantos nomes diferentes em
diferentes culturas e que mesmo assim quer dizer sempre a mesma coisa, não pode
ser representado com exatidão a partir do mundo da polaridade. Palavras como
eternidade, nirvana, reino dos céus, reino de Deus, paraíso, ser ou meio são
somente aproximações. O problema, não só dos pacientes de câncer mas de todos
os seres humanos, são os passos que levam a esse objetivo e à sua sequência.
A regressão retratada pelo processo cancerígeno, que
corporaliza a busca da origem, indica o caminho. Em vez de regressão no corpo,
trata-se de religio no âmbito anímico-espiritual. O crescimento degenerado e
caótico em todas as direções mostra o
perigo, que o progresso sem objetivo termina na morte. Morrer, também, que
paira ameaçadoramente sobre o acontecimento cancerígeno, é uma forma de
retirada do mundo polar para a unidade. Todas as indicações apontam para um
único ponto, a unidade. Mas isso não pode ser realizado com as forças do ego.
Assim como é importante para o paciente descobrir seu ego, mais tarde será
igualmente importante crescer para além dele. Depois que ele tiver aprendido a
se impor, chega-se ao pólo oposto do plano de aprendizado: aprender a
inserir-se na unidade maior. Primeiro pode ser importante protestar contra as
regras estritas da vida laboral ou social, reconhecer que o próprio chefe não é
nenhum deus. Mas quando o ego está desenvolvido e em plena possessão do poder
pelo qual lutou, é preciso reconhecer que o caminho do ego leva à catástrofe
tanto como sua repressão. Depois que a pequena ordem das regras mesquinhas foi
saltada, é preciso encontrar a grande a aceitá-la. “Seja feita a Sua vontade”,
diz o pai-nosso, e isso não quer dizer, como antes, o superior hierárquico ou o
sócio ou o eu, mas Deus, ou seja lá como se queira chamar a unidade.
É neste ponto que está o principal engano do câncer, e ele
volta a ser um espelho perfeito do principal engano da humanidade moderna. A
célula cancerígena tenta alcançar a imortalidade por si mesma e à custa do
resto do corpo. Fazendo isso, ela não vê que esse caminho, em última instância,
a matará juntamente com o corpo, assim como a humanidade não viu até agora que
sua ego-trip à custa do mundo somente pode terminar com o naufrágio conjunto.
Não existe qualquer independência da unidade maior à qual se pertence. As
justas ambições de auto-realização e imortalidade somente podem culminar no
conhecimento espiritual de que o único objetivo é o si mesmo, a unidade com
tudo. Esta não exclui nada nem ninguém, e por si mesma não se deixa conquistar
pessoalmente de maneira egoísta. Ela contém tanto a individualidade como a
ordem mais elevada. Ela se encontra no próprio meio, no de cada célula e no de
cada ser humano e ainda assim é somente o Um. Não existe nem o meu self nem o
seu self, somente o self.
É preciso encontrar a unidade, a imortalidade da alma em si
mesmo, e reconhecer que o todo já está em nós mesmos assim como nós mesmos
estamos no todo. Este, entretanto, é o ponto final, ou melhor, o ponto do meio,
que somente pode ser aberto pelo amor. E isso também já está simbolizado no
acontecimento do câncer. Assim como o
amor, o câncer também ultrapassa todas as fronteiras, cobre todas as
distâncias, atravessa todas as barreiras, supera todos os obstáculos, assim
como o amor ele não se detém diante de nada, estende-se por tudo, penetra em
todos os âmbitos da vida, domina toda a vida; assim como o amor, o câncer busca a imortalidade e
nessa busca, assim como o amor, não teme nem mesmo a morte. O câncer,
portanto, também é de fato um amor que mergulhou nas sombras.
(Dr. Rudiger Dahlke, psiquiatra – “A Doença Como Linguagem
da Alma”)