TRANSFORMANDO AS REPRESENTAÇÕES MENTAIS
Já faz algum tempo que gostaria de escrever sobre o
interessante tema da transformação das impressões mentais.
Outro dia, depois de assistir ao filme “A Caça”, pensei: “É
uma boa hora!” Este filme conta a história de um professor que foi injustamente
acusado de pedofilia e teve sua vida destruída por causa do julgamento
precipitado da comunidade em que vivia: perdeu o emprego, os amigos, o respeito
de alguns familiares, a namorada, sofreu muitas humilhações e mesmo agressões
morais e físicas, chegou até a ser preso (mas liberado por falta de provas). Ao
final, mesmo com a verdade vindo à tona, e a comunidade aceitando-o de volta,
ele ficou profundamente marcado por aquela experiência. Nunca mais foi o mesmo,
apesar da aparência de normalidade. De fato, não dá para ser a mesma pessoa
depois de algo assim, nem ver seus antigos “amigos/agressores” da mesma
maneira.
De um lado, as pessoas da comunidade mudaram a representação
mental que tinham dele, a partir do momento que aceitaram as fofocas como
verdade. De um dia para outro, ele, que era um respeitável membro da
comunidade, tornou-se execrável, sendo hostilizado pela quase totalidade das
pessoas, dos amigos, dos familiares.
O filme permite muitas reflexões, mas gostaria de ficar
neste tópico, pois a vida se processa assim, e isso qualquer um de nós percebe:
hoje temos uma impressão, seja das situações ou das pessoas, e isso pode mudar
a qualquer momento, de uma hora para outra.
Onde reside a mudança? Em nosso interior, nas representações mentais.
Só para esclarecer: representações mentais são a imagem
mental ou as impressões, acompanhadas de um conceito, que temos de situações e
pessoas. A todo momento recebemos impressões. Retemos de 2% a 3% delas, na
forma de percepções conscientes; as demais são percebidas inconscientemente.
Existem diferentes vias para que isso aconteça, e em várias
oitavas também. O mais comum são as situações do diário viver. Na interação
social, através do que chamamos “experiências da vida”, vamos alterando essas
impressões. Através dos ciclos de idades vamos modificando nossa visão do
mundo, como um processo natural de amadurecimento psicológico. Pela maneira como percebemos os fenômenos da
vida, vamos construindo nossos valores. Sabemos que há uma herança que trazemos
de nossos antepassados, predisposições que são reforçadas a cada geração.
Acresce-se a elas o resultado do meio ambiente, da educação que recebemos, da
maneira que somos tratados no meio familiar. Tudo isso deixa “marcas” em nosso
psiquismo, uma base sobre a qual nossa vida se desenrola.
Esse conjunto de percepções podemos chamar de crenças,
conceitos, preconceitos, juízos, idéias,
etc. São os valores plantados em nós no meio familiar e social. Nenhum de nós
escapa de ter tais representações. As comunidades, tribos, etc., se baseiam em
tais valores.
Somente depois de uma certa idade (normalmente a partir da
adolescência) é que começamos a questionar essa base de valores. Quanto mais
equipado for o nosso aparelho psíquico, melhor será nosso potencial de
questionamento, de reavaliação e principalmente nosso potencial para lidar com
a realidade, aqui e agora.
Assim, vemos que as representações mentais podem ser
trabalhadas em duas frentes:
1)
Revendo as impressões cristalizadas, fruto de
nosso passado coletivo: crenças, conceitos, preconceitos, valores morais,
princípios de vida, aquilo que acreditamos ser a verdade.
2)
Atentando para as impressões que nos chegam a
todo momento, a cada instante.
Então, duas necessidades se colocam:
1)
Viver no “aqui e agora”;
2)
Limpar nosso mundo mental de impressões
cristalizadas.
Na convivência social não podemos nos desconectar de nossas
origens, pois elas nos definem. O que podemos, sim, é questionar até que ponto
essa estrutura cristalizada é óbice para nossa evolução como seres humanos.
Podemos quebrar a rigidez dos conceitos e permitir mutações em nossa maneira de
pensar, criando um movimento nessas estruturas mentais.
Por vezes, uma maneira de pensar já está ultrapassada e se
não vemos isso por nós mesmos, a “vida” se encarrega de faze-lo, colocando-nos
em situações de confronto. A finalidade é nos levar a uma mudança de
mentalidade, uma transformação das representações.
Há valores eternos e há valores temporais. As experiências
da vida tendem ao reforço dos valores eternos e à revisão dos valores
temporais. Todos que padecem na vida acabam por se render à humildade,
solidariedade, respeito, e tantos outros valores anímicos. Mas, para chegar a
esses valores precisamos trabalhar os valores temporais, rever conceitos e
crenças, quebrar o que foi estruturado durante muitos anos e até mesmo séculos.
Uma pequena circunstância de vida revela muito sobre tais
representações mentais. As situações do dia-a-dia são os professores, os guias
para essa autodescoberta. O que precisamos é estar no aqui e agora, num estado
natural de atenção sobre nós mesmos, para perceber resistências, incômodos,
vozes internas, julgamentos, críticas, etc.
A autopsicanálise é indispensável para uma adequada mudança
nas representações mentais. Se não questionarmos o que pensamos, como e porque
pensamos, nunca vamos nos transformar, nos aperfeiçoar, evoluir.
Prestar atenção a nós mesmos, saber como somos, o que
pensamos, o que sentimos é indispensável no processo de evolução humana.
Perceber como as impressões que recebemos a cada instante nos afetam, na psique
e no corpo é condição fundamental para uma real transformação interior. Além
disso, perceber como nos influenciamos mutuamente nesse processo, uma vez que
nossas psiques não estão separadas, mas unidas pelo inconsciente.
Observar a nós mesmos é indispensável para descobrir como
somos. Prestar atenção a nós mesmos, aqui e agora, a cada instante da nossa
vida cotidiana, nos fará descobrir como somos de verdade. Chegará um momento em
que começaremos a nos dar conta de padrões repetitivos – as representações
mentais. Perceberemos que elas são muitas e de diversos graus, em densidade e
profundidade. É neste ponto que começamos a nos relacionar com nosso próprio
inconsciente. É aqui que a possibilidade de uma real transformação se dará.
A vida nos chama para mudanças, faz parte dos ciclos da
existência. Muito dos sofrimentos pelos quais passamos são consequência da
rigidez mental e emocional que se instala em nós pela ausência desse trabalho
interior.
O processo da terapia é um caminho maravilhoso para o
autoconhecimento. A meditação é a forma mais elevada de autocompreensão, mas se
não conseguimos sozinhos, podemos apelar para a ajuda de um terapeuta.
Modificar representações mentais deixa em nós uma sensação
muito boa de energia que circula, de vida em movimento. É uma leveza
indescritível. Mas é preciso querer passar pelo processo da crisálida para
alcançar esse patamar superior.