quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Mandalas


Mandalas

Mandalas são círculos nos quais a divindade principal é colocada no centro, e as outras em camadas. São uma superfície consagrada, protetora, contra determinadas invasões. São um mapa do mundo. Psicologicamente, conforme tão bem estudadas por Jung, correspondem aos elementos estruturais que compõem a personalidade humana, centrados no indivíduo, que ocupa o centro da figura.

A mandala se apresenta, por vezes, na forma de Yantras, desenhos geométricos entrelaçados que, em sua simetria parecem brotar de um ponto central. Esses desenhos são usados em certas práticas de meditação.

É indiscutível a força integradora que se sente na Mandala, o que levou Jung a estudá-las em detalhe. Ela aparece nos momentos em que o ser humano é submetido a uma tensão desagregadora. Surge nas crianças que vêem os pais se separarem, nos adultos quando a neurose se estabelece ou sempre que ocorre uma invasão do inconsciente na alma humana. É uma tentativa de autocura que a Natureza espontaneamente adota. Uma barreira à desintegração.

A filosofia hindu, ou qualquer outro sistema por ela influenciado, é um método para alcançar a autoconsciência. Para isso a Sadhana (prática) é indispensável. No trabalho psicanalítico sabemos que a cisão entre o intelecto e a psique é algo grave e precisa ser reparada. É necessário, pois, restabelecer essa autoconsciência do ego, isolado da Consciência Cósmica. Para a Vedanta, essa Consciência Cósmica é Brahman. A centelha individual, o ego, é Atman. Atman=Brahman. Mas, essa identidade não é consciente no homem comum, e quanto mais inconsciente ele for dessa realidade, maior a tensão existencial, a angústia. A prática (Sadhana) é o método que leva ao reencontro dessa consciência.

A Consciência Cósmica é uma superconsciência da qual o inconsciente coletivo de Jung é apenas um aspecto. Nela estamos mergulhados, existimos e temos o ser. A consciência relativa cria as imagens em função da limitação da percepção do Absoluto através dos sentidos. Neste Oceano Primordial nada é perdido.

Os hindus não consideram a vida como sendo uma luta entre o bem e o mal, entre a virtude e o pecado, mas como uma oposição entre aquela consciência luminosa e seu oposto. A psique e o inconsciente, que chamam de Maya, são os dois pólos desse processo que se chama vida. Sendo assim, estamos diante de uma constante intromissão dessa Maya. Estamos, mais ou menos, sob o seu controle.

A mandala é um recurso gráfico, externo, para conduzir à reintegração. É como se fosse um mapa do Universo mostrando a sua geografia externa e interna. Quando examinamos o Universo, o Sol, a Terra, ou o ser humano notamos uma grande semelhança. Existe sempre uma superfície externa, limite, um centro de atração que congrega em verdadeiras camadas as partes componentes. E se assim não fosse, as coisas explodiriam e não teriam forma. A forma é a marca externa de uma Mandala. Assim como existe a forma para o físico, há um contexto para o psicológico. Uma idéia é uma Mandala quando perfeitamente definida. Um sistema de pensamento é uma Mandala, pois possui uma estrutura, um conjunto. A mandala, mesmo que não a notemos, é implícita e realizável. Suas infinitas possibilidades de realização estão mergulhadas nas profundezas do Inconsciente. A Mandala é, portanto, um Cosmograma, e um Psicograma. Um roteiro para o Absoluto.

 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Mantras e sua Utilidade para a Psicanálise

Mantras

O mantra é a própria razão de ser de muitas práticas tântricas. A palavra mantra origina-se de uma antiga raiz sânscrita, man, que significa pensar, e o sufixo tra, que significa instrumento. O mantra é um conjunto de sons ou palavras com efeitos vibratórios, psíquicos e espirituais, quando devidamente pronunciados.

De acordo com o Tantrismo, cada coisa, seja qual for sua constituição, nada mais é que uma concentração de energia, uma vibração. Toda vibração de um objeto produz uma modificação, que poderá ou não ser apreendida pelo homem.

Nos hinos do Rig-Veda, os Mantras eram apresentados como instrumentos etéricos para o homem atingir a integração da consciência humana com a consciência cósmica. Segundo os Rishis (sábios), os Mantras impregnam o éter supremo e imperecível, onde os deuses estão presentes. A linguagem humana, nascida da utilização da voz, é a manifestação, no físico, de uma tensão psicológica gerada num plano mais sutil; o mental. Portanto, falar gera libertação de tensões. Existem duas maneiras de falar. Uma, a mecânica, à maneira dos seres, na qual a linguagem nada mais é do que o resultado de um processo “digestivo” mental. As palavras nada mais são do que conceitos mal digeridos que irão, por sua vez, ser absorvidos pelos outros para, incorporando-se em suas naturezas nervosas, serem novamente expelidos e permitir a continuação do processo. E com ele todas as infecções psíquicas causadas pelas contaminações decorrentes da falta de higiene dos que são obrigados a viver no meio do esgoto para onde fluem os subprodutos da mente humana. A outra forma é a que se encontra na linguagem intencional nascida de uma experiência em primeira mão da realidade. É a palavra correta, não contaminada, que brota do aqui e agora. Essa palavra não contamina, mas cura.

Os Mantras servem para várias finalidades. Vejamos algumas relacionadas aos objetivos da psicanálise:

a)    Libertação secundária: refere-se ao alívio de um peso ou de alguma coisa que nos aperta até a cura de uma neurose, quando é atingido aquilo que convencionalmente chamamos de “saúde psíquica”.

b)    Evitar a má influência: O homem pode vestir uma couraça protetora, uma barreira contra a contaminação psíquica, de imensa utilidade num mundo dito desenvolvido e civilizado, mas que continua desconhecendo as regras básicas da higiene hiperfísica.

c)    Exorcizar os demônios: Em primeiro lugar, temos que situar devidamente o que seja demônio no mundo tântrico. São nuvens de força imensa atraídas pelos seres de acordo com o seu estado interior (seus pensamentos e sentimentos naquele momento). A neurose, no conceito tântrico, é a posse do paciente por um conteúdo psíquico que o infecta e destrói a sua paz. A remoção da causa, a conscientização da mesma através de várias técnicas é o verdadeiro exorcismo. Numa de suas obras, o Dr. Jung chama a atenção para a influência através do inconsciente coletivo de certas vibrações advindas de pessoas desajustadas. No Volume 9, de um ensaio intitulado “Concerning Rebirth”, ele afirma: “Grande aglomerações de pessoas são sempre um campo propício para epidemias psíquicas”. No Volume 17 do “The Development of Personality”, Jung relata: “As doenças psíquicas e nervosas das crianças dependem enormemente das perturbações no mundo psíquico dos pais. Todas as dificuldades dos pais refletem-se, sem falhar, na psique da criança”.

d)    Curar doenças: A doença é uma quebra de ritmos. Uma dissonância na harmonia natural do funcionamento do sistema psicofísico. Está definitivamente provada a íntima relação entre corpo e espírito, e a forma pela qual muitas doenças físicas aparecem depois de um período de incubação no psíquico. Nesse caso, a cura é a reconstituição dos tecidos psíquicos e poderá ser acelerada pelo uso adequado do som.

e)    Influenciar as ações e pensamentos dos outros: Podemos, segundo o Tantra, mediante a repetição adequada do Mantra, auxiliar os outros. Um Mantra é um som, uma vibração. Toda vibração tem uma forma, uma estrutura, um ritmo. É um campo vibratório que atua diretamente sobre os que estão em contato direto com ele. A mãe que acalenta o filho está, na sua espontaneidade, emitindo um Mantra que produz resultados marcados. Há uma série de fórmulas mântricas usadas com essa intenção. Esse material pode ser encontrado em obras de Mantra-Yoga.

f)     Purificação do corpo humano: A idéia de limpeza e higiene é muito antiga na Índia. Os banhos, o fogo, os incensos, os mantras são recursos para essa higiene do sutil. Antes de certos rituais, o homem tem que se submeter a um processo de assepsia. O Mantra é uma espécie de detergente interno para a remoção da escória acumulada pela vida afora, ou mesmo de outras encarnações.

A eficiência do Mantra não é uma questão de teoria. É um segredo que se revela ao coração do homem e que depende de cada um de nós comprovar. Seria de muita utilidade na clínica psicanalítica, o uso de mantras, tanto pelo terapeuta como pelo analisando, de acordo com a necessidade que a terapia apresentar.

Na Mitologia Hindu, cada deus possui seu mantra. Significa dizer que se queremos uma conexão com partes mais sublimes de nosso Inconsciente, podemos acessá-las usando os mantras correspondentes.

O Mantra atua tanto no próprio emissor como nos receptores que tiveram possibilidades de com ele entrar em ressonância. Mesmo aqueles que não ressoam, que não são autoconscientes, são beneficiados, assim como toda a coletividade. 

 

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Transformando as Representações Mentais


  
                                               TRANSFORMANDO AS REPRESENTAÇÕES MENTAIS

Já faz algum tempo que gostaria de escrever sobre o interessante tema da transformação das impressões mentais.

Outro dia, depois de assistir ao filme “A Caça”, pensei: “É uma boa hora!” Este filme conta a história de um professor que foi injustamente acusado de pedofilia e teve sua vida destruída por causa do julgamento precipitado da comunidade em que vivia: perdeu o emprego, os amigos, o respeito de alguns familiares, a namorada, sofreu muitas humilhações e mesmo agressões morais e físicas, chegou até a ser preso (mas liberado por falta de provas). Ao final, mesmo com a verdade vindo à tona, e a comunidade aceitando-o de volta, ele ficou profundamente marcado por aquela experiência. Nunca mais foi o mesmo, apesar da aparência de normalidade. De fato, não dá para ser a mesma pessoa depois de algo assim, nem ver seus antigos “amigos/agressores” da mesma maneira.

De um lado, as pessoas da comunidade mudaram a representação mental que tinham dele, a partir do momento que aceitaram as fofocas como verdade. De um dia para outro, ele, que era um respeitável membro da comunidade, tornou-se execrável, sendo hostilizado pela quase totalidade das pessoas, dos amigos, dos familiares.

O filme permite muitas reflexões, mas gostaria de ficar neste tópico, pois a vida se processa assim, e isso qualquer um de nós percebe: hoje temos uma impressão, seja das situações ou das pessoas, e isso pode mudar a qualquer momento, de uma hora para outra.  Onde reside a mudança? Em nosso interior, nas representações mentais.

Só para esclarecer: representações mentais são a imagem mental ou as impressões, acompanhadas de um conceito, que temos de situações e pessoas. A todo momento recebemos impressões. Retemos de 2% a 3% delas, na forma de percepções conscientes; as demais são percebidas inconscientemente.

Existem diferentes vias para que isso aconteça, e em várias oitavas também. O mais comum são as situações do diário viver. Na interação social, através do que chamamos “experiências da vida”, vamos alterando essas impressões. Através dos ciclos de idades vamos modificando nossa visão do mundo, como um processo natural de amadurecimento psicológico.  Pela maneira como percebemos os fenômenos da vida, vamos construindo nossos valores. Sabemos que há uma herança que trazemos de nossos antepassados, predisposições que são reforçadas a cada geração. Acresce-se a elas o resultado do meio ambiente, da educação que recebemos, da maneira que somos tratados no meio familiar. Tudo isso deixa “marcas” em nosso psiquismo, uma base sobre a qual nossa vida se desenrola.

Esse conjunto de percepções podemos chamar de crenças, conceitos, preconceitos,  juízos, idéias, etc. São os valores plantados em nós no meio familiar e social. Nenhum de nós escapa de ter tais representações. As comunidades, tribos, etc., se baseiam em tais valores.

Somente depois de uma certa idade (normalmente a partir da adolescência) é que começamos a questionar essa base de valores. Quanto mais equipado for o nosso aparelho psíquico, melhor será nosso potencial de questionamento, de reavaliação e principalmente nosso potencial para lidar com a realidade, aqui e agora.

Assim, vemos que as representações mentais podem ser trabalhadas em duas frentes:

1)      Revendo as impressões cristalizadas, fruto de nosso passado coletivo: crenças, conceitos, preconceitos, valores morais, princípios de vida, aquilo que acreditamos ser a verdade.

2)      Atentando para as impressões que nos chegam a todo momento, a cada instante.

Então, duas necessidades se colocam:

1)      Viver no “aqui e agora”;

2)      Limpar nosso mundo mental de impressões cristalizadas.

Na convivência social não podemos nos desconectar de nossas origens, pois elas nos definem. O que podemos, sim, é questionar até que ponto essa estrutura cristalizada é óbice para nossa evolução como seres humanos. Podemos quebrar a rigidez dos conceitos e permitir mutações em nossa maneira de pensar, criando um movimento nessas estruturas mentais.

Por vezes, uma maneira de pensar já está ultrapassada e se não vemos isso por nós mesmos, a “vida” se encarrega de faze-lo, colocando-nos em situações de confronto. A finalidade é nos levar a uma mudança de mentalidade, uma transformação das representações.

Há valores eternos e há valores temporais. As experiências da vida tendem ao reforço dos valores eternos e à revisão dos valores temporais. Todos que padecem na vida acabam por se render à humildade, solidariedade, respeito, e tantos outros valores anímicos. Mas, para chegar a esses valores precisamos trabalhar os valores temporais, rever conceitos e crenças, quebrar o que foi estruturado durante muitos anos e até mesmo séculos.

Uma pequena circunstância de vida revela muito sobre tais representações mentais. As situações do dia-a-dia são os professores, os guias para essa autodescoberta. O que precisamos é estar no aqui e agora, num estado natural de atenção sobre nós mesmos, para perceber resistências, incômodos, vozes internas, julgamentos, críticas, etc.

A autopsicanálise é indispensável para uma adequada mudança nas representações mentais. Se não questionarmos o que pensamos, como e porque pensamos, nunca vamos nos transformar, nos aperfeiçoar, evoluir.

Prestar atenção a nós mesmos, saber como somos, o que pensamos, o que sentimos é indispensável no processo de evolução humana. Perceber como as impressões que recebemos a cada instante nos afetam, na psique e no corpo é condição fundamental para uma real transformação interior. Além disso, perceber como nos influenciamos mutuamente nesse processo, uma vez que nossas psiques não estão separadas, mas unidas pelo inconsciente.

Observar a nós mesmos é indispensável para descobrir como somos. Prestar atenção a nós mesmos, aqui e agora, a cada instante da nossa vida cotidiana, nos fará descobrir como somos de verdade. Chegará um momento em que começaremos a nos dar conta de padrões repetitivos – as representações mentais. Perceberemos que elas são muitas e de diversos graus, em densidade e profundidade. É neste ponto que começamos a nos relacionar com nosso próprio inconsciente. É aqui que a possibilidade de uma real transformação se dará.

A vida nos chama para mudanças, faz parte dos ciclos da existência. Muito dos sofrimentos pelos quais passamos são consequência da rigidez mental e emocional que se instala em nós pela ausência desse trabalho interior.

O processo da terapia é um caminho maravilhoso para o autoconhecimento. A meditação é a forma mais elevada de autocompreensão, mas se não conseguimos sozinhos, podemos apelar para a ajuda de um terapeuta.

Modificar representações mentais deixa em nós uma sensação muito boa de energia que circula, de vida em movimento. É uma leveza indescritível. Mas é preciso querer passar pelo processo da crisálida para alcançar esse patamar superior.