sexta-feira, 20 de março de 2015

Dissociações



Dissociação é um mecanismo de defesa que se caracteriza pela REMOÇÃO da consciência, de uma memória relacionada a uma experiência traumática esmagadora para o sujeito. O impacto do trauma é tal que a pessoa separa os pensamentos e as emoções relacionadas ao acontecimento, apagando-os da memória. Pode ter sido um acidente, a perda de um ser amado, uma situação de abuso (mental, emocional, violência física ou mesmo sexual). Assim, toda dissociação relaciona-se com um grau de AMNÉSIA.
Freud percebeu a dissociação psíquica logo nos primórdios da Psicanálise. Na evolução de sua teoria, evidenciou que o processo dissociativo estava na base da histeria, das obsessões, das fobias e também das psicoses de defesa. Com base em estudos atuais, sabe-se que Anna O., a famosa paciente de Freud e Breuer, era sobretudo dissociativa. Contudo, Freud deu preferência à linha da repressão para fundamentar seus estudos sobre a histeria.
Há diversos graus de dissociação, que vão desde uma simples despersonalização até um transtorno de personalidade múltipla polifragmentada. O problema com a questão das personalidades múltiplas é o sensacionalismo que se criou á sua volta, levantando inclusive a dúvida de que realmente exista. Exemplos tornados famosos foram os casos de Eve (pseudônimo de Christine C. Sizemore) e Sybil (pseudônimo de Shirley A. Mason), dramatizados em filmes.
Os processos dissociativos funcionam como uma adaptação em primeiro plano, para lidar com situações desestabilizadoras, onde a intensidade do fluxo emocional é intensa. Nesses casos, as dissociações são egossintônicas e consideradas normais. Hoje, sabe-se que os glicocorticoides secretados durante experiências traumáticas podem desativar o hipocampo, tornando impossível que a memória episódica (a memória de estar lá) seja colocada em primeiro plano. Assim, essa memória pode estar perdida para sempre.
O uso da dissociação como mecanismo primário de defesa só é possível em pessoas que tem uma forte predisposição à autohipnose, de outro modo outras defesas primárias serão ativadas.  Terapeutas experientes tem encarado a dissociação como uma síndrome de estresse crônico pós-traumático com origem na infância. Uma criança com tendência a ter amigos imaginários ou criar identidades fantasiosas, pode ter mais facilidade para se refugiar em um mundo interno secreto, quando aterrorizada ou acometida por trauma emocional. São pessoas normalmente brilhantes e criativas.
Terror, horror e vergonha estão entre as emoções que provocam dissociação em qualquer situação traumática. A estas, pode-se acrescentar raiva, excitação e culpa. Entre os estados físicos, incluem-se dor intolerável e excitação sexual confusa. Quanto mais emoções em conflito, mais o campo se torna fértil para uma dissociação. Uma vez instalada na psique, a dissociação passa a ser uma defesa automática. O que começou como uma forma de adaptação termina por se tornar um elemento de regulação dos afetos, na idade adulta.
No trabalho clínico temos a oportunidade de testemunhar a ativação de um trauma há muito adormecido. A pessoa pode ver um filme com cenas de abuso, por exemplo, e ter seu próprio trauma revivido. Em outros casos, a pessoa começa a lembrar da situação traumática quando um filho ou criança próxima chega à idade que ele mesmo tinha quando sofreu a experiência dolorosa. Às vezes, basta um acontecimento fortuito para ativar a dissociação, como levar um tombo, sentir um odor, visitar locais onde viveu na infância... Enfim, são inúmeras as situações.
Um fenômeno dissociativo bastante estudado é a DESPERSONALIZAÇÃO, que consiste num distanciamento de si mesmo, onde a pessoa se sente um observador externo dos seus próprios processos mentais ou físicos. É uma experiência comum, como uma busca de adaptação do organismo em meio a um fator de estresse. O indivíduo necessita de uma pausa para se recompor e, assim, se abastecer para continuar as atividades. Estatísticas demonstram que esses sintomas acometem cerca de 70% das pessoas. Contudo, quando os sintomas são contínuos ou muito severos um diagnóstico preciso se faz necessário, uma vez que a despersonalização é comumente associada a outros transtornos mentais.
Em 1988, Benett Braun elevou o conceito de dissociação ao status de categoria superordenada quando propôs a seguinte conceitualização: BASK (behavior/affect/sensation/knowledge), cuja tradução ao português nos dá: comportamento - afeto - sensação - conhecimento. É possível dissociar numa ou em todas estas esferas. Pode-se dissociar: o comportamento, em uma paralisia; o afeto, ao recordar um trauma sem senti-lo; uma sensação, como na memória corporal de abuso; o conhecimento, como nos casos de fuga amnésica. Esse modelo de Benett coloca a depressão como subsidiária da dissociação, como também outros fenômenos até então considerados histéricos ou de natureza conflitiva intrapsíquica.
A experiência, durante a infância, que dá origem à maior parte das dissociações é o abuso, seja de que tipo for. A desestabilização das famílias, o crescimento das adições, o aumento das cenas de violência nos meios de comunicação são alguns exemplos pertinentes ao quadro da atual humanidade. Mas, sabemos que abusos acontecem desde sempre, através dos tempos. A análise de casos particulares remete, por vezes, a abusos sofridos pelos progenitores e seus ascendentes, evidenciando um padrão hereditário. Pactos de silêncio estão na raiz desses padrões, um tipo de conspiração familiar sistêmica empenhada em negar sentimentos, esquecer a dor e agir como se nada tivesse acontecido (ou esteja acontecendo).
Para mais informações sobre este tema sugerimos os seguintes autores: Nancy McWilliams, Benett Braun, Richard Chefetz e R. J. Loewenstein.

Bernizete Gouvea – psicanalista           bernizetegouvea.blogspot.com.br


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

relaxamento1

Exercício de relaxamento baseado nas técnicas de visualização criadora. Indicado para pessoas que tem dificuldade em relaxar ou meditar sozinhas. Para aqueles que padecem de ansiedade, recomendamos praticá-lo antes de dormir.

Boa prática!





terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O Sabotador Interno: O Lado Psicótico do Ego


Desde Freud, passando por K. Abraham, R. Sterba, Fairbain, Winnicott, Bion e vários outros, evidenciou-se a presença de um lado psicótico do ego, cindido, parte integrante de qualquer pessoa considerada normal.

Essa realidade interna do ego foi detalhadamente estudada por algumas filosofias consideradas de cunho místico, como a budista, a tibetana e a gnóstica. Elas afirmam que o ego é multifacetado, contendo áreas profundamente inconscientes, que funcionam contra o próprio indivíduo. Dessa forma, e com base nisso, essas filosofias construíram toda uma didática para a “morte do ego”, com exercícios meditativos que objetivam o desenvolvimento de estados alterados de consciência, para assim “viajar” aos recônditos mais profundos da mente e compreender essas construções psíquicas.
Na psicanálise, parte-se do princípio de que essa parte do ego é fruto de cisões que aconteceram desde o nascimento, é algo inconsciente, que não reconhecemos em nós, a princípio.

Bion denominou de “parte psicótica da personalidade” a esse lado patológico de nós mesmos. Rosenfeld nomeou-a de “gangue narcisista”, pelo fato desta organização intimidar o restante do ego sadio. B. Joseph chamou-a de “pseudo-cooperativa”, pois ela faz de tudo para que o indivíduo não tenha acesso à sua parte doente. Uma observação interessante partiu de J. Steiner, quando afirmou que mesmo o lado sadio do ego está de acordo com o lado patológico, havendo entre eles uma relação perversa e viciosa, com a finalidade de permanecerem inalterados.

David Zimerman usa o termo contra-ego para referir-se a esta parte patológica da personalidade, considerando-a uma subestrutura intra-ego, que se organiza, segundo ele, como “uma oposição às partes sadias e verdadeiras do ego, embora algo frágeis, a partir do princípio de que são essas partes do ego que levam o sujeito a um estado de sofrimento, desamparo e humilhação”.

Segundo Zimerman, encontram-se no contra-ego os elementos que provocam o fracasso do processo analítico:

a)      Medo de perder a própria identidade;
b)      Medo da aniquilação, de se desintegrar;
c)       Medo de afrouxar as defesas e submergir na posição depressiva;
d)      Medo paranoico de mergulhar no desconhecido;
e)      Inveja do sucesso do analista;
f)       Sentimentos de culpa;
g)      Sentimentos de vergonha;
h)      Sentimentos de vulnerabilidade, por conta das próprias limitações.

O lado doente do ego é multifacético. Compõe-se de distintos “eus”, cada um com sua característica própria. Vejamos algumas: sabotagem; reclamação, polêmica e reivindicações constantes, retaliação e mutilação, perversão, repetição de padrões (crenças arraigadas e nunca questionadas), vitimização, nivelamento por baixo.
O contra-ego engloba os receios de –novamente – ser enganado, traído e humilhado, mobilizando recursos defensivos e ofensivos para evitar isso. Assim, ele sabota oportunidades de crescimento.
Normalmente, esses inimigos internos são tratados como amigos pela parte sadia do ego, que favorece a construção de barreiras, bloqueios e toda uma série de defesas para que os conteúdos reprimidos não venham à tona. É importante que nos conscientizemos dessas condutas prejudiciais, pois elas são autolimitantes ao extremo, causando-nos atrasos em vários setores: pessoal, profissional, de relacionamentos, etc.

A auto-observação é um começo muito bom. Através do desenvolvimento deste recurso psíquico podemos perceber a atuação da parte psicótica de nós mesmos e passar e entender certos padrões inconscientes sob os quais funcionamos. Mas, pela profundidade e complexidade do tema, aconselhamos a busca e orientação de um bom terapeuta.