Artemidoro viveu no século II. Nasceu em Éfeso, Ásia Menor,
e dedicou sua vida à onirocrisia (arte de interpretar sonhos). Escreveu, entre
outros, um livro intitulado “A Chave dos
Sonhos”, onde ensina os fundamentos dessa arte, pois ele acreditava que
qualquer pessoa, homem ou mulher, não importando idade, posição social,
profissão, deveria valorizar e entender o simbolismo das suas imagens oníricas.
Artemidoro fala de dois tipos de sonhos:
1)
Enupnia: que traduzem o estado atual do
indivíduo, seja em nível físico ou psíquico. São sonhos que trabalham do
presente para o presente. Ex: se está com fome, sonha com comida; se sente
medo, sonha com a situação onde esse medo ressalta; se está apaixonado, sonha
com a pessoa amada, etc.
2)
Oneiron: são os sonhos premonitórios, que
representam uma mensagem do Ser (Self), sobre acontecimentos da vida pessoal,
passíveis de acontecerem de fato num futuro mais ou menos próximo. Esses sonhos
são que tem o potencial de modificar a pessoa, contribuindo para sua jornada
interior.
Tanto num quanto noutro, há sonhos que são muito claros, com
a mensagem objetiva, e outros que requerem uma decifração de seus elementos. Artemidoro classifica como teoremáticos os sonhos óbvios em
que a imagem traduz aquilo que é, sem sentidos ocultos. Denominou, por sua vez,
de alegóricos àqueles que são simbólicos, exigindo uma interpretação.
A questão que se levanta: como saber quando o sonho é
teoremático ou alegórico? Segundo Artemidoro é preciso interrogar o sonhador.
Portanto, um diálogo é necessário para entender as predisposições da pessoa.
Percebemos, sem demora, que estamos diante de um
psicanalista do século II. Ele afirma que quanto mais simples e inocente uma
pessoa for, mais objetivos e concretos são seus sonhos. Já aquelas pessoas mais
experientes, com uma mente carregada de conhecimentos, são mais propensas aos
sonhos onde o desejo reprimido se oculta em representações do objeto. Ele cita
um exemplo: Um certo habitante de Corinto, uma alma versada, via em sonho o desabamento
do teto de sua casa e sua própria decapitação. Artemidoro, após análise acurada,
chegou à conclusão de que se tratava de um sonho alegórico – o indivíduo em
questão desejava a morte de seu mestre.
Mas, e quando o sonho é, de fato, premonitório, isto é,
anuncia um acontecimento futuro? Bem, mesmo que haja elementos simbólicos
encobrindo a real natureza da mensagem, o tempo se encarrega de corroborar o
sonho, dando lugar aos acontecimentos previstos no sonho.
Para Artemidoro, o trabalho de interpretação dos sonhos tem
lugar especial nas experiências oníricas de pessoas comuns, com ou sem
instrução e cultura, sendo os sonhos premonitórios, ou de acontecimentos, os
mais importantes. Nestes sonhos não há transparência, pois uma imagem é usada
para dar significado a outra, e, além disso, resultará num acontecimento
futuro.
Que método Artemidoro utiliza? O da analogia. Para ele a
arte de interpretar sonhos reside sobre a Lei da Semelhança. Ele trata dessa
analogia em dois planos:
a)
Analogia de Natureza: considera a imagem do
sonho e os elementos do futuro que ele anuncia. Aqui se observa várias
situações envolvendo identidade qualitativa, identidade da palavra, parentesco
simbólico, crença num mito, categoria de existência, semelhança de prática.
Exemplos: sonhar com lama pode significar que o corpo está repleto de
substâncias nocivas; sonhar com um mal-estar pode significar o futuro da saúde
ou da fortuna; sonhar com um leão pode significar vitória em um assunto
importante; sonhar com casamento pode significar morte ou viuvez; um doente
sonhar que está casando com uma virgem pode indicar sua morte iminente.
b)
Analogia de Valor: tem por finalidade determinar
se os acontecimentos que ocorrerão serão favoráveis ou não. Artemidoro propôs
seis critérios para esta análise. O ato representado é conforme: 1) à natureza?;
2) à lei?; 3) aos costumes?; 4) às regras e práticas e possibilitam a uma ação
atingir seus objetivos?; 5) ao tempo?; 6) quanto ao seu nome?
Artemidoro, contudo, diz que o princípio da semelhança não é
universal e que pode haver exceções, uma inversão de valores, isto é, certos
sonhos “bons por dentro” podem ser “maus por fora” e vice-versa. Assim, ele
também coloca a possibilidade da analogia dos contrários: o ato imaginado no
sonho resulta em um acontecimento oposto no estado de vigília.
Há, portanto, em torno dos signos e significados, positivos
ou negativos, toda uma gama de possibilidades. Toda essa complexidade exige que
se leve em conta todos os aspectos do sonho, assim como a análise da pessoa do
sonhador.
Na arte de interpretação onírica de Artemidoro o significado
é fortemente marcado pela divisão entre bom/mau, feliz/infeliz, moral/imoral,
fasto/nefasto, afinal, ele é filho do seu tempo e das características que
predominavam na cultura em que viveu e se desenvolveu. Toda a obra está
impregnada de uma ética do sujeito que ainda existia em sua época; e suas
interpretações, com certeza, se encaixavam naquela realidade.
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