domingo, 28 de setembro de 2014

Artemidoro e a Interpretação de Sonhos (sec.II)


Artemidoro viveu no século II. Nasceu em Éfeso, Ásia Menor, e dedicou sua vida à onirocrisia (arte de interpretar sonhos). Escreveu, entre outros,  um livro intitulado “A Chave dos Sonhos”, onde ensina os fundamentos dessa arte, pois ele acreditava que qualquer pessoa, homem ou mulher, não importando idade, posição social, profissão, deveria valorizar e entender o simbolismo das suas imagens oníricas.

Artemidoro fala de dois tipos de sonhos:

1)      Enupnia: que traduzem o estado atual do indivíduo, seja em nível físico ou psíquico. São sonhos que trabalham do presente para o presente. Ex: se está com fome, sonha com comida; se sente medo, sonha com a situação onde esse medo ressalta; se está apaixonado, sonha com a pessoa amada, etc.

2)      Oneiron: são os sonhos premonitórios, que representam uma mensagem do Ser (Self), sobre acontecimentos da vida pessoal, passíveis de acontecerem de fato num futuro mais ou menos próximo. Esses sonhos são que tem o potencial de modificar a pessoa, contribuindo para sua jornada interior.

Tanto num quanto noutro, há sonhos que são muito claros, com a mensagem objetiva, e outros que requerem uma decifração de seus elementos. Artemidoro classifica como teoremáticos os sonhos óbvios em que a imagem traduz aquilo que é, sem sentidos ocultos. Denominou, por sua vez, de alegóricos àqueles que são simbólicos, exigindo uma interpretação.

A questão que se levanta: como saber quando o sonho é teoremático ou alegórico? Segundo Artemidoro é preciso interrogar o sonhador. Portanto, um diálogo é necessário para entender as predisposições da pessoa.

Percebemos, sem demora, que estamos diante de um psicanalista do século II. Ele afirma que quanto mais simples e inocente uma pessoa for, mais objetivos e concretos são seus sonhos. Já aquelas pessoas mais experientes, com uma mente carregada de conhecimentos, são mais propensas aos sonhos onde o desejo reprimido se oculta em representações do objeto. Ele cita um exemplo: Um certo habitante de Corinto, uma alma versada, via em sonho o desabamento do teto de sua casa e sua própria decapitação. Artemidoro, após análise acurada, chegou à conclusão de que se tratava de um sonho alegórico – o indivíduo em questão desejava a morte de seu mestre.

Mas, e quando o sonho é, de fato, premonitório, isto é, anuncia um acontecimento futuro? Bem, mesmo que haja elementos simbólicos encobrindo a real natureza da mensagem, o tempo se encarrega de corroborar o sonho, dando lugar aos acontecimentos previstos no sonho.

Para Artemidoro, o trabalho de interpretação dos sonhos tem lugar especial nas experiências oníricas de pessoas comuns, com ou sem instrução e cultura, sendo os sonhos premonitórios, ou de acontecimentos, os mais importantes. Nestes sonhos não há transparência, pois uma imagem é usada para dar significado a outra, e, além disso, resultará num acontecimento futuro.

Que método Artemidoro utiliza? O da analogia. Para ele a arte de interpretar sonhos reside sobre a Lei da Semelhança. Ele trata dessa analogia em dois planos:

a)      Analogia de Natureza: considera a imagem do sonho e os elementos do futuro que ele anuncia. Aqui se observa várias situações envolvendo identidade qualitativa, identidade da palavra, parentesco simbólico, crença num mito, categoria de existência, semelhança de prática. Exemplos: sonhar com lama pode significar que o corpo está repleto de substâncias nocivas; sonhar com um mal-estar pode significar o futuro da saúde ou da fortuna; sonhar com um leão pode significar vitória em um assunto importante; sonhar com casamento pode significar morte ou viuvez; um doente sonhar que está casando com uma virgem pode indicar sua morte iminente.

b)      Analogia de Valor: tem por finalidade determinar se os acontecimentos que ocorrerão serão favoráveis ou não. Artemidoro propôs seis critérios para esta análise. O ato representado é conforme: 1) à natureza?; 2) à lei?; 3) aos costumes?; 4) às regras e práticas e possibilitam a uma ação atingir seus objetivos?; 5) ao tempo?; 6) quanto ao seu nome?

Artemidoro, contudo, diz que o princípio da semelhança não é universal e que pode haver exceções, uma inversão de valores, isto é, certos sonhos “bons por dentro” podem ser “maus por fora” e vice-versa. Assim, ele também coloca a possibilidade da analogia dos contrários: o ato imaginado no sonho resulta em um acontecimento oposto no estado de vigília.

Há, portanto, em torno dos signos e significados, positivos ou negativos, toda uma gama de possibilidades. Toda essa complexidade exige que se leve em conta todos os aspectos do sonho, assim como a análise da pessoa do sonhador.

Na arte de interpretação onírica de Artemidoro o significado é fortemente marcado pela divisão entre bom/mau, feliz/infeliz, moral/imoral, fasto/nefasto, afinal, ele é filho do seu tempo e das características que predominavam na cultura em que viveu e se desenvolveu. Toda a obra está impregnada de uma ética do sujeito que ainda existia em sua época; e suas interpretações, com certeza, se encaixavam naquela realidade.

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