Desde Freud, passando por K. Abraham, R. Sterba, Fairbain,
Winnicott, Bion e vários outros, evidenciou-se a presença de um lado psicótico do ego,
cindido, parte integrante de qualquer pessoa considerada normal.
Essa realidade interna do ego foi detalhadamente estudada
por algumas filosofias consideradas de cunho místico, como a budista, a
tibetana e a gnóstica. Elas afirmam que o ego é multifacetado, contendo áreas
profundamente inconscientes, que funcionam contra o próprio indivíduo. Dessa
forma, e com base nisso, essas filosofias construíram toda uma didática para a “morte
do ego”, com exercícios meditativos que objetivam o desenvolvimento de estados
alterados de consciência, para assim “viajar” aos recônditos mais profundos da
mente e compreender essas construções psíquicas.
Na psicanálise, parte-se do princípio de que essa parte do
ego é fruto de cisões que aconteceram desde o nascimento, é algo inconsciente, que não reconhecemos em nós, a
princípio.
Bion denominou de “parte psicótica da personalidade” a esse
lado patológico de nós mesmos. Rosenfeld nomeou-a de “gangue narcisista”, pelo
fato desta organização intimidar o restante do ego sadio. B. Joseph chamou-a de
“pseudo-cooperativa”, pois ela faz de tudo para que o indivíduo não tenha
acesso à sua parte doente. Uma observação interessante partiu de J. Steiner,
quando afirmou que mesmo o lado sadio do ego está de acordo com o lado
patológico, havendo entre eles uma relação perversa e viciosa, com a finalidade
de permanecerem inalterados.
David Zimerman usa o termo contra-ego para referir-se a esta
parte patológica da personalidade, considerando-a uma subestrutura intra-ego,
que se organiza, segundo ele, como “uma oposição às partes sadias e verdadeiras
do ego, embora algo frágeis, a partir do princípio de que são essas partes do
ego que levam o sujeito a um estado de sofrimento, desamparo e humilhação”.
Segundo Zimerman, encontram-se no contra-ego os elementos
que provocam o fracasso do processo analítico:
a)
Medo de perder a própria identidade;
b)
Medo da aniquilação, de se desintegrar;
c)
Medo de afrouxar as defesas e submergir na posição
depressiva;
d)
Medo paranoico de mergulhar no desconhecido;
e)
Inveja do sucesso do analista;
f)
Sentimentos de culpa;
g)
Sentimentos de vergonha;
h)
Sentimentos de vulnerabilidade, por conta das
próprias limitações.
O lado doente do ego é multifacético. Compõe-se de distintos
“eus”, cada um com sua característica própria. Vejamos algumas: sabotagem; reclamação,
polêmica e reivindicações constantes, retaliação e mutilação, perversão,
repetição de padrões (crenças arraigadas e nunca questionadas), vitimização,
nivelamento por baixo.
O contra-ego engloba os receios de –novamente – ser enganado,
traído e humilhado, mobilizando recursos defensivos e ofensivos para evitar
isso. Assim, ele sabota oportunidades de crescimento.
Normalmente, esses inimigos internos são tratados como
amigos pela parte sadia do ego, que favorece a construção de barreiras,
bloqueios e toda uma série de defesas para que os conteúdos reprimidos não
venham à tona. É importante que nos conscientizemos dessas condutas prejudiciais,
pois elas são autolimitantes ao extremo, causando-nos atrasos em vários
setores: pessoal, profissional, de relacionamentos, etc.
A auto-observação é um começo muito bom. Através do
desenvolvimento deste recurso psíquico podemos perceber a atuação da parte psicótica
de nós mesmos e passar e entender certos padrões inconscientes sob os quais
funcionamos. Mas, pela profundidade e complexidade do tema, aconselhamos a busca
e orientação de um bom terapeuta.