segunda-feira, 21 de julho de 2014

Independência versus Dependência



Olhando do ponto de vista da anatomia oculta, os chacras da base e sacral realizam uma dança intrincadíssima, onde a essência de “quem somos” costuma ser formulada pela natureza de nossas relações afetivas e, por sua vez, as relações afetivas são profundamente influenciadas pela identidade que optamos por apresentar naquele momento. Em outras palavras, não conseguimos encontrar aquele espaço de segurança necessário ao chacra da base, vivendo isolados no alto de uma torre de marfim, mas também é verdade que se vincularmos nosso senso de identidade a nossas relações com as pessoas, com o trabalho, com objetivos materiais ou conceitos, nos sentiremos inseguros e sem confiança em nós mesmos.
Na verdade, o ciúme e a possessividade ocorrem quando um membro de um casal procura encontrar-se através de símbolos externos de segurança e descobre que a outra parte está em falta. Então colocam sua relação afetiva numa camisa de força, ansiando por aquela sensação de algo especial proporcionada inicialmente pela paixão de um amor novo. Infelizmente isso não resolve o problema básico de insegurança e, à medida que as condições da aliança sofrem dificuldades, o membro cooperativo começa a bater em retirada para manter seu equilíbrio pessoal.
Os sentimentos inevitáveis de rejeição e isolamento sentidos pela parte ferida costumam ser projetados fora daquela relação afetiva, no mundo exterior. Somente quando o indivíduo tem a coragem de olhar dentro de si e reconhecer sua insegurança básica é que se dispõe a assumir responsabilidade pelo desenvolvimento de alicerces sólidos, de modo que suas raízes possam ser realmente nutridas e sua força interior possa aumentar.
É claro que a situação oposta também é comum, com a pessoa parecendo tão competente e tanto no controle que tem pouca necessidade de ligação afetiva e prefere mostrar o “rosto da independência” a todos os interessados. Muitas vezes se surpreendem em relações com alguém que não está disponível mental ou fisicamente, como alguém casado, que mora no exterior ou que raramente expressa seus sentimentos. Nenhum desses indivíduos exige compromisso, nem intimidade verdadeira e, nesse caso, a independência pode ser mantida sem a perda de controle. Mas, qualquer um que precise manter um senso de identidade tão forte assim não se sente seguro e, na verdade, tem medo de se sentir desafiado por uma aliança que representa, potencialmente, mudança, vulnerabilidade e, acima de tudo, amor.
Toda a questão de independência versus dependência é fundamental quando estudamos o chacra sacral onde, em última instância, ambos precisam entregar-se a uma faceta ainda mais importante das relações afetivas, a INTERDEPENDÊNCIA.
Como disse o Profeta (com palavras escritas por Kahlil Gibran) ao falar a respeito do casamento:
Entreguem o coração, mas não para o outro guardar,
Pois somente a mão da Vida pode conter seus corações.
E fiquem juntos, mas não juntos demais,
Pois os pilares do templo ficam separados,
E o carvalho e o cipreste não crescem na sombra um do outro.

A interdependência permite a cada um conhecer o outro e percorrer seu próprio caminho, ao mesmo tempo que sustentam alegremente uma viga mestra, a relação afetiva, em favor de sua viagem maior.
Se não houver nada em comum, não há relação alguma, quer estejamos falando de uma pessoa, um emprego ou uma crença. O interessante é que, às vezes, a única coisa que mantém um casamento de pé é a falta de amor de um pelo outro, e quando uma das pessoas morre, existe ainda mais um pesar genuíno por essa relação afetiva disfuncional.
Outras relações parecem extremamente simbióticas e cômodas, mas são mantidas por um contrato de codependência que diz: “Serei o que você quer que eu seja desde que você seja o que eu quero, e que nenhum dos dois desrespeite esse acordo nem por um minuto”. Chamo esse tipo de relação afetiva de “tenda”, onde os únicos pontos de apoio são as cordas retesadas em direções opostas para manter a tensão interior que não é imediatamente visível ao mundo exterior. Esse arranjo funciona perfeitamente bem até um dos membros expandir seus horizontes. As regras e regulamentos da tribo/família são questionados e são feitas todas as tentativas no sentido de restaurar o status quo, muitas vezes através do medo e da manipulação: “Se você me amasse...”, ou “Vou me sentir feliz depois que você se encontrar realmente e tudo puder voltar a ser como antes”.
Esse é um problema comum dessa época de mudança, quando tanta gente está procurando um significado maior para sua vida e descobrindo que os velhos modelos não têm a flexibilidade necessária à auto-expressão. Entretanto, qualquer relação construída sobre os alicerces do amor e do respeito tem condições de permitir o colapso das estruturas desgastadas, a introdução de novas ideias e o encorajamento do diálogo que pode manter uma ligação saudável.
Acho que todos conhecemos relações afetivas onde parece inconcebível que uma das pessoas sobreviva sem a outra devido à sua ligação profunda. Quando a separação acontece, todos observam com grande expectativa. De vez em quando, a previsão realiza-se, com uma morte depois da outra; no entanto, o mais comum é o indivíduo que ficou oscilar e depois começar a se endireitar, utilizando suas reservas interiores e, apesar de sua tristeza, preparar-se para seguir em frente. Na verdade, em geral surge uma personalidade inteiramente nova, vivendo de uma maneira que questiona crenças antigas e surpreendendo muitas vezes a própria pessoa.
Em síntese, esse chacra levanta questões que giram em torno do respeito, espaço, flexibilidade e compromisso. Será que podemos encontrar um lugar em nossas relações afetivas onde ambas as partes se sintam alimentadas, respeitadas e ouvidas e, se necessário, estarmos dispostos a fazer isso por nós mesmos, em vez de esperar que o mundo faça por nós? Esta última situação é exemplificada pela “donzela em apuros”, preparada a esperar para sempre no alto da torre por seu “cavaleiro andante”, sem perceber que ele está esperando ao pé da escada; basta que ela tome a providência de dar o primeiro passo em sua direção.

Christine Page, “Anatomia da Cura”, ps. 156/159.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

A Volta Para Casa (o retorno ao próprio Self)


A volta ao lar refere-se à conexão com a própria alma.
Todos nós temos a tendência de nos deixar levar pelas exigências do diário viver, que envolvem casa, família, trabalho e todas as responsabilidades que acumulamos.
Quando perdemos contato com quem somos internamente, a vida torna-se pouco criativa. Nós não podemos nos esquecer de que é a alma quem fertiliza o campo das ações.  Quando recuperamos esse alinhamento, a vida volta a ser criativa, nossos campos verdejam e as flores desabrocham.
Abaixo, separei um trecho do livro, “Mulheres que Correm com os Lobos”. Este livro trata da alma feminina, de forma profunda e embasada em contos de fadas e mitos de diversos povos através do mundo. Embora seja voltado à mulher, acredito que seja muito útil aos homens também, em função de seu aprendizado pessoal, bem como para entender melhor a natureza feminina e cuidar melhor daquelas que os cercam.
O trecho abaixo está inserido na história da mulher foca, que trata da volta ao lar ou o retorno ao próprio Self.

(Mulheres que Correm com os Lobos, p.353-355)

A volta ao lar pode ser muitas coisas diferentes para mulheres diferentes. (...) É importante compreender que a volta ao lar não implica necessariamente gastar dinheiro. Gasta-se tempo. Essa volta exige uma firme determinação de dizer “Eu vou” e de estar falando a sério. Você pode simplesmente avisar, já de costas, “estou indo, mas vou voltar”, mas você precisa continuar na direção certa mesmo assim.
Há muitas formas de volta ao lar. Muitas são rotineiras; algumas são sublimes. Minhas clientes me dizem que as seguintes iniciativas práticas representam uma volta ao lar para elas... Embora eu deva admitir que a exata localização da saída para essa volta muda de vez em quando, de modo que num mês ela pode ser diferente do mês anterior. Reler trechos de livros e de poemas isolados que as comoveram. Passar até mesmo alguns minutos sem as crianças por perto. Sentar na varanda debulhando, tricotando ou descascando. Caminhar ou passear de carro por uma hora, em qualquer direção, e depois voltar. Apanhar qualquer ônibus, com destino desconhecido. Tocar um instrumento enquanto se ouve música. Assistir ao nascer do sol. Ir de carro até um lugar em que as luzes da cidade não prejudiquem a visão do céu noturno. Orar. Estar com uma amiga especial. Ficar sentada numa ponte com as pernas balançando no ar. Segurar um bebê no colo. Sentar-se junto a uma janela num café e escrever. Sentar-se num círculo de árvores. Secar o cabelo ao sol. Pôr as mãos num barril cheio de água da chuva. Envasar plantas, fazendo questão de enlamear muito as mãos. Contemplar a beleza, a graça, a comovente fragilidade dos seres humanos.
Portanto, a volta ao lar não implica necessariamente uma árdua viagem por terra. Entretanto, não quero dar a entender que seja algo simples, pois existe muita resistência à volta ao lar, seja ela fácil ou não.
Existe uma outra explicação para a atitude das mulheres de adiar a volta, uma explicação que é mais misteriosa, ou seja, o excesso de identificação da mulher com o arquétipo do curador. Ora, um arquétipo é uma força enorme que nos é tanto misteriosa quanto instrutiva. Ganhamos muito se ficamos perto desse arquétipo, se o imitamos, se mantemos um relacionamento equilibrado com ele. Cada arquétipo possui suas próprias características que ratificam o nome que lhe damos: o da grande mãe, o da criança divina, o do deus-sol e assim por diante.
O arquétipo do grande curador contém sabedoria, bondade, conhecimento, solicitude e todas as outras qualidades associadas a quem cura. Portanto, é bom ser generosa, delicada e solícita como o arquétipo do grande curador. Mas, só até certo ponto. Além desse ponto, esse arquétipo exerce uma influência prejudicial na nossa vida. A compulsão das mulheres no sentido de “tudo curar, tudo consertar” é uma importante armadilha formada pelas exigências a nós impostas pelas nossas próprias culturas, especialmente as pressões no sentido de que provemos que não estamos por aí sem fazer nada, ocupando espaço e nos divertindo, mas sim, que temos um valor resgatável. Em algumas partes do mundo, pode-se dizer que o exigido é uma prova de que temos valor e, portanto, deveria ser permitido que vivêssemos. Essas pressões são inseridas na nossa psique quando somos muito jovens e incapazes de ter uma opinião sobre elas ou de lhes oferecer resistência. Elas se tornam uma lei para nós... a não ser que, ou até que, as desafiemos.
No entanto, os clamores do mundo em sofrimento não pode ser todos atendidos por uma única pessoa o tempo todo. Na realidade, só podemos optar por atender àqueles que nos permite voltar ao lar com regularidade; em caso contrário, as luzes do nosso coração praticamente se apagam. O que o coração deseja ajudar é às vezes diferente dos recursos da alma. Se a mulher valoriza sua pele da alma, ele irá decidir essas questões de acordo com sua proximidade do “lar” e com a frequência de sua presença ali.
Embora os arquétipos possam se manifestar através de nós de quando em quando, naquilo que chamamos de experiência numinosa, nenhuma mulher tem condições de permitir a manifestação contínua de um arquétipo. Somente o próprio arquétipo consegue suportar projeções tais como a de disponibilidade permanente, de total generosidade, de energia eterna. Nós podemos tentar imitar essas qualidades, mas elas são ideais, fora do alcance do ser humano, e é assim que deve ser. No entanto, a armadilha exige que as mulheres se esgotem tentando atingir esses níveis fantásticos. Para evitar a armadilha, temos de aprender a dizer “Alto lá”, e “Parem a música”, e é claro que temos de estar falando a sério.
A mulher tem de se afastar, ficar sozinha e examinar, para início de conversa, como ficou presa a um arquétipo. É preciso resgatar e desenvolver o instinto selvagem básico que determina os limites “só até aqui e nem um passo a mais, só esse tanto e nada mais”. É assim que a mulher se mantém norteada. É preferível voltar ao lar por algum tempo, mesmo que isso irrite os outros, em vez de ficar, para se deteriorar e acabar indo embora rastejando, em frangalhos.

Portanto, mulheres que estão cansadas, que estão temporariamente cheias do mundo, que têm medo de tirar uma folga, têm medo de parar, acordem imediatamente! Cubram com um cobertor o gongo estridente que no para de pedir que vocês ajudem aqui, ajudem ali, ajudem mais acolá. Ele ainda estará ali para que você lhe retire o cobertor, se assim desejar, quando estiver de volta. Se não voltamos para casa quando chega a hora, deixamos de ver com nitidez. Encontrar nossa pele, vesti-la, ajeitá-la bem, voltar para casa, tudo isso nos ajuda a ser mais eficazes quando estivermos de volta. Existe um ditado que diz: “É impossível voltar às origens”. Não é verdade. Embora não se possa realmente voltar para dentro do útero, pode-se retornar ao lar da alma. E não é apenas possível; é indispensável.

terça-feira, 15 de julho de 2014

A Síndrome de Frankenstein


Você conhece alguém que se sente ou se vê socialmente recusado e pessoalmente temido? Caso sua resposta seja “sim”, você pode estar diante de um caso de Síndrome de Frankenstein. As pessoas com esta síndrome sentem-se vítimas de intolerância e preconceito e por isso assumem o comportamento de “monstros” perante a sociedade, como forma de se defenderem da agressividade que vem dos outros.
Essas pessoas podem desenvolver vícios, também como forma de fuga da intensa dor da rejeição. Por vezes aparentam indiferença ao mundo que as cerca, adotando um estilo de vida fora do padrão, agressivo aos olhos da maioria. Essas atitudes funcionam como defesas para disfarçar sua real maneira de ser, comumente pessoas muito sensíveis.
Você se lembra da história de Frankenstein? Vamos dar uma repassada. Se te interessar, o filme que mais se aproxima do livro é o de 1994, com Robert De Niro.
Mary Shelley, escritora britânica, é tida como a autora do livro que narra a história de um monstro criado em laboratório por um engenhoso estudante de ciências naturais, Vitor Frankenstein. Estudiosos da obra acreditam que o verdadeiro autor é seu marido (na época, noivo), Percy Bysshe Shelley. Muitas interpretações são possíveis para a verdadeira mensagem que traz esta obra, sendo a mais forte delas a intolerância e o preconceito em relação à homossexualidade.
O título inglês da obra é “Frankenstein: O Novo Prometeu”, sendo originalmente um romance de terror gótico.
Dito monstro, articulado e eloqüente, fugiu do laboratório de Vitor, escondendo-se numa floresta, onde aprendeu a comer frutas e vegetais, e a usar o fogo.
Ao se deparar com seres humanos era sempre escorraçado e agredido, então, eventualmente, escondeu-se num depósito de lenha anexo a uma cabana. De lá, observava, através de frestas, a vida de uma família pobre de ex-nobres, afeiçoando-se a eles e ajudando-os em segredo. A família consistia de um pai cego e um casal de irmãos. Aprendeu a língua e a escrita espionando as aulas que davam à noite à noiva árabe do irmão, e encontrou livros onde aprendeu sobre a vida e a virtude. Após longo tempo, criou coragem para se apresentar à família, e conseguiu conversar com o pai cego, mas quando os filhos chegaram e o viram junto ao pai, também o escorraçaram.  
A criatura torna-se amargurada e resolve procurar seu criador, cujo diário descobrira no bolso do casaco que levou do laboratório na noite da fuga. Por onde passava, era sempre agredido pelos humanos.
Em Genebra, já transtornado por tanta rejeição, começa a cometer assassinatos. Matou o irmão mais novo de Vitor Frankenstein, deixando que fosse incriminada uma jovem criada, Justine. Vitor sabia que o monstro era o culpado e resolveu encontrá-lo num lugar mais afastado. Lá, o monstro dizia que precisava de uma companhia feminina e exigiu que ele construísse uma fêmea para ele. Assim, ele deixaria todos em paz e iria viver nas florestas com sua noiva. Mas, se Vitor não cumprisse o acordo, iria submetê-lo a tormentos de todo tipo.
Ao voltar para Genebra, Vitor fica noivo de Elizabeth, uma moça criada junto com ele e amada como uma filha por seu pai. Na Grã-Bretanha, vai para uma das ilhas do arquipélago Orkneys, onde começa a construir a fêmea. Mas, ele muda de idéia e destrói a criatura. O monstro jura se vingar e mata Elizabeth e Clerval, seu melhor amigo. O pai de Vitor também termina por falecer, pois não suporta a perda de Elizabeth.  
Vitor passa a perseguir a criatura, que o leva através de uma longa caçada em direção ao norte, prosseguindo pelos mares congelados, onde eventualmente são avistados por um navio e resgatados.
Vitor estava, a essa altura, muito doente, e faleceu alguns dias depois. O Capitão vê o monstro chorando por ele em seu leito de morte. Ele diz ao Capitão que vai até o extremo norte e lá iria se suicidar, deixando em paz a humanidade.
Assim termina a história.
Vemos que o “monstro” é alguém que não teve a oportunidade de achar seu lugar no mundo. Por ser diferente, era rejeitado e escorraçado, sem ter chances concretas de expressar quem ele era interiormente. Era julgado sem misericórdia e, em decorrência disso, terminou desenvolvendo uma amargura, uma frieza, chegando a cometer assassinatos em diversas ocasiões.
 A síndrome de Frankenstein faz a pessoa padecer de um profundo sentimento de inadequação. O indivíduo torna-se muito solitário, não se sente parte de lugar nenhum, não se sente parte da própria família, não é compreendido. Ele desenvolve um mecanismo de defesa onde cria uma armadura como forma de agressão. Quer mostrar sua rebeldia, agredindo o outro, por vezes através de atitudes específicas que sabe, causarão horror nos outros.  
Podemos pensar que tal síndrome acontece apenas em “tribos” específicas, gangues, etc. Não necessariamente. Essa síndrome pode estar inconscientemente instalada na psique de um bom pai de família, de um filho aparentemente estável, e só vir à tona sob o efeito de álcool ou drogas. Nestas condições, podem cometer atos de muita crueldade com membros de sua família ou vítimas eventuais. Quando passa o efeito da droga, eles voltam “ao normal”.
No processo psicanalítico, podemos nos deparar com tal síndrome aliada aos medos, ou oculta num comportamento de preguiça, ou enraizada num complexo de castração, e por aí vai. Comumente, encontramos um quadro de muitos maltratos, físicos e psicológicos na infância.

A cura? Começa por abrir portas para este indivíduo, fazendo-o sentir-se convidado a entrar, sentir-se aceito como é. Os demais passos virão no seu tempo.