Dissociação é um mecanismo de
defesa que se caracteriza pela REMOÇÃO da consciência, de uma memória
relacionada a uma experiência traumática esmagadora para o sujeito. O impacto
do trauma é tal que a pessoa separa os pensamentos e as emoções relacionadas ao
acontecimento, apagando-os da memória. Pode ter sido um acidente, a perda de um
ser amado, uma situação de abuso (mental, emocional, violência física ou mesmo
sexual). Assim, toda dissociação relaciona-se com um grau de AMNÉSIA.
Freud percebeu a dissociação
psíquica logo nos primórdios da Psicanálise. Na evolução de sua teoria,
evidenciou que o processo dissociativo estava na base da histeria, das
obsessões, das fobias e também das psicoses de defesa. Com base em estudos
atuais, sabe-se que Anna O., a famosa paciente de Freud e Breuer, era sobretudo
dissociativa. Contudo, Freud deu preferência à linha da repressão para
fundamentar seus estudos sobre a histeria.
Há diversos graus de dissociação,
que vão desde uma simples despersonalização até um transtorno de personalidade
múltipla polifragmentada. O problema com a questão das personalidades múltiplas
é o sensacionalismo que se criou á sua volta, levantando inclusive a dúvida de
que realmente exista. Exemplos tornados famosos foram os casos de Eve
(pseudônimo de Christine C. Sizemore) e Sybil (pseudônimo de Shirley A. Mason),
dramatizados em filmes.
Os processos dissociativos
funcionam como uma adaptação em primeiro plano, para lidar com situações
desestabilizadoras, onde a intensidade do fluxo emocional é intensa. Nesses
casos, as dissociações são egossintônicas e consideradas normais. Hoje, sabe-se
que os glicocorticoides secretados durante experiências traumáticas podem
desativar o hipocampo, tornando impossível que a memória episódica (a memória
de estar lá) seja colocada em primeiro plano. Assim, essa memória pode estar
perdida para sempre.
O uso da dissociação como
mecanismo primário de defesa só é possível em pessoas que tem uma forte
predisposição à autohipnose, de outro modo outras defesas primárias serão
ativadas. Terapeutas experientes tem
encarado a dissociação como uma síndrome de estresse crônico pós-traumático com
origem na infância. Uma criança com tendência a ter amigos imaginários ou criar
identidades fantasiosas, pode ter mais facilidade para se refugiar em um mundo
interno secreto, quando aterrorizada ou acometida por trauma emocional. São
pessoas normalmente brilhantes e criativas.
Terror, horror e vergonha estão
entre as emoções que provocam dissociação em qualquer situação traumática. A
estas, pode-se acrescentar raiva, excitação e culpa. Entre os estados físicos,
incluem-se dor intolerável e excitação sexual confusa. Quanto mais emoções em
conflito, mais o campo se torna fértil para uma dissociação. Uma vez instalada
na psique, a dissociação passa a ser uma defesa automática. O que começou como
uma forma de adaptação termina por se tornar um elemento de regulação dos
afetos, na idade adulta.
No trabalho clínico temos a
oportunidade de testemunhar a ativação de um trauma há muito adormecido. A
pessoa pode ver um filme com cenas de abuso, por exemplo, e ter seu próprio
trauma revivido. Em outros casos, a pessoa começa a lembrar da situação
traumática quando um filho ou criança próxima chega à idade que ele mesmo tinha
quando sofreu a experiência dolorosa. Às vezes, basta um acontecimento fortuito
para ativar a dissociação, como levar um tombo, sentir um odor, visitar locais
onde viveu na infância... Enfim, são inúmeras as situações.
Um fenômeno dissociativo bastante
estudado é a DESPERSONALIZAÇÃO, que consiste num distanciamento de si mesmo,
onde a pessoa se sente um observador externo dos seus próprios processos
mentais ou físicos. É uma experiência comum, como uma busca de adaptação do
organismo em meio a um fator de estresse. O indivíduo necessita de uma pausa
para se recompor e, assim, se abastecer para continuar as atividades. Estatísticas
demonstram que esses sintomas acometem cerca de 70% das pessoas. Contudo,
quando os sintomas são contínuos ou muito severos um diagnóstico preciso se faz
necessário, uma vez que a despersonalização é comumente associada a outros
transtornos mentais.
Em 1988, Benett Braun elevou o
conceito de dissociação ao status de categoria superordenada quando propôs a
seguinte conceitualização: BASK (behavior/affect/sensation/knowledge), cuja
tradução ao português nos dá: comportamento - afeto - sensação - conhecimento.
É possível dissociar numa ou em todas estas esferas. Pode-se dissociar: o comportamento,
em uma paralisia; o afeto, ao recordar um trauma sem senti-lo; uma sensação,
como na memória corporal de abuso; o conhecimento, como nos casos de fuga
amnésica. Esse modelo de Benett coloca a depressão como subsidiária da
dissociação, como também outros fenômenos até então considerados histéricos ou
de natureza conflitiva intrapsíquica.
A experiência, durante a
infância, que dá origem à maior parte das dissociações é o abuso, seja de que
tipo for. A desestabilização das famílias, o crescimento das adições, o aumento
das cenas de violência nos meios de comunicação são alguns exemplos pertinentes
ao quadro da atual humanidade. Mas, sabemos que abusos acontecem desde sempre,
através dos tempos. A análise de casos particulares remete, por vezes, a abusos
sofridos pelos progenitores e seus ascendentes, evidenciando um padrão hereditário.
Pactos de silêncio estão na raiz desses padrões, um tipo de conspiração
familiar sistêmica empenhada em negar sentimentos, esquecer a dor e agir como
se nada tivesse acontecido (ou esteja acontecendo).
Para mais informações sobre este
tema sugerimos os seguintes autores: Nancy McWilliams, Benett Braun, Richard
Chefetz e R. J. Loewenstein.
Bernizete Gouvea – psicanalista bernizetegouvea.blogspot.com.br