sábado, 27 de fevereiro de 2016

Funcionalismo do Masoquismo




Para o entendimento deste traço psíquico nos apoiamos, principalmente, nas reflexões de Wilhelm Reich expressadas em seu livro “Análise do Caráter”, Capítulo 11, valendo-nos de trechos do mesmo. Este livro é uma ótima fonte de estudo sobre o funcionalismo da personalidade humana.
Antes de mais nada, vejamos dois conceitos globalmente aceito sobre o significado do MASOQUISMO, que encontramos no dicionário do Google:
a)      “atitude de uma pessoa que busca o sofrimento, a humilhação, ou que neles se compraz”.
b)      “perversão caracterizada pela obtenção de prazer sexual a partir de sofrimento ou humilhação a que o próprio indivíduo se submete; algolagnia passiva”.
A palavra em si foi cunhada pela psiquiatra alemão Richard Von Krafft-Ebing. A base para tal veio das cenas descritas no livro “A Vênus de Peles” (1870), escrito pelo jornalista austríaco Leopold Von Sacher-Masoch.  Na cena em questão, um dos personagens chega ao orgasmo após ser surrado pelo amante de sua esposa.
Em tempo, frisamos que ambos os conceitos são limitados. São poucas as pessoas masoquistas que desenvolvem uma perversão masoquista.  Tampouco é adequado afirmar que o masoquista busca o sofrimento, pois a base dos instintos, ou do ID, falando em linguagem estritamente psicanalítica, é o princípio do prazer.  Assim, uma análise mais acurada se fez necessária e W. Reich buscou elucidar esta questão.  Vejamos o que ele descobriu.
O masoquista vê como agradável o que a pessoa normal sente como desagradável. Assim, o masoquista não busca o sofrimento, mas sente prazer no sofrimento. Por aí, vemos que não dá para separar o masoquismo da sua polaridade oposta, o sadismo.
A psicanálise entende que cada fase de desenvolvimento psicossexual se caracteriza por uma forma correspondente de agressão sádica, como segue:
1)      Sadismo oral: frustração da sucção.  Impulso destrutivo: morder.
2)      Sadismo anal: frustração do prazer anal. Impulso destrutivo: esmagar, pisar, bater.
3)      Sadismo fálico: frustração do prazer genital. Impulso destrutivo: penetrar, perfurar.
O sadismo torna-se masoquismo quando se volta contra a própria pessoa, ou seja, quando são inibidos pela frustração e pelo medo, terminando em autodestruição.
O superego torna-se o agente da punição. O sentimento de culpa resulta do conflito entre o impulso amoroso e o impulso destrutivo.
A angústia é um fenômeno do mesmo processo de excitação no sistema vaso-vegetativo, advindo que, no sistema sensorial é percebido como prazer. A angústia não é nada mais do que uma sensação de aperto, uma condição de estase, medos (perigos imaginados) que se tornam emocionalmente carregados quando ocorre essa estase específica.
O masoquismo, longe de buscar desprazer, demonstra forte intolerância a tensões psíquicas e sofre uma superprodução de desprazer em termos quantitativos, não encontrados em qualquer outra neurose.
Segundo Reich, um traço de caráter masoquista típico é um sentimento subjetivo crônico de sofrimento que se manifesta objetivamente e se distingue como uma tendência para se queixar. Como traços adicionais, temos: tendências crônicas de infringir dor a si próprio e de se autodepreciar (masoquismo moral) e uma intensa paixão por atormentar os outros, com o que o masoquista não sofre menos que seu objeto.
Uma pessoa não castiga a si própria para aplacar ou subornar o superego, a fim de, então, desfrutar o prazer livre de angústia. O masoquista chega à atividade agradável como qualquer outra pessoa, mas o medo da punição interpõe-se. A autopunição masoquista é a realização não do castigo temido, mas de um outro, substituto, mais suave. Assim, representa um tipo de DEFESA contra o castigo e a angústia. A entrega passiva-feminina à pessoa que castiga é típica do caráter masoquista.
O masoquista gosta particularmente de provocar os objetos através dos quais sofreu desapontamentos. De início, esses objetos eram amados, então houve um despontamento ou o amor exigido pela criança não foi suficientemente satisfeito.
Qual o significado da exigência excessiva de amor? A resposta está na predisposição à angústia, sempre presente nos masoquistas.
Há uma correlação direta entre a atitude masoquista e a exigência de amor, por um lado, e por outro, a tensão desagradável e a predisposição à angústia.
Tal como se queixar representa uma exigência de amor disfarçada e a provocação uma tentativa desesperada de forçar o amor, a formação global masoquista representa uma tentativa malograda de se livrar da angústia e do desprazer. Malograda porque, por mais que ele tente, ele nunca se liberta da tensão interna que constantemente ameaça se transformar em angústia.
O caráter masoquista procura conter a tensão interna e a ameaça de angústia por um método inadequado, ou seja, atraindo amor através de provocações e desafios.
Essa exigência de amor se baseia num medo de ser abandonado, experimentado intensamente bem no começo da vida. O caráter masoquista não poder suportar ficar só, tal como não pode suportar a possibilidade de perder uma relação de amor.
O caráter masoquista não pode suportar a perda de um objeto, do mesmo modo que não poder despojá-lo de seu papel protetor. Não pode suportar a perda de contato.
Em todo masoquista, seja ele moral ou erógeno, encontramos uma base especificamente erógena para esse sentimento.
O erotismo cutâneo tem papel especial num masoquista. A pele assume esse papel de uma maneira muito complicada e sinuosa apenas quando vários elementos de desapontamento coincidem.
Só o medo de ser abandonado se baseia diretamente no medo que surge quando se perde o contato de pele com a pessoa amada. A síndrome do masoquista (que inclui a perversão) se relaciona com a pele: ser beliscado, esfregado com escovas, chicoteado, amarrado, qualquer coisa que faça a pele sangrar.
A intenção original não é um desejo de dor. O objetivo de ser chicoteado não é de sofrer dor; antes, a dor é suportada por causa da queimação. Fisiologicamente, a tensão interna é determinada pela restrição do fluxo sanguíneo. Por outro lado, o forte fluxo sanguíneo pela periferia do corpo ativa a tensão interna e, em consequência, a base fisiológica da angústia.
Ser abandonado no mundo significa ter frio e ficar desprotegido; isto é uma condição intolerável de tensão.  A combinação especial de erotismo cutâneo, aliado ao medo de ser abandonado, que procura resolução através de contato corporal, é característica específica do masoquismo.
O caráter masoquista não pode tolerar elogios e tende para a autodestruição e a auto-humilhação. Tende a sentir-se estúpido ou a agir como estúpido.
Toda estrutura neurótica tem um distúrbio genital que, de uma forma ou de outra, provoca a estase sexual e assim fornece à neurose sua fonte de energia.
O caráter masoquista gera uma quantidade excessiva de desprazer, e isso proporciona uma base real para seu sentimento de sofrimento.
O conflito entre o desejo sexual e o medo de punição é central em toda neurose. Não há processo neurótico sem esse conflito.
Para a terapia do masoquismo é importante que o analista penetre as barricadas de caráter do cliente, ajudando-o a superar a tendência de fazer uso de seu sofrimento para provar que o terapeuta está errado. A revelação de sua natureza sádica é o primeiro passo e o mais urgente – o sadismo original subjacente – aquele que carrega a angústia de castração.
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