sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Câncer: Uma Abordagem Psicossomática (4)


REGRESSÃO E RELIGIÃO

Paralelamente àquilo que foi dito até agora, torna-se claro na regressão um outro motivo básico do adoecimento por câncer que, igualmente mergulhado nas sombras, é vivido de maneira substitutiva pelo corpo. Regressão é a volta aos inícios, à origem. Os afetados perderam o contato com sua origem primária, as células do tumor têm de viver o tema em si mesmas e o fazem corporalmente à sua maneira letal. A pessoa evidentemente precisa do relacionamento vivo com suas raízes, a re-ligio.

Mas isso não significa apenas o passo atrás, mas também uma retomada. Somente o passo atrás que se torna uma religação torna o progresso real possível. Essa aparente contradição é expressa também na imagem do câncer. Por um lado as células dão um passo atrás e retrocedem às primitivas formas juvenis e por outro, com a tendência à onipotência e à imortalidade, progridem furiosamente.

Tal contradição somente pode ser resolvida pelo sentido primário da religião. Religio quer dizer religação com a origem, com a unidade. Por outro lado, esta unidade chamada de Paraíso pela cristandade, é também o objetivo do caminho de desenvolvimento cristão. Segundo a Bíblia, os homens provêm do Paraíso e um dia devem voltar para lá. É o caminho que vai da unidade inconsciente para a unidade consciente. A expulsão do Paraíso é completada pelo retorno do filho pródigo à casa de seu pai. Podemos ver quão profundamente este padrão arquetípico está enraizado no ser humano pelo fato de a religião hindu descrever o caminho de maneira bastante análoga: “Daqui para aqui”. O antigo símbolo do uroboro, a srpente que morde a própria cauda, é a imagem mais oportuna deste padrão verdadeiramente abrangente. As religiões sempre descrevem o caminho rumo à iluminação, ou seja, rumo à imortalidade, como uma caminhada para a frente em direção à saída e o caminho como um movimento circular, ou seja, em espiral. Consideração e cuidado são igualmente necessários e visam o mesmo objetivo, a unidade.

Nos pacientes de câncer, a recuperação da consciência da origem com a pergunta “De onde venho”, assim como a perspectiva futura, com a pergunta “Para onde vou”, saíram da consciência para mergulhar nas sombras, passando a ser representadas corporalmente. O cuidado e consideração exagerados com que os afetados se mantêm nos estreitos limites da vizinhança e do futuro concretos mostram como eles se tornaram míopes para o significado direto das perguntas. Eles têm tanta consideração para com as outras pessoas, sua moral e suas regras de vida e vão ao encontro do amanhã e de tudo que é novo e distante com tanto cuidado, que não sobra espaço algum para as grandes questões do passado e do futuro. O processo cancerígeno, com sua regressão ao abismo e seu avanço desesperado, é um espelho tão terrível como fiel da situação.

O retorno consciente ao início, com suas possibilidades ilimitadas, e a busca de valores eternos, são caminhos totalmente válidos. O deslocamento para o inconsciente, ao contrário, leva à “doença como caminho”. E também esse caminho é sempre um caminho que, mesmo sendo terrível, traz em si a possibilidade de dar frutos. É algo assim como uma última sacudida para que se desperte para as próprias necessidades.

É aí que se encaixa a experiência psicoterapêutica de que frequentemente os pacientes de câncer são profundamente “arreligiosos”. E ainda que muitos perfis de personalidade pareçam contradizer isso e enfatizem a religiosidade e a devoção ao destino, trata-se na maioria das vezes daquela crendice de igreja que não tem nenhum ponto de contato com a religio, mas que deixa que a vida seja administrada e regulamentada pela autoridade eclesiástica. Aferrar-se a prescrições religiosas e na verdade o contrário da religio e deixa o coração frio e vazio. O que parece uma impressionante vida religiosa para o exterior, evidentemente pode ser oco no íntimo. A falta de vida no centro de uma atividade externa exagerada é representada anatomicamente por muitos tumores que têm seus centros necrosados (=partes mortas). De maneira semelhante, a devoção, a entrega ao destino descoberta pelos sociólogos da medicina não deve ser confundida com a postura religiosa do “Seja feita a Sua vontade!” Na maioria das vezes, trata-se de resignação em relação a um destino sentido como superior, mas que não se aceita. No mais profundo íntimo, a base da entrega não é a confiança na criação de Deus, mas sim o desespero e a impotência. Em vez de entregar-se à vida e às suas possibilidades, os pacientes potenciais de câncer estão entregues  a seus cuidados e considerações a curto prazo e a um medo fundamental da existência.
 
("A Doença Como Linguagem da Alma", Dr. Rudiger Dahlke)

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Câncer: Uma Abordagem Psicossomática (3)


CÂNCER: UMA ABORDAGEM PSICOSSOMÁTICA (Anexo 3)

FASES DE DESENVOLVIMENTO DO SINTOMA

A imagem delineada até agora parece fazer justiça somente a uma pequena parte dos pacientes de câncer pois estes, de uma maneira geral, apresentam um padrão de comportamento que parece antes o contrário. Isso se deve a que o padrão reprimido do câncer quase sempre, por um lado, compensa, e por outro, descreve tais perfis de personalidade na época anterior ao surgimento do sintoma. Mas nesta fase o corpo também apresenta uma imagem muito diferente. É o estágio da excitação contínua, que os tecidos e suas células toleram sem reagir. Elas tentam se proteger e erguer barreiras na medida do possível para, através da imobilidade, sobreviver, ou seja, suportar a desagradável situação. Caso uma célula experimente rebelar-se contra a estimulação prolongada e tente seguir seu próprio caminho, degenerando, saindo da espécie, essa insurreição é imediatamente reprimida pelo sistema imunológico.

Neste padrão, que corresponde à primeira fase da doença, fica caracterizada a personalidade típica do câncer. São pessoas extremamente adaptadas que tentam viver da maneira mais despercebida possível, adequando-se às normas e mais incomodando alguém com as próprias exigências. Elas em grande medida ignoram os desafios para crescer espiritualmente e para o desenvolvimento anímico, já que de maneira alguma querem se expor. Sua vida é pouco estimulante em um duplo sentido: por um lado elas evitam, sempre que possível, experiências novas que poderiam movimentar sua vida, já que mal se atrevem a aproximar-se de suas fronteiras. Elas tratam de ignorar os poucos estímulos que rompem sua couraça defensiva. A repressão das possibilidades de experiências-limite reflete-se imperceptivelmente na interrupção da atividade defensiva do corpo, que mantém tudo seguramente sob controle. Experiências que ultrapassam os limites ou simplesmente alguma inofensiva pulada de cerca são sufocadas ainda em gérmen para, a qualquer preço, manter a situação costumeira como sempre.

O degrau seguinte da escalada mostra como esse preço pode ser alto: é quando a corrente de impulsos de crescimento estancada durante anos rompe o dique da repressão e goza descontroladamente a vida até o esgotamento. Após o rompimento do dique, não há nem volta nem parada. O corpo lança-se aquece outro extremo que até então tinha reprimido abnegadamente. Frequentemente o fenômeno da repressão mostra-se tanto na história anímica da vida como na história das doenças do corpo. Não é raro encontrar as chamadas anamneses vazias, ou seja, que o afetado não apresentava o menor sintoma anos e até décadas antes do surgimento do câncer. O que à primeira vista parece uma saúde imaculada, revela-se como rigorosa repressão a um olhar mais atento. Não somente os desvios anímicos da norma, os desvios corporais também foram totalmente reprimidos. Neste contexto, o psico-oncologista Wolf Buntig fala de “normopatia” quando o ater-se rígida e inflexivelmente às normas transforma-se em doença. O que poderia parecer como contenção simpática ou nobre, pode ser na verdade repressão de impulsos vitais e, em última instância, vida não vivida. Assim como a célula sob estimulação forte e constante faz tudo o que pode para continuar desempenhando seu dever como célula do intestino ou do pulmão, os pacientes também tentam perseverar no cumprimento satisfatório de seus deveres como filha, filho, mãe, pai, subordinado, etc., em detrimento de suas necessidades individuais. O próprio desenvolvimento deve ficar para trás, como acontece com a célula martirizada.

De maneira correspondente, a tendência fundamental dessa vida “não vivida” é também reprimida. Muitas vezes, o afetado não tem consciência de sua disposição depressiva latente, da mesma maneira como não é consciente da repressão das tentativas de insurreição do corpo. O meio ambiente não percebe nada, já que ele não mostra nenhuma inclinação a participar disso, demonstrando menos ainda qualquer disposição a realmente compartilhar a vida com outros. É somente quando o dique é rompido e a vida reprimida irrompe que a disposição de participar vem à língua de maneira livre e veemente.

Na fase do surgimento dos sintomas, os afetados já são de fato “pacientes”, eles são sofredores assombrosamente pacientes. Independentes em grande medida do meio que os cerca e em prol das boas relações de vizinhança, eles o tempo todo dão mostras de amigável consideração. Além disso, eles são pessoas confiáveis com quem se pode contar, embora estejam repelindo os impulsos de mudança ainda em gérmen. Em seu esforço para não incomodar e não ser um fardo para ninguém, não é difícil para os pacientes fazer amigos. Mas isso impede que se formem amizades profundas, já que eles não conhecem nem a si mesmos em sua individualidade e não podem nem mesmo mostrar-se realmente. Como eles não apóiam a si mesmos, parece fácil aos outros estar a seu lado. Então, quando no decorrer da doença aparecem traços de caráter mais profundos, porque eles começam a afirmar sua própria vida, não é fácil nem para os pacientes nem para o meio circundante aceitar essas facetas totalmente inesperadas. Os pacientes normopatas têm, frequentemente, a seu redor pessoas que estão em dívida para com eles. Como eles sempre se esforçaram para fazer tudo direito e deixaram para trás o próprio crescimento, pessoas com uma ressonância correspondente passam a estar agora a seu lado.

O comportamento social dos pacientes pode ser descrito exemplarmente a partir do componente social a que chamamos “maioria silenciosa”, à qual eles mesmos pertencem muitas vezes. Com razão eles se consideram pilares da sociedade. Entretanto, por trás dessa fachada de ordem modelar espreitam todas aquelas características contrárias que se tornam evidentes no nível substituto, no corpo, quando o segundo estágio do surgimento do câncer se instaura. O que jamais foi ventilado na consciência encontra agora seu palco, um palco onde acontecem sobretudo dramas, ou seja, “jogos de sombras”.

Os impulsos de mudança que foram repelidos ao longo dos anos se estendem pelo corpo sob a forma de mutações. Esquece-se o que se faz ou se deixa de fazer, agora a única coisa que interessa é a própria ego-trip. A perfeita adaptação social transforma-se em parasitismo egoísta que não respeita nem a tradição nem os direitos alheios. E se antes a pessoa não se permitiu uma única opinião própria, emerge agora das sombras a longamente reprimida pretensão de dar forma a todo o mundo (corpo) segundo a própria imagem. O organismo é saturado de filiae, as filhas portadoras da morte. A sementeira anímica retida por longo tempo emerge agora corporalmente em tempo recorde e mostra como era forte o desejo até então não vivido de auto-realização e de imposição dos próprios interesses.

A erupção do sintoma pode tornar visível uma grande parte das reivindicações reprimidas do ego, em contraste co m o comportamento do paciente. Quando esses componentes sombrios saem à superfície, é principalmente o meio circundante que fica admirado. Pessoas até então pacatas exigem repentinamente que tudo gire em torno delas e de sua “doença”. Tendo o diagnóstico como álibi, elas agora se atrevem a virar a mesa e deixar que os outros dancem segundo sua música. A contenção e, literalmente, o compasso podem agora ser atirados sobre a amurada para serem substituídos por sons totalmente novos. Pessoas idealmente adaptadas repentinamente saem da raia e pulam a cerca. Por mais desagradável que tal atitude possa ser para o meio circundante, há nisso uma grande oportunidade para o afetado. Caso a partir de agora os princípios de transformação, de auto-realização e de consecução passem a ser vividos no plano anímico-espiritual e se tornem visíveis no nível social, o plano corporal é aliviado. Entretanto, muitos pacientes foram tão longe no papel de cumpridor das normas que chegam a manter o papel de mártir mesmo em face da morte. Sem o alívio do plano anímico, o princípio do ego permanece voltado exclusivamente para o palco do corpo. As chances de acabar com o câncer são muito melhores quando toda a pessoa admite o confronto e não envia unicamente o corpo como seu representante na batalha. Para acabar realmente com algo, é necessário primeiro admiti-lo.

Após a primeira fase de contenção e a subseqüente erupção do câncer, fase que muitas vezes dura décadas, confronta o paciente a última etapa, da caquexia, com um terceiro padrão. O corpo se entrega à devoração de suas energias pelo câncer. No sentido mais verdadeiro da palavra, ele se deixa devorar sem oferecer resistência. A devoção e a entrega ao curso do destino são vividos substitutivamente pelo corpo. Ao final, todo paciente vivencia este tema: conscientemente, quando consegue trazer a temática de volta ao nível espiritual, ou inconscientemente caso o corpo seja abandonado em sua atitude de entrega e o paciente continue lutando contra o inevitável. Parece haver aqui uma contradição, já que imputamos ao afetado o fato de ele não lutar o suficiente, deixando-se conduzir pela vontade dos outros. Neste ponto há um encontro de dois planos, dos quais nos ocuparemos no próximo capítulo. Por um lado, o paciente de fato luta muito pouco, por outro lado ele luta em demasia. Em relação ao seu ambiente, que o degrada a determinadas funções, ele decididamente luta pouco. Para isso ele se defende tanto mais de suas tarefas vitais, se caminho e seu destino. Ele poderia abandonar essa resistência com toda a confiança. Em qualquer caso, seu sintoma o força a isso, pois tanto vencendo o câncer como sendo vencido por ele, a fase de rendição ocorrerá.
(extraído do livro "A Doença Como Linguagem da Alma", do Dr. Rudiger Dahlke)
 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Câncer: Uma Abordagem Psicossomática (2)


CÂNCER: UMA ABORDAGEM PSICOSSOMÁTICA (Anexo 2)
por Dr. Rudiger Dahlke (A Doença Como Linguagem da Alma)

A GÊNESE DO CÂNCER

No que se refere à gênese do câncer no nível celular, atualmente os pesquisadores são praticamente unânimes em reconhecer que as mutações ocupam o primeiro plano. A palavra vem do latim e significa modificação. Caso uma célula seja estimulada durante tempo suficiente, pode sofrer modificações drásticas que têm origem no nível do material genético. Os estímulos que preparam esse caminho podem ser os mais variados: mecânicos, químicos ou físicos. Pressão prolongada, o alcatrão dos cigarros ou radiação penetrante são algumas possibilidades.

As células do tecido correspondente podem conseguir suportar a estimulação contínua por muito tempo, mas em algum momento uma delas é superestimulada e degenera. Ela, no mais puro sentido da palavra, modifica seus genes e segue seu próprio caminho que, no entanto, leva na verdade a uma ego-trip. Ela começa algo totalmente novo para suas circunstâncias, dedicando-se ao crescimento e à auto-realização. Um dos nomes médicos para o câncer é neoplasma. Ele expressa esse “novo crescimento”. Aquilo que para o corpo representa um perigo de vida é, para a célula martirizada por tanto tempo, um ato d libertação. Agora tudo depende de o corpo dispor de suficiente estabilidade e poder de defesa para derrotar a insurreição das células. Hoje em dia os pesquisadores partem do princípio de que células degeneram com relativa freqüência, mas tornam-se inofensivas  graças a um bom sistema de defesa. A fraqueza das defesas do organismo tem portanto um significado decisivo para o surgimento do câncer. De fato, é freqüente encontrar em retrospecto um colapso das defesas justamente na época em que se presume que o tumor tenha surgido. De qualquer maneira, nem sempre é fácil esclarecer esse ponto. A rapidez do desenvolvimento depende na verdade do tipo de tumor, mas por outro lado flutua também em tumores do mesmo tipo, dependendo da situação geral. Muitas vezes, um tumor já existe há anos no momento em que é descoberto, tendo um peso de cerca de um grama e consistindo de milhões de células. Deste ponto de vista, ninguém pode saber com certeza se tem câncer ou não. Nós provavelmente estamos sempre tendo câncer, só que o sistema imunológico continua sendo senhor da situação. Isto também pode ser uma razão para o terror inaudito que o tema câncer infunde.

 

OS NÍVES DE SIGNIFICAÇÃO DO EVENTO CANCERÍGENO

O comportamento da célula cancerígena mostra uma problemática de crescimento como tema de fundo. Após muita consideração e cautela, a célula decide fazer o contrário. Crescimento caótico e transbordante sem cuidado e sem consideração que não poupa nem territórios estranhos nem a própria base da vida. Em conseqüência, as leis do crescimento saudável são ignoradas. A célula cancerígena se coloca acima das regras de convivência normal dentro da associação de células e, sem pudor, rompe tabus de importância vital. Em lugar de assumir o lugar que lhe foi designado e cumprir com seu dever, ela sai perigosamente dos limites e da espécie. Dedicando-se a uma selvagem e egocêntrica atividade divisória, ela se divide para todos os lados. A vizinhança e até mesmo as regiões mais afastadas do corpo começam a sentir sua agressão brutal. A ego-trip forma-se devido a uma ênfase excessiva na cabeça das células, esses núcleos superdimensionados, esses centros hidrocefálicos com sua atividade frenética. De fato, tudo tem de acontecer na cabeça da célula cancerígena, toda sua descendência é formada exatamente à sua imagem. Assim, ela é totalmente autárquica e cria seus filhotes sem ajuda externa, virgem por assim dizer. Com essa prole, ela vai de cabeça contra a parede, no mais verdadeiro sentido da palavra. Nem mesmo as membranas basais, os mais importantes muros fronteiriços entre os tecidos, podem resistir às suas agressões.

A célula cancerígena demonstra da mesma maneira crua seu enorme problema de comunicação, reduzindo todas as relações de vizinhança a uma política de cotovelada agressivamente reprimida. Com a energia nascida de sua imaturidade virginal, ela não tem escrúpulos em fazer valer a lei do mais forte e, espremendo seus vizinhos mais frágeis contra a parede, ela os destrói ou os transforma em escravos. Ela sacrifica o acesso ao padrão das estruturas adultas em favor da independência. Ela desistiu da comunicação com o campo de desenvolvimento para o qual tinha sido destinada em favor do egoísmo e de reivindicações de onipotência e imortalidade. O problema de comunicação ganha expressão simbólica na respiração celular destruída, já que a respiração representa o intercâmbio e o contato.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Câncer: Uma Abordagem Psicossomática (1)


CÂNCER:  ABORDAGEM PSICOSSOMÁTICA (Anexo 1)
Esta série de textos sobre o câncer, analisados pela ótica da Medicina Psicossomática, contém uma explicação objetiva e acessível ao leigo, sobre a natureza psíquica desta doença. Este mérito pertence ao Dr. Rudiger Dahlke, em seu livro "A Doença Como Linguagem da Alma", da qual extraímos o que segue:

Por trás do diagnóstico “câncer” oculta-se um grande padrão que pode se expressar em uma grande variedade de sintomas. Cada um deles afeta toda a existência da pessoa, não importando em qual órgão tenha se originado. Neste ponto, o acontecimento do câncer  é demasiado complexo para estar relacionado apenas com o órgão afetado. Sua tendência de propagar-se por todo o corpo mostra que se trata de toda a pessoa. O câncer, sob a forma de fantasma que assombra nossa época, toca não apenas aqueles que são diretamente afetados, mas toda a sociedade, que o transformou em tabu como nenhum outro sintoma. (...)

Uma outra prova de quanto o câncer tornou-se uma destacada ameaça à saúde em nossa época é o fato de ser ele, dentre todas as doenças, a que nos infunde maior terror. A descrição da doença já traz o selo de nossa avaliação: maligno. O infarto do coração, que ceifa mais vidas e confronta as pessoas com a mais pavorosa dor que se conhece, não desperta semelhante horror. O câncer necessariamente nos confronta com um tema que está mergulhado ainda mais profundamente na sombra que a dor e que a própria morte. Além disso, nenhum outro sintoma torna tão clara a relação entre corpo, alma, mente e sociedade como o câncer. Quer partamos do nível celular, da estrutura da personalidade ou da situação social, por toda parte encontramos padrões semelhantes que conhecemos muito bem, que nos chocam e que não podem ser eliminados porque são os próprios padrões primordiais.

 

O CÂNCER NO NÍVEL CELULAR

A maneira mais segura de diagnosticar o câncer, encontrada pela medicina, é nos grupos de células. Células cancerígenas diferenciam-se das células saudáveis por seu crescimento desordenado e caótico. Na célula individual, impressiona o grande tamanho do núcleo. Tal como se fosse a cabeça do empreendimento célula, ele contém toda a informação necessária para seu complicado funcionamento. Ele controla o metabolismo, o crescimento e a divisão. A perversidade que ganha expressão no núcleo superdimensionado tem sua causa na enorme atividade divisória da célula, que não mais desempenha suas tarefas em conjunto com as outras células e passa atuar, sobretudo, na multiplicação de si mesma. Enquanto o núcleo é na verdade pequeno no metabolismo normal, com a caótica divisão celular do evento cancerígeno ele cresce para além de si mesmo no mais puro sentido da palavra, fornecendo um projeto atrás do outro para sua descendência. Até mesmo os processos de regeneração no interior do corpo celular são deixados para trás em favor da incessante produção de novas gerações de células. (...)

Além dos núcleos celulares superdimensionados e sua exagerada tendência à divisão, a indiferenciação das células também lembra as formas da primeira etapa, ainda não maduras. Em seu delírio de propagação elas descuidam muitas outras coisas, perdendo muitas vezes a capacidade de executar complicados processos metabólicos tais como a oxidação. Enquanto, por um lado, regridem à primitiva etapa preparatória da fermentação, por outro elas recuperam a capacidade de produzir substâncias que somente células embrionárias e fetais possuem. (...)

A célula cancerígena tem menos necessidade de comunicar-se com suas vizinhas, o que é vantajoso se considerarmos suas péssimas relações de vizinhança. Enquanto as células normais têm o que se chama de inibidor de contato, que suspende seu crescimento quando encontram outros corpos celulares, as células cancerígenas se comportam exatamente ao contrário. Não tendo fronteiras para respeitar, elas invadem territórios estrangeiros com brutalidade. É compreensível que, com isso, elas despertem a hostilidade da vizinhança. Descobriu-se há pouco que as células cancerígenas não se acanham nem mesmo em verdadeiramente escravizar outras células. Como são demasiado primitivas para executar processos metabólicos diferenciados, elas utilizam células normais e as privam dos frutos de seu trabalho. A célula cancerígena não tem escrúpulos e somente se preocupa, da maneira mais egoísta, com seu crescimento, e isso até mesmo em relação à sua própria progênie, formada exatamente à sua imagem. Muitas vezes, também, os próprios pais ficam no caminho, superados pelo desenvolvimento furioso e privados de provisões. Encontram-se, frequentemente, células mortas, necrosadas, no interior dos tumores, indicando simbolicamente que a mensagem central desse novo crescimento é a morte.

A regressão da célula cancerígena a um padrão de vida anterior mostra-se também em sua atitude parasita. Ela torna tudo aquilo que pode conseguir em alimentação e energia sem estar disposta a dar algo em troca ou a participar das tarefas sociais que ocorrem em qualquer organismo. Ela, assim, exagera um tipo de comportamento que ainda é apropriado para células embrionárias. Evidentemente, no entanto, aquilo que se tolera em uma criança pequena torna-se um problema em um adulto.

Ao ignorar todas as fronteiras, revela-se um outro passo atrás. Assim como as crianças aprendem pouco a pouco a respeitar limites, em seu processo de amadurecimento e diferenciação as células também aprendem a respeitar estruturas dadas e a permanecer dentro da moldura prevista para elas. As células cancerígenas, ao contrário, saem da moldura e deixam para trás tudo o que aprenderam ao longo da evolução. Elas não podem controlar nem fronteiras vitais, nem as grandes estruturas do corpo. Elas perdem totalmente aquele padrão para o qual foram destinadas originalmente. (...)

À medida que os campos morfogenéticos mencionados antes forem sendo pesquisados, possivelmente se chegará a uma compreensão mais profunda da problemática do câncer. Assim como ver o problema – no plano genético – em uma mutação, tem igualmente sentido abordá-lo a partir do ângulo cintilante dos campos formativos. O problema então passa a estar no abandono da moldura preestabelecida. Com isso, o problema se estenderia para além da célula individual, tornando-se um problema do tecido ou órgão afetado, que não está mais em posição de impor seu padrão a todas as células individuais. Este princípio poderia completar a explicação genética, já que em ambos os casos expressa-se na mesma medita o tema da evasão das normas estabelecidas. De fato, o câncer é tanto um problema do meio como da célula individual.

 

 

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Psicanálise e Mitologia: As Deusas Dentro de Nós


         
                                                                AS DEUSAS DENTRO DE NÓS 
(por Jennifer Woolger)

O que é uma deusa?

Com “deusa” queremos exprimir a descrição psicológica de um tipo complexo de personalidade feminina que reconhecemos intuitivamente em nós, nas mulheres a nossa volta, e também nas imagens e ícones que estão em toda parte em nossa cultura. Por exemplo, a jovem executiva, inteligente e bem vestida, tão presente em nossas grandes cidades, é a personificação viva de um tipo de deusa que chamamos mulher-Atena, em homenagem à deusa grega padroeira da antiga cidade de Atenas. Hoje em dia, por ser ela tão prevalente, as revistas, os filmes e os romances reproduzem-na como um estereótipo.

No entanto, o tipo de uma deusa como Atena é muito mais do que um mero estereótipo ou clichê da mídia. Atena também representa uma espécie complexa e altamente evoluída de consciência que caracteriza tudo o que esse tipo de mulher pensa, sente e faz. Os traços mais proeminentes da mulher-Atena são sua dedicação ao trabalho, sua vontade de realizar-se profissionalmente, sua independência e sua intelectualidade. Ela dá grande valor à educação, possui um alto grau de consciência sócio-política e geralmente coloca sua carreira à frente dos filhos e do marido.

Há uma dinâmica fundamental por trás das atitudes de uma mulher como essa que a torna singular enquanto tipo. Parte é adquirida socialmente e parte parece ser inata. Quando a mesma dinâmica psicológica é constatada num grupo de pessoas, temos o que Jung denominou arquétipo. Ele foi o primeiro a observar que tipos dinâmicos dessa espécie podem ser encontrados em sua forma mais pura na mitologia e na literatura, e que também estão presentes, disfarçados, nos sonhos e nas fantasias de todos nós. Pode ser hoje facilmente observados nos filmes, nas novelas de televisão e no modo como a mídia trata a vida de pessoas famosas. Marilyn Monroe tornou-se uma trágica deusa do amor, na tela e fora dela; Oliver North representou o herói patriótico frustrado nas audiências perante o Congresso. O conhecido livro Man and His Symbols, editado por Jung, fornece centenas de exemplos contemporâneos e históricos.

Uma deusa é, portanto, a forma que um arquétipo feminino pode assumir no contexto de uma narrativa ou epopéia mitológica. Num conto de fadas, esse arquétipo pode aparecer como princesa, rainha ou bruxa. Quando sonhamos ou fantasiamos, nossa mente inconsciente pode recorrer às imagens arquetípicas comuns a nossa cultura, ao que Jung chamou de inconsciente coletivo. Assim, em vez de sonhar com uma rainha ou deusa como Hera, da mitologia grega, para representar o arquétipo feminino do poder, podemos fazê-lo com Margaret Thatcher ou como uma matriarca das novelas como Jane Wyman.

Quando a deusa Atena aparece na Ilíada, de Homero, ela é protetora e companheira divina dos jovens heróis guerreiros; mas, como mostraremos mais adiante, ela também tinha muitas outras funções para os gregos. Na realidade, sua imagem representa uma dinâmica energética feminina altamente complexa que surge do seio de populações agressivas, ambiciosas e altamente civilizadas – os gregos da Antiguidade, por exemplo, ou as modernas mulheres urbanas. Nesse sentido, acreditamos que Atena está viva, bem viva, nos dias de hoje;enquanto deusa, ela é a encarnação do campo de energia psíquica que inspira e informa as atitudes cotidianas, o comportamento e os ideais de muitas mulheres da sociedade contemporânea.

 

Os Principais Tipos de Deusas

(...)

- A mulher-Atena é regida pela deusa da sabedoria e da civilização; ela busca a realização profissional numa carreira, envolvendo-se com educação, cultura intelectual, justiça e com política.

- A mulher-Afrodite é regida pela deusa do amor, e está voltada principalmente para relacionamentos humanos, sexualidade, intriga, romance, beleza e inspiração das artes.

- A mulher-Perséfone é regida pela deusa do mundo avernal; ela é mediúnica e atraída pelo mundo espiritual, pelo oculto, pelas experiências místicas e visionárias e pelas questões ligadas à morte.

- A mulher-Ártemis é regida pela deusa das selvas; ela é prática, atlética, aventureira; aprecia a cultura física, a solidão, a vida ao ar livre e os animais; dedica-se  à proteção do meio ambiente, aos estilos de vida alternativos e às comunidades de mulheres.

- A mulher-Deméter é regida pela deusa das colheitas; ela é uma verdadeira mãe-terra que gosta de estar grávida, de amamentar e de cuidar de crianças; está envolvida com todos os aspectos do nascimento e com os ciclos reprodutivos da mulher.

- A mulher-Hera é regida pela deusa dos céus; ela se ocupa do casamento, da convivência com o homem e, sempre que as mulheres são líderes ou governantes, de questões ligadas ao poder.

(...)

O que queremos enfatizar  neste livro é que não apenas uma, mas várias das deusas, em diversas combinações, estão por trás do comportamento e da configuração psicológica de toda mulher. (...) Conhecer-se a si mesma mais plenamente como mulher é conhecer por quais deusas se é primordialmente governada. E é estar ciente de como cada uma delas influencia as diversas fases e os diversos pontos de mutação de nossa vida.

 

(texto extraído da obra “A Deusa Interior”, p. 14-16, de Jennifer Barker Woolger e Roger J. Woolger)

terça-feira, 13 de agosto de 2013

FORMAS PATOLÓGICAS DO EGO, por Eckhart Tolle

Como vimos, o ego, na sua natureza essencial, é patológico, se usarmos essa palavra no seu sentido mais amplo para denotar distúrbio e sofrimento. Muitos transtornos mentais são constituídos de traços egóicos idênticos aos que se manifestam numa pessoa normal. A diferença é que, no caso do doente, eles se tornaram tão pronunciados que sua natureza patológica fica óbvia para qualquer um, menos para a vítima. Por exemplo, muitas pessoas normais contam determinados tipos de mentiras de tempos em tempos para parecer mais importantes e especiais e para realçar sua imagem na mente dos outros – mentem sobre quem elas conhecem, suas conquistas e habilidades, bens e qualquer coisa que o ego use para se identificar. Alguns indivíduos, porém, motivados pela sensação de insatisfação do ego e de sua necessidade de ter ou ser “mais”, mentem de maneira habitual e compulsiva. A maioria das coisas que dizem sobre si mesmos, sua história, é uma verdadeira fantasia, uma obra de ficção que o ego cria para se sentir maior, mais especial. Sua auto-imagem grandiosa e inflada pode às vezes enganar os outros, mas normalmente não por muito tempo. A maior parte das pessoas logo a reconhece e como uma completa invenção. A doença mental chamada esquizofrenia paranóide, ou paranóia, é essencialmente um a forma exagerada de ego. Em geral, ela consiste numa história ficcional que a mente inventa para dar sentido a um persistente sentimento subjacente de medo. O elemento principal da história do portador desse mal é a crença de que determinadas pessoas (algumas vezes, um monte de gente ou quase todo mundo) estão tramando contra ele ou conspirando para controlá-lo ou matá-lo. Como a história costuma ter coerência e lógica, por vezes faz com que os outros também acreditem nela. Há casos de empresas e países que têm sistema de crenças paranóicos na sua própria base. O medo e a desconfiança que o ego tem das pessoas, sua tendência a enfatizar a alteridade concentrando-se nas falhas e tornando-se a identidade do outro, ganham uma proporção maior e transformam todos em monstros desumanos. O ego precisa das pessoas, porém seu dilema é que, no fundo, ele as odeia e as teme. A afirmação de Jean-Paul Sartre “o inferno são os outros” é a voz do ego. Quem sofre de paranóia sente o inferno de maneira mais aguda; no entanto, todos aqueles que apresentam padrões egóicos ativos sentem-no num grau qualquer de intensidade. Quanto mais forte o ego, maior a probabilidade de vermos asa pessoas como a principal fonte dos nossos problemas. Há também uma grande chance de que tornemos a vida difícil para os outros. Mas, é claro, não somos capazes de perceber isso. Sempre são eles que parecem estar nos fazendo mal. Há outro elemento do ego que se manifesta como um sintoma da doença mental que chamamos paranóia, porém, nesse caso, de forma mais extrema. Quanto mais o doente se considera perseguido, espionado ou ameaçado, mais pronunciada se torna a sensação que ele tem de ser o centro do universo, a pessoa em torno da qual tudo gira. E uma questão ainda mais importante: ele se imagina o ponto focal da atenção de um grande número de pessoas. A sensação que ele tem de ser uma vítima, de estar sendo prejudicado por tanta gente o torna muito especial. Na história que constitui a base do seu sistema ilusório, ele geralmente se vê tanto no papel de vítima quanto no de herói potencial que vai salvar o mundo ou derrotar as forças do mal. O ego coletivo de tribos, países e organizações religiosas também costuma apresentar um forte elemento de paranóia: nós contra os maus. Isso é a causa da maior parte do sofrimento humano, como mostram os seguintes fatos: a Inquisição, a perseguição e queima de hereges e “bruxas”, as relações entre países conduzindo à Primeira e à Segunda Guerras, o comunismo em toda a sua história, a Guerra Fria, a macarthismo nos Estados Unidos na década de 1950, o longo e violento conflito no Oriente Médio e todos os dolorosos episódios da história humana dominada por extrema paranóia coletiva. Quanto mais inconscientes estiverem as pessoas, os grupos e os países, maior a probabilidade de que a patologia egóica assuma a forma de violência física. A violência é um recurso primitivo e ainda muito disseminado que o ego usa para tentar se afirmar, para provar a si mesmo que ele está certo e o outro errado. Entre aqueles que apresentam um alto grau de inconsciência, as discussões podem causar a violência com a maior facilidade. O que é uma discussão? É a exposição de opiniões diferentes entre duas ou mais pessoas. Cada uma delas está tão identificada com os pensamentos que constituem seu ponto de vista que essas formas de pensar se cristalizam em posições mentais que são investidas de uma percepção do eu. Em outras palavras: a identidade e o pensamento se fundem. Quando isso acontece, isto é, sempre que estamos defendendo nossas opiniões (pensamentos), sentimos e agimos como se estivéssemos protegendo nosso próprio eu. Inconscientemente, é como se estivéssemos travando uma luta pela sobrevivência e, assim, nossas emoções refletem essa crença. Elas se tornam turbulentas. Ficamos perturbados, irados, na defensiva ou agressivos. Precisamos vencer a qualquer custo ou seremos aniquilados. Essa é a ilusão. O ego não sabe que a mente e as posições mentais não têm nada a ver com quem nós somos porque ela é a própria mente não observada. No Zen se costuma dizer: “Não busque a verdade. Apenas pare de cultivar opiniões”. O que isso significa? Deixe de lado a identificação com a mente. Assim, quem você é além da mente emergirá por si mesmo. Eckhart Tolle, “Um Novo Mundo: O Despertar de Uma Nova Consciência”, pgs 106 a 109.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

CAMPOS FORMATIVOS OU MORFOGENÉTICOS


CAMPOS FORMATIVOS OU MORFOGENÉTICOS

O texto a seguir foi retirado do livro “A Doença como Linguagem da Alma”, de Rudiger Dahlke”, p. 28 a 30 (Cultrix). Trata de um tema estudado por Sheldrake e que possui total “coincidência” com a visão da Mitologia/Filosofia Hindu, que abordamos em artigos anteriores. A compreensão desta questão ajuda-nos, como psicanalistas, a entender e lidar melhor com as transferências e contratransferências, tão comuns no consultório.

Como não existe nenhuma cultura antiga nem tampouco qualquer sociedade moderna sem rituais, pode-se deduzir que eles forçosamente fazem parte da vida humana. Em proporção à sua disseminação, a maneira como atuam ainda é pouco conhecida. Somente na última década encontrou-se um princípio esclarecedor, com a teoria de Sheldrake sobre campos morfogenéticos ou formativos. Através de experimentos, Sheldrake confirmou que há relações entre distintos seres vivos que escapam a explicações lógicas. Ele postulou os chamados campos formativos que servem de mediadores para essas ligações sem a necessidade de transmitir matéria ou informações. Várias experiências comprovam que seres vivos em um campo comum estão ligados uns aos outros de maneira inexplicável, de maneira muito semelhante às partículas gêmeas dos físicos atômicos. Eles vibram ao mesmo tempo no mesmo plano de vibração e comportam-se quase como se fossem um ser, comparável talvez a um grande cardume de peixes ou um campo de trigo sobre o qual o vento sopra. Nas situações que foram observadas, não havia nem mesmo tempo para que se comunicassem entre si no sentido tradicional.

O americano Conden pôde descobrir algo semelhante entre seres humanos. Ele filmou de perfil e em câmara lenta pessoas que se comunicavam. Com isso constatou-se que tanto a pessoa que fala como o ouvinte estão ligados no mesmo instante por movimentos minúsculos, chamados micromovimentos. Este vibrar um com o outro está presente em todos os seres humanos, com exceção das crianças autistas. Está-se aqui na pista de uma conexão que, no âmbito da vida orgânica, corresponde àquela inexplicável e característica conexão das partículas físicas elementares.

Qualquer um pode fazer um experimento de tais campos independentes no tempo e no espaço em uma sala de concertos, onde reina uma harmonia inexplicável segundo critérios tradicionais. Como é possível, pode-se perguntar ingenuamente, que tantos músicos diferentes com tempos de reação tão diferentes toquem todos no mesmo andamento? Eles naturalmente estão todos olhando para o mesmo regente, mas devido aos tempos de reação individuais, cada um deles deveria transpor os sinais para seus instrumentos em tempos diferentes. A razão disso não ser assim está no padrão vinculante da música. Em lugar do caos que logicamente seria de esperar, pode resultar uma sinfonia, um soar conjunto, porque os músicos tornam-se um no padrão e atuam como um único ser. Os ouvintes também podem introduzir-se nesse padrão e tornar-se um na música, com o regente, os músicos e os outros ouvintes. Esse é um mistério que nem mesmo a melhor reprodução técnica possível do concerto podem substituir.

Experiências práticas com esses campos que não podem ser compreendidos logicamente, nem vistos, mas que podem ser sentidos, permitem também a meditação. Em quase todos os mosteiros, havia salas de oração que eram mantidas exclusivamente com esse propósito, para não perturbar a atmosfera. Quem já meditou em um claustro onde somente a meditação foi praticada nos últimos mil anos conhece a experiência. Aqui entra-se em estado de meditação mais facilmente e mais profundamente que no dormitório de casa ou até mesmo viajando de avião. Grandes grupos que estão em uníssono também criam um campo que pode ser sentido. No Tai-Chi, uma antiga meditação chinesa feita através de movimentos, ele é especialmente perceptível. Surge uma enorme energia quando um grupo se movimenta como se fosse um único ser. Uma antiga experiência militar afirma que é mais fácil marchar ao mesmo tempo. Pode-se ver quão grande a energia do uníssono, da ressonância pode se tornar quando se sabe do perigo (de desabamento) que as colunas em marcha representam para as pontes.

Para ilustrar como esses campos podem se formar ao mesmo tempo a grandes distâncias, temos o fato de que frequentemente as descobertas são feitas ao mesmo tempo em diferentes partes do mundo e que as mesmas idéias surgem no mesmo instante em lugares diferentes. Essa experiência pode precipitar-se até mesmo na política. A energia de um campo de padrão vigente ficou demonstrada na queda quase sincrônica de um regime do bloco europeu oriental. Seu tempo tinha se esgotado e até mesmo os tanques, que durante décadas tinham preservado a paz dos cemitérios, repentinamente não podiam fazer mais nada. Embora o intelecto, movendo-se por caminhos estreitos, ainda possa procurar outras explicações para todos esses exemplos, há uma experiência drástica que nesse sentido representa para ele um problema insolúvel. Separou-se uma cadela poodle de seus filhotes, que foram levados a milhares de quilômetros de distância em um submarino atômico. À medida que eles iam sendo sacrificados a espaços de tempo determinados, a mãe “reagia” de maneira mensurável. A palavra “reagir” não é de fato apropriada para este caso, pois não havia qualquer razão para que a mãe reagisse a qualquer coisa; ela na verdade estava ligada aos seus filhotes em um campo. A reação requer tempo, sendo que aqui tudo sucedia simultaneamente.

Enquanto ainda acreditamos que são as mais diversas causas que mantêm o mundo em movimento, a física moderna prova justamente o contrário: na realidade, somos regidos por uma sincronicidade inexplicável, não passando a causalidade de um equívoco, ainda que plausível. Os fenômenos que emergem nos campos formativos ocorrem de maneira sincrônica e não podem mais ser explicados de maneira causal. Estamos começando a suspeitar que a física e a biologia estão na pista daquela realidade mais profunda que nas escrituras sagradas do Oriente é descrita como um grande padrão ocorrendo de maneira sincrônica em planos diferentes, onde tudo tem seu lugar, está relacionado entre si, mas não está de modo algum relacionado de maneira causal. A doutrina analógica é a que mais coincide com as noções dos campos formativos. Neste sentido é compreensível que ensinamentos antigos tais como o de Paracelso, de que o homem e o mundo são um, voltem a ser levados em consideração.

Falta pouco para que se relacione o efeito dos rituais com os campos formativos. Os rituais são o caminho mais direto para construir esses campos e ancorá-los na realidade. A suspeita transforma-se em certeza quando se considera os antigos ritos de iniciação e de cura. Nos rituais da puberdade não se explica aos adolescentes o mundo dos adultos e suas regras, mas através da execução dos procedimentos rituais eles se tornam parte do mesmo sem precisar entender coisa alguma. Uma vez introduzidos no campo da nova esfera, todas as suas possibilidades abrem-se para ele automaticamente. Nós, que não acreditamos mais em rituais e por essa razão tampouco construímos campos fortes, mal podemos imaginar algo semelhante.

 

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Vínculos Tantalizantes



VINCULOS TANTALIZANTES

Gostaria de abordar um tema muito interessante e atual, mais comum do que possamos imaginar: vínculos tantalizantes.

Encontramos, na Mitologia Grega, o personagem que deu nome e sentido a este tipo de vínculo: Tântalo.

Conta a lenda que Tântalo roubou os manjares dos deuses do Olimpo e, por isso, Zeus o condenou a, eternamente, passar fome e sede. Ele ficava acorrentado num lugar paradisíaco, dentro de um lago, cujas águas subiam até quase alcançarem sua boca, detendo-se neste ponto. Assim, ele nunca conseguia matar a sede. Também se aproximavam deliciosos frutos, que se afastavam quando parecia que ia finalmente conseguir comê-los. E assim seguia em sua tortura, num ciclo interminável de expectativas e decepções.

No dicionário, quando procuramos pelo termo “tantalizante”, encontramos: “aquele que tantaliza, isto é, que atormenta com alguma coisa que, apresentada à vista, excita o desejo de possuí-la, frustrando-se este desejo continuamente por se manter o objeto fora de alcance, à maneira do suplício de Tântalo”.

Assim, o vínculo tantalizante se caracteriza por uma relação de domínio, apoderação e sedução.  

As mulheres, estatisticamente, são as maiores vítimas de tal vínculo. Envolvem-se com homens que “amam acima de tudo”, mas que as enganam com promessas que nunca cumprem. Pode se tratar de homens casados que afirmam ter um casamento ruim e que vão se separar para ficar com elas, mas esse dia nunca chega. Assim, sua condição de excluída vai se tornando crônica. Em outras situações, tais homens dizem não conseguir amar ninguém, e que elas merecem alguém melhor, etc... As desculpas são as mais variadas, mas carregadas de promessas, mantendo a outra pessoa sob domínio. Não atam nem desatam. Se percebem que a pessoa está tentando se libertar, correm para envolve-las em seus laços, alimentando expectativas e ilusões. É claro que este tipo de vínculo também está presente em casais legalizados, em casamentos constituídos.

As pessoas à volta não conseguem entender o porquê de tanta dependência afetiva. Muitas vezes, a vítima é uma pessoa inteligente, bem sucedida em outras esferas da vida, mas que perde totalmente o bom senso quando perto, ou longe, desse “grande amor”.

É evidente, à primeira vista, a presença de uma boa dose de sado-masoquismo nessa relação. O que não é tão claro, mas é uma realidade, é que, os traços de sadismo e masoquismo estão dentro do casal, dentro de cada um, alternando-se de acordo com as circunstâncias. Todo sádico tem um lado masoquista e todo masoquista tem um lado sádico. Um projeta no outro o tempo todo, se complementam, o que torna a separação mais difícil.

Vejamos, com base na experiência de David  Zimerman, notável psiquiatra/psicanalista, os fundamentos deste tipo patológico de relacionamento:

Domínio:  violência à liberdade do outro, através da apropriação indébita dos “bens afetivos” deste.  Isto se dá pela captura do desejo do outro, quebrantando de modo perverso a autonomia do parceiro, chegando, em casos extremos, à violência física. Pela característica sado-masoquista anteriormente citada, conclui-se que há um conluio inconsciente entre os dois, apesar de apenas um deles manifestar o traço tirânico. O meio regularmente usado pelo dominador é a sedução.

Apoderação: indica posse total do corpo e da psique do outro. A origem dessa conduta pode estar numa infância extrema e precocemente carente, onde o indivíduo vê na posse uma garantia de poder, um tipo de seguro contra o desamparo. Torna-se, então, um sujeito perversamente autoritário. Segundo Zimerman, a apoderação tem suas raízes nas fases pré-genitais, principalmente as ligadas ao narcisismo, onde ainda não há uma diferenciação entre o eu e o outro; e também nas pulsões sádico-anais: impulsos de poder e tomada de posse,  incorporação, retenção, controle onipotente, triunfo, desprezo e destruição do objeto dominado.

Sedução: aqui o sedutor usa de variados recursos, nem sempre éticos, para conquistar o afeto do outro, para depois desprezá-lo e abandoná-lo. Faz promessas que não tem intenção de cumprir, num círculo vicioso de sucessivas decepções e renovadas ilusões. Zimerman diz que isso acontece porque o sedutor funciona como o alter-ego do seduzido, despertando desejos que já eram próprios deste.

Estes traços funcionam conjuntamente, no vínculo tantalizante, ora ressaltando um, ora outro, com a respectiva presença das facetas narcisistas, a da tirania obsessivo-sádica e a perversa.

Para terminar, cito Zimerman, diretamente, em sua primorosa obra “Manual de Técnica Psicanalítica”, p. 338:

“O que deve restar claro é que a denominação de vínculo tantalizante apenas fica justificada nos casos em que predomina nitidamente uma relação amorosa com características de uma situação de aprisionamento que tende à cronificação, nos mesmos moldes de alguma outra forma de adição, consistente em um continuado jogo perverso de acenos e promessas de um dar, seguidos de um retirar, com periódicos términos e reaproximações que recarregam as pilhas desse amor patológico. Também deve ficar claro que, nesses casos, não cabe exatamente rotular de bandido um dos participantes do par amoroso, e o outro, de vítima, porquanto o que está realmente doente é a relação, o vínculo sado-masoquista, que, na imensa maioria das vezes, tem uma origem muito antiga, pré-genital, uma representação de uma criancinha mendigando para a mãe tantalizante provas de que é amada pela mãe, que não vai ficar repudiada, desamada, desamparada e abandonada em uma solidão para sempre”.

“Por guardar raízes tão primitivas e organizadas, está justificada para as pessoas que querem sair dessa adição doentia a indicação prioritária para um tratamento psicanalítico – individual ou de casal – o qual, quando bem conduzido, quase certamente terá um curso com períodos bastante penosos, tendo em vista que não há nada que provoque mais sofrimento do que a renúncia ao mundo das ilusões narcisistas”.