segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Mitologia Hindu: Considerações sobre o Inconsciente


Com base no que encontramos na Filosofia/Mitologia Hindu, concluímos o seguinte:
a)    Os deuses são partes de nós, eternos, imortais, mantendo-se inalterados em nossas vidas sucessivas ou reencarnações. Deus, ou os Deuses, estão dentro de nós, em nosso Inconsciente Individual, mas também têm sua expressão fora de nós, no Inconsciente Coletivo.

b)    O Inconsciente é mais amplo do que possamos imaginar, abarcando muitas dimensões ou universos paralelos. Possui ordem e lei. Isso é válido tanto para o Inconsciente Individual como para o Coletivo.

c)    O Inconsciente é habitado por outras expressões, além dos deuses, em padrões de consciência que desconhecemos. Essas “formas de vida” têm vontade própria e têm relação com os elementos da natureza: fogo, água terra e ar. Podem ser do “bem” ou do “mal”, isto é, existem em várias escalas vibracionais.

d)    A energia psíquica não fica circunscrita ao Inconsciente Individual, mas circula através das mentes, ou do Inconsciente Coletivo. Nossos inconscientes se penetram e se influenciam mutuamente.

e)    A Filosofia/Mitologia Hindu se mostra prática, colocando à disposição dos interessados, exercícios psicofísicos para elevação do nível vibratório dos corpos (afirma que possuímos 6 corpos além do físico, que não os vemos por estarem situados em outras dimensões) e conseqüente melhoria dos estados de consciência, possibilitando a percepção de outros planos de existência por experiência direta.

f)     Afirma que há duas sendas no processo de evolução do ser humano: uma descendente e outra ascendente. A primeira é de densificação, de experimentação do mais denso, como um mergulho nas dimensões mais pesadas do universo. A segunda é de sutilização, de retorno ao princípio criador, destinada àqueles que não querem mais participar da Roda do Samsara, ou Ciclo de Reencarnações. 

Uma emoção ou um pensamento viaja através do espaço-tempo e afeta, positiva ou negativamente, outras formas de vida, sejam elas minerais, vegetais, animais, humanas ou sobrehumanas (deuses ou demônios).
As mais recentes descobertas da Física Quântica, que leva em consideração o intercâmbio interdimensional, já era conhecida dos antigos Rishis hindus. Basta ler os “Yoga-Sutras”, de Patanjali , sob o olhar treinado de Tamni, para ver isso.
A Mitologia/Filosofia hindu é completa, como um círculo fechado. É um sistema psicológico, cósmico, científico, religioso, artístico, sociológico, fenomenológico, místico, etc. Está tudo lá.
Impressiona o fato de que são colocadas à disposição do indivíduo, chaves práticas para alcançar níveis mais profundas de consciência.
A unidade múltipla perfeita no sistema hindu impressiona, pois se encaixa em qualquer conceito religioso.
A Mitologia hindu e sua inseparável filosofia, é profundamente psicanalítica. Absorve o ser humano e sua conduta, indo além, colocando possibilidades de evolução ao nível cósmico. Isso porque vê o ser humano de forma multidimensional, inserido num plano coerente, coletivo ao mesmo tempo (somos unidades de um corpo maior, como células). A energia sutil (Chi, Prana, Orgone, ou seja lá como queiramos chamá-la) não fica restrita ao indivíduo e seu inconsciente, mas viaja pelo espaço-tempo afetando outros seres.
Toda a Mitologia/Filosofia hindu se baseia na busca de um pensamento ideal, capaz de levar a planos mais sutis de consciência. Isso significa que é possível expandir nossa percepção, que é o mesmo que tornar consciente o Inconsciente, em níveis inimagináveis.
Aqui cabe explicar ou lembrar a noção do que seja o Inconsciente na Mitologia hindu. Ele é abrangente, multidimensional e é habitado por várias formas de vida, desconhecidas para nós, em nosso nível de freqüência vibratória. Nesses universos paralelos vivem civilizações, povos, sejam humanos ou não. Estão aqui e agora, só que em outros níveis vibratórios.
Os mantras são muito úteis para criar ressonância com esses universos. Tudo vibra no Universo. A vida vibra e a Mitologia/Filosofia hindu, prática como ela só, nos dá ferramentas maravilhosas para acessar esses outros universos, que estão dentro de nós e fora de nós.
Como já dizia Hermes, assim como é abaixo é acima, como é acima é abaixo. Também é oportuno citar o Templo de Delfos, com sua famosa e significativa expressão: “Homem, conhece-te a Ti Mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses”.
Essa é a psicanálise que o presente e o futuro nos reservam. Acredito que essa releitura da Mitologia/Filosofia hindu é um dos caminhos que pode nos conduzir a uma nova etapa da Psicanálise, a um conhecimento mais profundo e amplo do que seja o Inconsciente e suas possibilidades.




A Trindade Hindu e seu Desdobramento Feminino


BRAHMA, o Deus Criador, aparece de manto branco, montado num ganso ou num cisne. Possui quatro cabeças, das quais nasceram os Vedas, que ele leva nas mãos junto com um cetro e vários outros símbolos. É o Pai Celestial, Criador dos céus e da terra. Decresceu em importância com a ascensão de Shiva e Vishnu.
SHIVA, o Destruidor, apresenta-se de várias formas: o extremado asceta; o matador de demônios envolvido por uma serpente e com uma coroa de crânios na cabeça; o Senhor da Criação a dançar num círculo de fogo ou o símbolo masculino da fertilidade. Shiva é a representação do Espírito Santo, no hinduísmo.
VISHNU, o Conservador, traz em geral quatro símbolos: um disco, um búzio, uma maçã e uma flor de lótus. Sempre que a humanidade precisa de ajuda, esse deus benevolente aparece na Terra como um avatara ou reencarnação. É o equivalente hindu do Cristo.
Da trindade masculina origina-se uma trindade feminina: Brahma – Sarasvati; Vishnu – Lakshmi; Shiva – Parvati.
Segundo a tradição, os aspectos femininos surgiram de um encontro entre Brahma, Vishnu e Shiva, ocorrido logo após a criação. Desolados, entreolhavam-se os três quando, de súbito, ali apareceu uma belíssima donzela. Espantados, perguntaram-lhe de onde viera, e ela respondeu que se originara do fogo contido nos seus olhares recíprocos. Essa mesma donzela transformou-se, a seguir, em três, constituindo dessa maneira a trindade feminina.
A polaridade feminina dos deuses é o receptáculo, o aspecto da natureza indispensável à manifestação. Convém relembrar, entretanto, que os três aspectos masculinos e os três femininos são facetas de uma mesma realidade, una, indivisível, que os transcende, compondo essa realidade básica representada por Brahman.
Brahma, Shiva e Vishnu são os controladores da natureza material, e agem basicamente em três formas ou modos (gunas). Quando há criação, construção, geração, procriação, etc., a natureza material age no modo da paixão (rajas). Quando há estabilidade, manutenção, preservação, equilíbrio, sustentação, a natureza material age sob o modo da bondade (satva). E quando há destruição, dissolução, desgaste, devastação, declínio, etc., a natureza age sob o modo da ignorância (tamas). Brahma, Shiva e Vishnu são os “guna-avataras”, ou seja, as encarnações responsáveis, por cada um desses três modos da natureza material.


BRAHMA

Brahma é o Criador do Universo. É a Inteligência Criadora, a Mente Cósmica.
Brahma tem quatro cabeças e está sentado num cisne (Hamsa). Suas quatro cabeças representam as quatro direções e também os quatro Vedas. Possui um desdobramento feminino, Sarasvati, sua consorte.
Em suas quatro mãos, Brahma sustenta um lótus, os Vedas, um vaso contendo amrita e abhaya mudra. O lótus representa a pureza, os Vedas o conhecimento sagrado, o amrita é o néctar da imortalidade e abhaya mudra abençoa com destemor.
Brahma é o primeiro deus da Trindade hindu. É considerado a representação da força criadora.  Quando um Universo está para ser criado, Brahma aparece montado numa flor de lótus que brota do umbigo de Vishnu e assim recria todo o universo.
No Brahmananda Purana há uma descrição poética sobre a maneira como Brahma criou o mundo. É dito, nesta escritura, que Brahma criou e recriou o mundo inúmeras vezes. Ninguém sabe quantos mundos existiram antes deste, ou quantos virão depois. O texto fala das quatro Eras ou Yugas, que juntas formam um Kalpa e que no fim de cada Kalpa a criação é destruída e volta ao seu estado transicional como um caos aquoso.
Depois, o texto narra a maneira como os seres foram gerados. Diz o Upanishad que, enquanto Brahma meditava, nasciam seres da sua mente. Ele assumiu um corpo feito de escuridão, e do seu reto saiu um vento – assim nasceram os demônios. Então Brahma descartou este corpo de escuridão e este se tornou a Noite.
Brahma assumiu um novo corpo, feito basicamente de bondade e luz. Da sua boca saíram agora os deuses brilhantes, ou devas. Ele descartou esse corpo, que se transformou no Dia.
Ele assumiu um terceiro corpo, que era todo feito de satva. Brahma estava tendo pensamentos ternos sobre pais e filhos, mãe e filhas, e assim nasceram os espíritos ancestrais. Estes espíritos surgem no crepúsculo e na aurora, quando Dia e Noite se encontram. Brahma, então, descartou este corpo e assumiu um quarto, feito de energia emitida pela sua mente. Com esses pensamentos, os seres humanos, as criaturas pensantes, foram criados. Então, ele descartou esse corpo, que se transformou na Lua.
Brahma teve um pensamento muito estranho, enquanto assumia um quinto corpo, feito de energia e escuridão, o que o levou a emitir criaturas horríveis que queriam devorar o mar primordial do caos; eram os ogros. Brahma ficou tão perturbado com esta última criação que todos os cabelos de sua cabeça caíram. Estes cabelos se transformaram em todas as criaturas que rastejam sobre seus ventres, as serpentes e outros répteis.
Brahma ainda estava perturbado com a criação dos ogros e, tomado de pensamentos tenebrosos, criou os horríveis Gandharvas, ou ghouls (demônios que devoram cadáveres).
A essa altura, Brahma havia recuperado sua compostura e começado a ter pensamentos agradáveis. Sua mente voltou ao tempo feliz e pacífico da sua juventude. Neste estado de felicidade, os pássaros foram criados. Agora, do corpo de Brahma, muito mais surgiu: mamíferos, plantas e outras formas de vida.
As qualidades que todos os seres vivos possuem hoje são o produto dos pensamentos de Brahma durante a hora de seu nascimento, e essas características permanecerão constantes enquanto durar o mundo atual.
Depois que Brahma cria o universo, ele permanece em existência por um dia de Brahma, que vem a ser aproximadamente 4 320 000 000 (1 Kalpa), de acordo com a cosmogonia hindu. Quando Brahma vai dormir, ao findar este ciclo, o mundo e tudo que nele existe começa a se dissolver. Quando ele acorda de novo, ele recria toda a criação, e assim sucessivamente, até que se completem 100 anos de Brahma (Maha-Kalpa). Para rever esses dados, consulte a primeira parte deste trabalho, no ítem “Os Princípios do Dharma, ítem “O Múltiplo”, pags.11 e 12.
Brahma é pouco cultuado na Índia. Não há muitas lendas a seu respeito, acreditamos que devido à sua proximidade de Brahman, o incorpóreo, que lhe confere grande abstração. Há apenas um templo dedicado a ele, no Lago Pushkar, em Ajmer.


SHIVA

Shiva compõe, com Brahma e Vishnu, a Trindade hindu. É considerado pelos seus adeptos como o aspecto principal da realidade trina.
Umas das muitas lendas a respeito de Shiva conta que, certa vez, Vishnu e Brahma discutiam a respeito de quem seria superior ao outro, quando, repentinamente, surgiu entre eles uma coluna de luz. Os dois suspenderam a disputa e concordaram em pesquisar a origem de tão estranha aparição. Brahma revestiu-se com a sua forma tradicional de um ganso (Hamsa) e voou, tal uma flecha, em busca do topo da coluna de luz. Durante mil anos subiu com a velocidade da um raio de sol até que, sem forças e sem esperança de encontrar o fim de tão estranha luz, notou que, lá no alto, vinha descendo e revoluteando caprichosamente, a pequena pétala de uma flor. Ao passar perto de Brahma, a pétala diz-lhe que vinha caindo há milênios, desde a época em que se havia desprendido da cabeça de Shiva. Ao ouvir Brahma relatar o fato, Vishnu tomou a forma de um javali e, imediatamente, com as suas formidáveis presas, começou a cavar o solo a fim de encontrar a base do pilar. Tudo em vão. Nesse momento, Shiva manifestou-se materialmente diante de Brahma e Vishnu, com mil braços e pernas, o sol, a luz e o fogo como seus três olhos, a cabeça rodeada por uma guirlanda de serpentes. Disse então com voz retumbante: “Oh, inconscientes, ambos nasceram de mim! Nós três somo um, embora apareçamos como Brahma, Vishnu e Shiva”.  Ao ouvir isso, conta a tradição, Vishnu e Brahma curvaram-se diante de Shiva, num culto silencioso que reconhecia sua grandeza.
As diferentes formas pelas quais Shiva se apresenta chocam muitas vezes as pessoas menos avisadas. Encontram-se imagens de aspecto sereno, outras de aspecto atemorizador nas quais esse deus é simbolizado como o poder de destruição da Natureza. Sob esse ponto de vista, Shiva é considerado o Senhor dos crematórios, e suas estátuas o apresentam ornado de crânios e coberto pelas cinzas dos mortos. Sendo o aspecto renovador de Deus, Shiva é representado dinamicamente e, como tal, o melhor símbolo para representá-lo está contido na dança. Dançando, Shiva representa a Divindade em sua manifestação; dissolve as formas antigas, integrando-as no grande Todo, de modo que qualquer coisa de novo resulte desse esforço contínuo.  A tradição fala de 108 danças executadas por Shiva, que estão representadas no tempo de Chidambaram, na Índia. Misticamente, Shiva está no fundo de nossos corações. Lá se desenrola essa dança constante.
Na Mitologia hindu, Shiva é o renovador ou transformador, que destrói para construir algo novo. Possui várias representações, sendo “Pashupati” (o Senhor dos Animais) a mais antiga, datando de cerca de 4.000 anos a.C. Atribui-se a Shiva a criação do Yoga, que é uma disciplina tântrica. 
Shiva também é chamado de Mahadeva (Deus Supremo), Shankara ( o meditante),  Shambhu (o benevolente) e Nataraja (o dançante).
O tridente que aparece nas muitas representações de Shiva é o trishula. É com essa arma que ele destrói a ignorância nos seres humanos. Suas três pontas representam as três qualidades da matéria: tamas ( inércia), rajas ( movimento) e satva (equilíbrio).
A serpente em volta da cintura e do pescoço simboliza que Shiva domina a morte.  No Yoga, a serpente representa a Kundalini, o fogo que reside adormecido na base da coluna, no Chacra Muladhara. Quando esta energia sexual é despertada, ela sobe pela coluna, ativando os Chacras e acordando os hipersentidos, produzindo estado de hiperconsciência.
No topo da cabeça de Shiva se vê um jorro d'água; é o Rio Ganges (Ganga). Há uma lenda que diz que o Ganges era um rio muito violento e não podia descer à Terra pois a destruiria com a força do impacto. Então, os homens pediram a Shiva que ajudasse e ele permitiu que o rio tão logo saísse do Mundo Espiritual, caísse primeiro sobre sua cabeça, amortecendo o impacto e depois, mais tranqüílo, corresse pela Terra.
O Lingan, ou Linga, é o símbolo fálico de Shiva, a energia criadora masculina que está presente na origem do universo. Na Mitologia hindu, reverenciar o lingan é o mesmo que adorar a Shiva. A base do lingan representa o Yoni, o útero, mostrando que a criação se dá com a união do masculino com o feminino.
O tambor representa o som da criação do universo - OM.  É com o som desse tambor que Shiva marca o ritmo do universo e o compasso de sua dança. Se ele parar de tocar, todo o universo se desfaz.
Shiva está intimamente associado ao fogo, pois esse elemento representa a transformação. Shiva nos incita à transformação por meio do fogo do Yoga.
Shiva, por vezes, aparece montado em um Touro branco, chamado Nandi. O touro está associado às forças telúricas e à virilidade. Também representa a força física e a violência. Montar o touro branco, significa dominar a violência e controlar sua própria força.
Também notamos a presença da Lua, em algumas imagens de Shiva. A lua representa, além da ciclicidade da natureza, as emoções e humores, incluindo os inconscientes.  Usar uma lua crescente nos cabelos simboliza que Shiva está além das emoções, não se afetando por elas. As transformações pelas quais passamos na vida são necessárias ao nosso aperfeiçoamento e crescimento interior. Querer as mudanças, aceitá-las e aprender com elas é estar em harmonia com nosso Shiva interior.
Como Nataraja, Shiva aparece como o rei dos dançarinos. Ele dança dentro de um círculo de fogo, símbolo da renovação e com sua dança cria, conserva e destrói o universo. A dança de Shiva é o eterno movimento do universo. Em uma das mãos, ele segura o tambor em forma de ampulheta com o qual marca o ritmo cósmico e o fluir do tempo. Na outra, traz uma chama, símbolo da transformação e da destruição de tudo que é ilusório. As outras duas mãos fazem mudras (gestos); a direita faz abhaya, um gesto  de proteção e bênção; a esquerda representa a tromba de um elefante, símbolo da remoção de obstáculos. Com seu pé direito, pisa sobre as costas do demônio da ignorância interior; o esquerdo, no ar, representa o equilíbrio e o impulso de ascensão. A base sobre a qual se sustenta o Shiva Nataraja é uma flor de lótus, símbolo do mundo manifestado.

Shiva nos convida a vencer a ignorância interior, a nos transformar, a dominar nossos instintos primários. Uma de suas representações é Pashupati, o Senhor das Feras. Ali, os quatro animais ao seu redor são o tigre, o elefante, o rinoceronte e o búfalo. Esses animais representam o orgulho, a força bruta, o ódio e a sexualidade desenfreada. Pashupati, então, é também aquele que domou suas feras interiores, suas emoções e convive sabiamente com elas.
Uma lenda hindu, contida no Shiva Purana, conta que os deuses estavam em luta com os demônios, e como não estavam conseguindo vencê-los, foram pedir auxílio a Shiva. Este lhes disse: "Eu sou o Senhor dos Animais (Pashupati). Os corajosos titãs só poderão ser vencidos se todos os deuses e outros seres assumirem sua natureza de animal”. Os deuses hesitaram pois achavam que isso seria uma humilhação. E Shiva falou novamente: "Não é uma perda reconhecer seu animal (a espécie que corresponde no mundo animal ao princípio que cada deus encarna no plano universal). Apenas aqueles que praticam os ritos dos irmãos dos animais (Pashupatas) podem ultrapassar sua animalidade." Assim, todos os deuses e titãs reconheceram que eram o rebanho do Senhor e que ele é conhecido pelo nome de Pashupati, O Senhor dos animais.
A função do nosso Shiva interior é matar o que não serve mais à nossa evolução e renascer para um novo ciclo de consciência. O processo cósmico é a morte e a ressurreição, a eterna renovação da vida.

As cinco atividades divinas de Shiva são:

- a criação contínua do universo, originada no ritmo;
- a conservação baseada no equilíbrio e na medida dos movimentos;
- a destruição das formas já superadas, mediante o fogo interior;
- a eterna renovação;
- a encarnação da vida.


VISHNU

Vishnu representa a bondade, e é responsável pela sustentação, proteção, e manutenção do universo. Ele está presente em cada átomo da criação, bem como no coração de todos os seres. 

A palavra Vishnu significa "aquele que tudo penetra", ou "aquele que tudo impregna".

Vishnu, em pé, sobre um lótus ou uma serpente, representa o sábio indicando a busca do conhecimento. Possui quatro braços, tendo em cada mão um lótus (o conhecimento que sustenta a pureza da mente), um disco (a destruição da ignorância e dos apegos), uma concha (a origem da existência, os cinco elementos) e uma arma, a massa (o poder do conhecimento, o poder do tempo).
Enquanto a ordem prevalece no universo, Vishnu dorme. O universo surge do sonho de Vishnu. Mas quando há desequilíbrio no universo, Vishnu se utiliza de seu veículo, Garuda, e guerreia com as forças do caos, ou ele envia um de seus avatares (ou encarnações) para salvar o mundo.

Vishnu é o Logos manifestado, o Cristo, o Deus que encarna em forma humana a fim de se tornar um Salvador de almas.
Segundo a tradição, Vishnu se reencarna periodicamente entre os homens como um Avatar. A figura de avatar indica que os hindus têm bem presente a necessidade de uma comunicação especial para cada estágio da evolução humana. Segundo a teoria dos Avatares, Vishnu já desceu à terra nove vezes,  faltando uma para completar suas dez encarnações. 
Na tradição hindu relatada nos Puranas, o tempo é dividido em Yugas (Eras). A Yuga é um ciclo com duração determinada que corresponde à tradição das Idades existentes no Ocidente. A primeira é Krita e está relacionada à Idade de Ouro, uma época em que a Lei Divina é perfeitamente respeitada pelos homens, portanto não há doenças, ódios ou guerras. A segunda Yuga denomina-se Treta e corresponde à Idade de Prata. Nela começam as doenças, os ódios e as lutas. A terceira Yuga é a Dvapara, Idade de Bronze, onde os valores espirituais decaem ainda mais. Por fim, temos a quarta Yuga, chamada Kali, também conhecida como Idade de Ferro, sendo o pior período da humanidade, em termos de cumprimento da Lei Divina.
Vishnu, como segundo aspecto divino, encarna periodicamente nessas Yugas a fim de auxiliar a manifestação. A tradição aponta as seguintes encarnações  de Vishnu:
Matsya:
Veio em forma de peixe, quando um dilúvio cobriu quase todos os lugares da Terra. Dos seres humanos só restou Manu. Certa ocasião, quando Manu fazia suas abluções, um pequeno peixe disse-lhe: “Eu te salvarei!” E aconselhou Manu a construir um grande barco e não temer a inundação que se aproximava. Quando a inundação aconteceu o peixe conduziu o barco a um local seguro. Matsya, o peixe, salvara o sétimo Manu, o pai da raça humana.
Kurma:
Vishnu veio, na segunda vez, na forma de uma tartaruga, com a finalidade de levantar a terra, que se encontrava submersa pelo dilúvio. Ela se colocou no fundo do oceano e das suas costas elevou-se a montanha Mandara.
Varaha:
É o javali, que com sua imensa força eleva as terras acima das águas.
Narasinha:
O avatar agora é um ser meio homem, meio leão, simbolizando o estágio semi-selvagem que o homem vivia. Esse homem primitivo, que ainda recentemente povoava a face da Terra, não teria capacidade de compreender a mensagem divina em sua pureza total. O instrutor, portanto, aparecia sob uma forma capaz de sensibilizar o coração dos seres humanos da época.
Vamana:
O anão. Simboliza a perda de estatura física e psicológica dessas raças primitivas. Apesar disso, Vishnu está presente para auxiliar a raça humana. Todos os cinco avatares descritos aparecem na primeira Yuga.
Parasurama:
É o primeiro avatar da Treta Yuga.
Rama:
É o personagem herói, filho do rei Dasaratha, de Ayodhya, cujas aventuras estão relatadas no Ramayana, que se desenvolve em pleno Dvapara Yuga.
Krishna:
Este é o avatar cuja morte se dá no início da Kali Yuga, havendo muitas semelhanças com a vida de Jesus, o Cristo. Note-se que Krishna é anterior a Jesus.
Buddha:
O príncipe Sidarta, da Corte dos Sakyas, que abandona todas as riquezas para se tornar iluminado.
Kalki:
É o avatar que virá no fim da Kali Yuga, anunciando o fim do ciclo.


domingo, 28 de setembro de 2014

Artemidoro e a Interpretação de Sonhos (sec.II)


Artemidoro viveu no século II. Nasceu em Éfeso, Ásia Menor, e dedicou sua vida à onirocrisia (arte de interpretar sonhos). Escreveu, entre outros,  um livro intitulado “A Chave dos Sonhos”, onde ensina os fundamentos dessa arte, pois ele acreditava que qualquer pessoa, homem ou mulher, não importando idade, posição social, profissão, deveria valorizar e entender o simbolismo das suas imagens oníricas.

Artemidoro fala de dois tipos de sonhos:

1)      Enupnia: que traduzem o estado atual do indivíduo, seja em nível físico ou psíquico. São sonhos que trabalham do presente para o presente. Ex: se está com fome, sonha com comida; se sente medo, sonha com a situação onde esse medo ressalta; se está apaixonado, sonha com a pessoa amada, etc.

2)      Oneiron: são os sonhos premonitórios, que representam uma mensagem do Ser (Self), sobre acontecimentos da vida pessoal, passíveis de acontecerem de fato num futuro mais ou menos próximo. Esses sonhos são que tem o potencial de modificar a pessoa, contribuindo para sua jornada interior.

Tanto num quanto noutro, há sonhos que são muito claros, com a mensagem objetiva, e outros que requerem uma decifração de seus elementos. Artemidoro classifica como teoremáticos os sonhos óbvios em que a imagem traduz aquilo que é, sem sentidos ocultos. Denominou, por sua vez, de alegóricos àqueles que são simbólicos, exigindo uma interpretação.

A questão que se levanta: como saber quando o sonho é teoremático ou alegórico? Segundo Artemidoro é preciso interrogar o sonhador. Portanto, um diálogo é necessário para entender as predisposições da pessoa.

Percebemos, sem demora, que estamos diante de um psicanalista do século II. Ele afirma que quanto mais simples e inocente uma pessoa for, mais objetivos e concretos são seus sonhos. Já aquelas pessoas mais experientes, com uma mente carregada de conhecimentos, são mais propensas aos sonhos onde o desejo reprimido se oculta em representações do objeto. Ele cita um exemplo: Um certo habitante de Corinto, uma alma versada, via em sonho o desabamento do teto de sua casa e sua própria decapitação. Artemidoro, após análise acurada, chegou à conclusão de que se tratava de um sonho alegórico – o indivíduo em questão desejava a morte de seu mestre.

Mas, e quando o sonho é, de fato, premonitório, isto é, anuncia um acontecimento futuro? Bem, mesmo que haja elementos simbólicos encobrindo a real natureza da mensagem, o tempo se encarrega de corroborar o sonho, dando lugar aos acontecimentos previstos no sonho.

Para Artemidoro, o trabalho de interpretação dos sonhos tem lugar especial nas experiências oníricas de pessoas comuns, com ou sem instrução e cultura, sendo os sonhos premonitórios, ou de acontecimentos, os mais importantes. Nestes sonhos não há transparência, pois uma imagem é usada para dar significado a outra, e, além disso, resultará num acontecimento futuro.

Que método Artemidoro utiliza? O da analogia. Para ele a arte de interpretar sonhos reside sobre a Lei da Semelhança. Ele trata dessa analogia em dois planos:

a)      Analogia de Natureza: considera a imagem do sonho e os elementos do futuro que ele anuncia. Aqui se observa várias situações envolvendo identidade qualitativa, identidade da palavra, parentesco simbólico, crença num mito, categoria de existência, semelhança de prática. Exemplos: sonhar com lama pode significar que o corpo está repleto de substâncias nocivas; sonhar com um mal-estar pode significar o futuro da saúde ou da fortuna; sonhar com um leão pode significar vitória em um assunto importante; sonhar com casamento pode significar morte ou viuvez; um doente sonhar que está casando com uma virgem pode indicar sua morte iminente.

b)      Analogia de Valor: tem por finalidade determinar se os acontecimentos que ocorrerão serão favoráveis ou não. Artemidoro propôs seis critérios para esta análise. O ato representado é conforme: 1) à natureza?; 2) à lei?; 3) aos costumes?; 4) às regras e práticas e possibilitam a uma ação atingir seus objetivos?; 5) ao tempo?; 6) quanto ao seu nome?

Artemidoro, contudo, diz que o princípio da semelhança não é universal e que pode haver exceções, uma inversão de valores, isto é, certos sonhos “bons por dentro” podem ser “maus por fora” e vice-versa. Assim, ele também coloca a possibilidade da analogia dos contrários: o ato imaginado no sonho resulta em um acontecimento oposto no estado de vigília.

Há, portanto, em torno dos signos e significados, positivos ou negativos, toda uma gama de possibilidades. Toda essa complexidade exige que se leve em conta todos os aspectos do sonho, assim como a análise da pessoa do sonhador.

Na arte de interpretação onírica de Artemidoro o significado é fortemente marcado pela divisão entre bom/mau, feliz/infeliz, moral/imoral, fasto/nefasto, afinal, ele é filho do seu tempo e das características que predominavam na cultura em que viveu e se desenvolveu. Toda a obra está impregnada de uma ética do sujeito que ainda existia em sua época; e suas interpretações, com certeza, se encaixavam naquela realidade.

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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

As Quatro Fases do Perdão (por Clarissa Estés)


A Prisão da Raiva Antiga
Se e quando a raiva se transforma numa represa para o pensamento e a ação criativa, ela precisa ser abrandada ou modificada. Para quem passou bastante tempo elaborando algum trauma, quer ele tenha sido provocado pela crueldade, negligência, falta de respeito, falta de responsabilidade, arrogância ou ignorância de alguém, quer por obra do destino, um dia chega a hora de perdoar a fim de liberar a psique para que ela volte a um estado normal de calma e paz.
Quando a mulher enfrenta dificuldades para se livrar da raiva ou da fúria, muitas vezes é porque ela está usando a raiva para ganhar forças. Embora a princípio essa possa ter sido uma decisão sábia, com o tempo ela precisa ter cuidado, pois a raiva constante é um fogo que queima sua própria energia vital. Encontrar-se nesse estado é como voar pela vida com o “pé na tábua”; como tentar levar uma vida equilibrada com o pé no acelerador até o fundo. O ímpeto da fúria não deve ser considerado um substituto da vida cheia de paixão. Não é a vida na sua melhor forma. Trata-se de uma defesa cuja manutenção é muito cara, depois de passada a necessidade da sua proteção. Após algum tempo, ela arde incessantemente, polui nossas ideias com sua fumaça negra e prejudica outras formas de visão e de percepção.
Não vou, porém, lhe dizer a mentira deslavada de que você tem condições de eliminar toda a sua fúria hoje ou na semana que vem, e que estará livre dela para sempre. A angústia e o tormento de tempos passados costumam surgir na psique numa frequência cíclica. Embora um expurgo profundo elimine a maior parte da dor e da fúria, nunca se consegue varrer completamente todo o resíduo. Ele deveria, no entanto, deixar cinzas bem leves, não um fogo voraz. Por isso, a limpeza da fúria residual precisa se tornar um ritual de higiene periódica, um ritual que nos libera, pois carregar a raiva antiga além do ponto de sua utilidade equivale a carregar uma ansiedade constante, mesmo que inconsciente.
Às vezes as pessoas se confundem e pensam que estar presa a uma raiva ultrapassada significa queixas e enfurecimentos, acessos de raiva e de atirar coisas. Na maioria dos casos, não é assim que funciona. Estar presa significa estar cansada o tempo todo, ter uma grossa camada de cinismo, destruir a esperança, frustrar o novo, o promissor. Significa ter medo de perder antes de abrir a boca. Significa chegar ao ponto de ebulição por dentro, deixando transparecer ou não. Significa amargos silêncios defensivos. Significa sentir-se desamparada. Existe, porém, uma saída, e é através do perdão.
“Ora, através do perdão?” você dirá num tom de repúdio. Qualquer coisa menos isso? No fundo, você sabe que um dia tudo se resumirá a isso. Pode ser que isso só chegue no seu leito de morte, mas chegará. Pense no seguinte: muitas pessoas têm dificuldades com o perdão porque lhes ensinaram que ele é um ato único a ser concluído de uma vez. Isso não é correto. O perdão tem muitas camadas, muitas estações. Na nossa cultura existe a ideia de que o perdão é absoluto. Tudo ou nada. Também nos ensinaram que perdoar significa fechar os olhos, agir como se algo não tivesse ocorrido. Isso também não é verdade.
A mulher que conseguiu atingir 95% de perdão de alguém ou de algum acontecimento trágico e danoso está praticamente qualificada para a beatificação, se não para a santidade. Se ela sentir uns 75% de perdão e 25% de “não sei se vou um dia conseguir perdoar totalmente, e nem sei se quero isso”, estará mais próxima do normal. No entanto, 60% de perdão acompanhados de 40% de “não sei, não tenho certeza e ainda estou pensando nisso”, já são uma atitude decididamente satisfatória. Um nível de perdão de 50% ou menos pode ser considerado como esforço em andamento. Menos de 10%? Ou você está apenas começando, ou ainda não está se esforçando.
Seja como for, quando tiver passado um pouco da metade do caminho, o resto virá com o tempo, geralmente em pequenos aumentos graduais. O aspecto mais importante do perdão consiste em começar e persistir. A conclusão do processo é trabalho para toda a vida. Você dispõe do resto de sua vida para trabalhar nos percentuais residuais. Na realidade, se pudéssemos entender tudo, tudo poderia ser perdoado. Para a maioria das pessoas, porém, é preciso muito tempo no banho alquímico para chegar a esse ponto. E está certo. Nós dispomos da cura e, por isso, temos a paciência para acompanhar o processo.
Algumas pessoas, graças ao seu temperamento inato, têm maior facilidade para perdoar do que outras. Para alguns, trata-se de um dom; para a maioria, trata-se de uma técnica a ser aprendida. A sensibilidade e a vitalidade essencial parecem afetar a capacidade de dar pouca importância às coisas. A sensibilidade e a vitalidade essencial parecem afetar a capacidade de dar pouca importância às coisas. A sensibilidade e a vitalidade intensa nem sempre permitem que injustiças sejam ignoradas com facilidade. O fato de você não perdoar facilmente não quer dizer que você seja má. Você também não é santa só por perdoar facilmente. Cada coisa a seu tempo.
Para uma cura real, porém, precisamos dizer a nossa verdade, e não só a nossa dor e nosso lamento, mas também o mal que foi causado, a raiva e revolta e o desejo de autopunição ou de vingança que foi evocado em nós. A velha curandeira da psique compreende a natureza humana com todas as suas fraquezas e concede o perdão com base no relato da verdade nua e crua. Ela não dá apenas uma segunda chance. Na maior parte das vezes ela dá muitas chances.
Examinemos os quatro níveis de perdão que venho usando no meu trabalho com pessoas traumatizadas ao longo dos anos. Cada nível tem algumas camadas. Pode-se lidar com eles em qualquer ordem e pelo tempo que se deseje, mas a seguir eles estão relacionados na ordem que sugiro a minhas clientes.

Os Quatro Estágios do Perdão
1.       Deixar passar- deixar a questão em paz
2.       Controlar-se – renunciar à punição
3.       Esquecer – afastar da memória, recusar-se a repisar
4.       Perdoar – o abandono da dívida

DEIXAR PASSAR
Para se começar a perdoar, é bom deixar passar algum tempo. Ou seja, é bom deixar de pensar provisoriamente na pessoa ou no acontecimento. Não se trata de deixar algo por fazer, mas assemelha-se a tirar umas férias do assunto. Isso ajuda a evitar que fiquemos exaustas, permite que nos fortaleçamos por outros meios, que tenhamos outras alegrias na vida.
Este estágio é um bom treino para o abandono definitivo que mais adiante advirá do perdão. Deixe a situação, a recordação, o assunto, tantas vezes quantas for necessário. A ideia não é a de fechar os olhos, mas a de adquirir agilidade e força para se desligar da questão. Deixar passar envolve voltar a tecer, a escrever, ir até o mar, aprender a amar algo que a fortaleça e deixar que o tema saia do primeiro plano por algum tempo. Isso é bom e é medicinal. As questões de danos passados irão atormentar a mulher muito menos se ela garantir à psique ferida que lhe aplicará bálsamos medicinais agora e que mais tarde tratará do assunto de quem provocou tal ferida.

CONTROLAR-SE
A segunda fase é a do controle, especificamente no sentido de abster-se de punir; de não pensar no fato nem reagir a ele seja com termos grandes, seja em termos pequenos. É de extrema utilidade a prática desse tipo de refreamento, pois ele aglutina a questão num único ponto, em vez de permitir que ela se espalhe por toda a parte. Essa atitude concentra a atenção para a hora em que a pessoa se dirigir aos próximos passos. Ela não quer dizer que a pessoa deva ficar cega, entorpecida ou que perca sua vigilância protetora. Ela pretende conferir um prazo à situação para ver como isso ajuda.
Controlar-se significa ter paciência, resistir, canalizar a emoção. Esses são medicamentos poderosos. Faça tanto quanto puder. Esse é um regime de purificação. Você não precisa fazer tudo; você pode escolher um aspecto, como o da paciência, e praticá-lo. Você pode se abster de palavras, de resmungos punitivos, de agir de modo hostil, ressentido. Ao evitar punições desnecessárias, você estará reforçando a integridade da alma e da ação. Controlar-se é praticar a generosidade, permitindo, assim, que a grande natureza compassiva participe de questões que anteriormente geravam emoções que iam desde a ínfima irritação até a fúria.

ESQUECER
Esquecer significa afastar da lembrança, recursar-se a repisar um assunto – em outras palavras, deixar de lado, soltar, especialmente da memória. Esquecer não quer dizer entorpecer o cérebro. O esquecimento consciente consiste em deixar de lado o acontecimento, não insistir para que ele permaneça no primeiro plano, mas permitir que ele seja relegado ao plano de fundo ou mesmo que saia do palco.
Praticamos o esquecimento quando nos recusamos a invocar o material inflamável, quando nos recusamos a mergulhar em recordações. Esquecer é uma atividade, não uma atividade passiva. Significa não trazer certos materiais até a superfície, nem revirá-los constantemente, nem se irritar com pensamentos, imagens ou emoções repetitivas. O esquecimento consciente significa a determinação de abandonar a prática obsessiva, de ultrapassar a situação e perde-la de vista, sem olhar para trás, vivendo, portanto, numa nova paisagem, criando vida e experiências novas em que pensar no lugar das antigas. Esse tipo de esquecimento não apaga a memória; ele simplesmente enterra as emoções que cercavam a memória.

PERDOAR
Existem muitos meios e proporções com os quais se perdoa uma pessoa, uma comunidade, uma nação por uma ofensa. É importante lembrar que um perdão “final” não é uma capitulação. É uma decisão consciente de deixar de abrigar ressentimento, o que inclui o perdão da ofensa e a desistência da determinação de retaliar. É você quem decide quando perdoar e o ritual a ser usado para assinalar esse evento. É você quem resolve qual é a dúvida que você agora afirma não precisar mais ser paga.
Algumas pessoas optam pelo perdão total, liberando a pessoa de qualquer tipo de reparação para sempre. Outras preferem interromper a reparação ao meio, abandonando a dívida, alegando que o que está feito está feito e que a compensação já é suficiente. Outro tipo de perdão consiste em isentar a pessoa sem que ela tenha feito qualquer reparação emocional ou de outra natureza.
Para certas pessoas, finalizar o perdão significa considerar o outro com indulgência, e isso é mais fácil quando as ofensas são relativamente leves. Uma das formas mais profundas de perdão está em dar ajuda compassiva ao ofensor por um ou outro meio. Isso não quer dizer que você deva enfiar a cabeça no ninho da cobra, mas, sim, ser sensível a partir de uma postura de compaixão, segurança e preparo.
O perdão é onde vão culminar toda a abstenção, o controle e o esquecimento. Não significa abdicar da própria proteção, mas da própria frieza. Uma forma profunda de perdão consiste em deixar de excluir o outro, o que significa deixar de mantê-lo a distância, de ignorá-lo, de agir com frieza, condescendência e falsidade. É melhor para a psique da alma restringir ao máximo o tempo de exposição às pessoas que são difíceis para você do que agir como um robô insensível.
O perdão é um ato de criação. Você pode escolher entre muitas formas de proceder. Você pode perdoar por enquanto, perdoar até que, perdoar até a próxima vez, perdoar mas não dar outra chance – começa tudo de novo se acontecer outro incidente. Você pode dar só mais uma chance, dar chances só se... Você pode perdoar uma ofensa em parte, pela metade ou totalmente. Você pode imaginar um perdão abrangente. Você decide.
Como a mulher sabe que perdoou? Você passa a sentir tristeza a respeito da circunstância, em vez de raiva. Você passa a sentir pena da pessoa em vez de irritação. Você passa a não se lembrar de mais nada a dizer a respeito daquilo tudo. Você compreende o sofrimento que provocou a ofensa. Você prefere se manter fora daquele meio. Você não espera por nada. Você não quer nada. Não há no seu tornozelo nenhuma armadilha de laço que se estende desde lá longe até aqui. Você está livre para ir e vir. Pode ser que tudo não tenha acabado em “viveram felizes para sempre”, mas sem a menor dúvida existe de hoje em diante um novo “Era uma vez” à sua espera.

Clarissa P. Estés (Mulheres que Correm com os Lobos)


segunda-feira, 21 de julho de 2014

Independência versus Dependência



Olhando do ponto de vista da anatomia oculta, os chacras da base e sacral realizam uma dança intrincadíssima, onde a essência de “quem somos” costuma ser formulada pela natureza de nossas relações afetivas e, por sua vez, as relações afetivas são profundamente influenciadas pela identidade que optamos por apresentar naquele momento. Em outras palavras, não conseguimos encontrar aquele espaço de segurança necessário ao chacra da base, vivendo isolados no alto de uma torre de marfim, mas também é verdade que se vincularmos nosso senso de identidade a nossas relações com as pessoas, com o trabalho, com objetivos materiais ou conceitos, nos sentiremos inseguros e sem confiança em nós mesmos.
Na verdade, o ciúme e a possessividade ocorrem quando um membro de um casal procura encontrar-se através de símbolos externos de segurança e descobre que a outra parte está em falta. Então colocam sua relação afetiva numa camisa de força, ansiando por aquela sensação de algo especial proporcionada inicialmente pela paixão de um amor novo. Infelizmente isso não resolve o problema básico de insegurança e, à medida que as condições da aliança sofrem dificuldades, o membro cooperativo começa a bater em retirada para manter seu equilíbrio pessoal.
Os sentimentos inevitáveis de rejeição e isolamento sentidos pela parte ferida costumam ser projetados fora daquela relação afetiva, no mundo exterior. Somente quando o indivíduo tem a coragem de olhar dentro de si e reconhecer sua insegurança básica é que se dispõe a assumir responsabilidade pelo desenvolvimento de alicerces sólidos, de modo que suas raízes possam ser realmente nutridas e sua força interior possa aumentar.
É claro que a situação oposta também é comum, com a pessoa parecendo tão competente e tanto no controle que tem pouca necessidade de ligação afetiva e prefere mostrar o “rosto da independência” a todos os interessados. Muitas vezes se surpreendem em relações com alguém que não está disponível mental ou fisicamente, como alguém casado, que mora no exterior ou que raramente expressa seus sentimentos. Nenhum desses indivíduos exige compromisso, nem intimidade verdadeira e, nesse caso, a independência pode ser mantida sem a perda de controle. Mas, qualquer um que precise manter um senso de identidade tão forte assim não se sente seguro e, na verdade, tem medo de se sentir desafiado por uma aliança que representa, potencialmente, mudança, vulnerabilidade e, acima de tudo, amor.
Toda a questão de independência versus dependência é fundamental quando estudamos o chacra sacral onde, em última instância, ambos precisam entregar-se a uma faceta ainda mais importante das relações afetivas, a INTERDEPENDÊNCIA.
Como disse o Profeta (com palavras escritas por Kahlil Gibran) ao falar a respeito do casamento:
Entreguem o coração, mas não para o outro guardar,
Pois somente a mão da Vida pode conter seus corações.
E fiquem juntos, mas não juntos demais,
Pois os pilares do templo ficam separados,
E o carvalho e o cipreste não crescem na sombra um do outro.

A interdependência permite a cada um conhecer o outro e percorrer seu próprio caminho, ao mesmo tempo que sustentam alegremente uma viga mestra, a relação afetiva, em favor de sua viagem maior.
Se não houver nada em comum, não há relação alguma, quer estejamos falando de uma pessoa, um emprego ou uma crença. O interessante é que, às vezes, a única coisa que mantém um casamento de pé é a falta de amor de um pelo outro, e quando uma das pessoas morre, existe ainda mais um pesar genuíno por essa relação afetiva disfuncional.
Outras relações parecem extremamente simbióticas e cômodas, mas são mantidas por um contrato de codependência que diz: “Serei o que você quer que eu seja desde que você seja o que eu quero, e que nenhum dos dois desrespeite esse acordo nem por um minuto”. Chamo esse tipo de relação afetiva de “tenda”, onde os únicos pontos de apoio são as cordas retesadas em direções opostas para manter a tensão interior que não é imediatamente visível ao mundo exterior. Esse arranjo funciona perfeitamente bem até um dos membros expandir seus horizontes. As regras e regulamentos da tribo/família são questionados e são feitas todas as tentativas no sentido de restaurar o status quo, muitas vezes através do medo e da manipulação: “Se você me amasse...”, ou “Vou me sentir feliz depois que você se encontrar realmente e tudo puder voltar a ser como antes”.
Esse é um problema comum dessa época de mudança, quando tanta gente está procurando um significado maior para sua vida e descobrindo que os velhos modelos não têm a flexibilidade necessária à auto-expressão. Entretanto, qualquer relação construída sobre os alicerces do amor e do respeito tem condições de permitir o colapso das estruturas desgastadas, a introdução de novas ideias e o encorajamento do diálogo que pode manter uma ligação saudável.
Acho que todos conhecemos relações afetivas onde parece inconcebível que uma das pessoas sobreviva sem a outra devido à sua ligação profunda. Quando a separação acontece, todos observam com grande expectativa. De vez em quando, a previsão realiza-se, com uma morte depois da outra; no entanto, o mais comum é o indivíduo que ficou oscilar e depois começar a se endireitar, utilizando suas reservas interiores e, apesar de sua tristeza, preparar-se para seguir em frente. Na verdade, em geral surge uma personalidade inteiramente nova, vivendo de uma maneira que questiona crenças antigas e surpreendendo muitas vezes a própria pessoa.
Em síntese, esse chacra levanta questões que giram em torno do respeito, espaço, flexibilidade e compromisso. Será que podemos encontrar um lugar em nossas relações afetivas onde ambas as partes se sintam alimentadas, respeitadas e ouvidas e, se necessário, estarmos dispostos a fazer isso por nós mesmos, em vez de esperar que o mundo faça por nós? Esta última situação é exemplificada pela “donzela em apuros”, preparada a esperar para sempre no alto da torre por seu “cavaleiro andante”, sem perceber que ele está esperando ao pé da escada; basta que ela tome a providência de dar o primeiro passo em sua direção.

Christine Page, “Anatomia da Cura”, ps. 156/159.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

A Volta Para Casa (o retorno ao próprio Self)


A volta ao lar refere-se à conexão com a própria alma.
Todos nós temos a tendência de nos deixar levar pelas exigências do diário viver, que envolvem casa, família, trabalho e todas as responsabilidades que acumulamos.
Quando perdemos contato com quem somos internamente, a vida torna-se pouco criativa. Nós não podemos nos esquecer de que é a alma quem fertiliza o campo das ações.  Quando recuperamos esse alinhamento, a vida volta a ser criativa, nossos campos verdejam e as flores desabrocham.
Abaixo, separei um trecho do livro, “Mulheres que Correm com os Lobos”. Este livro trata da alma feminina, de forma profunda e embasada em contos de fadas e mitos de diversos povos através do mundo. Embora seja voltado à mulher, acredito que seja muito útil aos homens também, em função de seu aprendizado pessoal, bem como para entender melhor a natureza feminina e cuidar melhor daquelas que os cercam.
O trecho abaixo está inserido na história da mulher foca, que trata da volta ao lar ou o retorno ao próprio Self.

(Mulheres que Correm com os Lobos, p.353-355)

A volta ao lar pode ser muitas coisas diferentes para mulheres diferentes. (...) É importante compreender que a volta ao lar não implica necessariamente gastar dinheiro. Gasta-se tempo. Essa volta exige uma firme determinação de dizer “Eu vou” e de estar falando a sério. Você pode simplesmente avisar, já de costas, “estou indo, mas vou voltar”, mas você precisa continuar na direção certa mesmo assim.
Há muitas formas de volta ao lar. Muitas são rotineiras; algumas são sublimes. Minhas clientes me dizem que as seguintes iniciativas práticas representam uma volta ao lar para elas... Embora eu deva admitir que a exata localização da saída para essa volta muda de vez em quando, de modo que num mês ela pode ser diferente do mês anterior. Reler trechos de livros e de poemas isolados que as comoveram. Passar até mesmo alguns minutos sem as crianças por perto. Sentar na varanda debulhando, tricotando ou descascando. Caminhar ou passear de carro por uma hora, em qualquer direção, e depois voltar. Apanhar qualquer ônibus, com destino desconhecido. Tocar um instrumento enquanto se ouve música. Assistir ao nascer do sol. Ir de carro até um lugar em que as luzes da cidade não prejudiquem a visão do céu noturno. Orar. Estar com uma amiga especial. Ficar sentada numa ponte com as pernas balançando no ar. Segurar um bebê no colo. Sentar-se junto a uma janela num café e escrever. Sentar-se num círculo de árvores. Secar o cabelo ao sol. Pôr as mãos num barril cheio de água da chuva. Envasar plantas, fazendo questão de enlamear muito as mãos. Contemplar a beleza, a graça, a comovente fragilidade dos seres humanos.
Portanto, a volta ao lar não implica necessariamente uma árdua viagem por terra. Entretanto, não quero dar a entender que seja algo simples, pois existe muita resistência à volta ao lar, seja ela fácil ou não.
Existe uma outra explicação para a atitude das mulheres de adiar a volta, uma explicação que é mais misteriosa, ou seja, o excesso de identificação da mulher com o arquétipo do curador. Ora, um arquétipo é uma força enorme que nos é tanto misteriosa quanto instrutiva. Ganhamos muito se ficamos perto desse arquétipo, se o imitamos, se mantemos um relacionamento equilibrado com ele. Cada arquétipo possui suas próprias características que ratificam o nome que lhe damos: o da grande mãe, o da criança divina, o do deus-sol e assim por diante.
O arquétipo do grande curador contém sabedoria, bondade, conhecimento, solicitude e todas as outras qualidades associadas a quem cura. Portanto, é bom ser generosa, delicada e solícita como o arquétipo do grande curador. Mas, só até certo ponto. Além desse ponto, esse arquétipo exerce uma influência prejudicial na nossa vida. A compulsão das mulheres no sentido de “tudo curar, tudo consertar” é uma importante armadilha formada pelas exigências a nós impostas pelas nossas próprias culturas, especialmente as pressões no sentido de que provemos que não estamos por aí sem fazer nada, ocupando espaço e nos divertindo, mas sim, que temos um valor resgatável. Em algumas partes do mundo, pode-se dizer que o exigido é uma prova de que temos valor e, portanto, deveria ser permitido que vivêssemos. Essas pressões são inseridas na nossa psique quando somos muito jovens e incapazes de ter uma opinião sobre elas ou de lhes oferecer resistência. Elas se tornam uma lei para nós... a não ser que, ou até que, as desafiemos.
No entanto, os clamores do mundo em sofrimento não pode ser todos atendidos por uma única pessoa o tempo todo. Na realidade, só podemos optar por atender àqueles que nos permite voltar ao lar com regularidade; em caso contrário, as luzes do nosso coração praticamente se apagam. O que o coração deseja ajudar é às vezes diferente dos recursos da alma. Se a mulher valoriza sua pele da alma, ele irá decidir essas questões de acordo com sua proximidade do “lar” e com a frequência de sua presença ali.
Embora os arquétipos possam se manifestar através de nós de quando em quando, naquilo que chamamos de experiência numinosa, nenhuma mulher tem condições de permitir a manifestação contínua de um arquétipo. Somente o próprio arquétipo consegue suportar projeções tais como a de disponibilidade permanente, de total generosidade, de energia eterna. Nós podemos tentar imitar essas qualidades, mas elas são ideais, fora do alcance do ser humano, e é assim que deve ser. No entanto, a armadilha exige que as mulheres se esgotem tentando atingir esses níveis fantásticos. Para evitar a armadilha, temos de aprender a dizer “Alto lá”, e “Parem a música”, e é claro que temos de estar falando a sério.
A mulher tem de se afastar, ficar sozinha e examinar, para início de conversa, como ficou presa a um arquétipo. É preciso resgatar e desenvolver o instinto selvagem básico que determina os limites “só até aqui e nem um passo a mais, só esse tanto e nada mais”. É assim que a mulher se mantém norteada. É preferível voltar ao lar por algum tempo, mesmo que isso irrite os outros, em vez de ficar, para se deteriorar e acabar indo embora rastejando, em frangalhos.

Portanto, mulheres que estão cansadas, que estão temporariamente cheias do mundo, que têm medo de tirar uma folga, têm medo de parar, acordem imediatamente! Cubram com um cobertor o gongo estridente que no para de pedir que vocês ajudem aqui, ajudem ali, ajudem mais acolá. Ele ainda estará ali para que você lhe retire o cobertor, se assim desejar, quando estiver de volta. Se não voltamos para casa quando chega a hora, deixamos de ver com nitidez. Encontrar nossa pele, vesti-la, ajeitá-la bem, voltar para casa, tudo isso nos ajuda a ser mais eficazes quando estivermos de volta. Existe um ditado que diz: “É impossível voltar às origens”. Não é verdade. Embora não se possa realmente voltar para dentro do útero, pode-se retornar ao lar da alma. E não é apenas possível; é indispensável.

terça-feira, 15 de julho de 2014

A Síndrome de Frankenstein


Você conhece alguém que se sente ou se vê socialmente recusado e pessoalmente temido? Caso sua resposta seja “sim”, você pode estar diante de um caso de Síndrome de Frankenstein. As pessoas com esta síndrome sentem-se vítimas de intolerância e preconceito e por isso assumem o comportamento de “monstros” perante a sociedade, como forma de se defenderem da agressividade que vem dos outros.
Essas pessoas podem desenvolver vícios, também como forma de fuga da intensa dor da rejeição. Por vezes aparentam indiferença ao mundo que as cerca, adotando um estilo de vida fora do padrão, agressivo aos olhos da maioria. Essas atitudes funcionam como defesas para disfarçar sua real maneira de ser, comumente pessoas muito sensíveis.
Você se lembra da história de Frankenstein? Vamos dar uma repassada. Se te interessar, o filme que mais se aproxima do livro é o de 1994, com Robert De Niro.
Mary Shelley, escritora britânica, é tida como a autora do livro que narra a história de um monstro criado em laboratório por um engenhoso estudante de ciências naturais, Vitor Frankenstein. Estudiosos da obra acreditam que o verdadeiro autor é seu marido (na época, noivo), Percy Bysshe Shelley. Muitas interpretações são possíveis para a verdadeira mensagem que traz esta obra, sendo a mais forte delas a intolerância e o preconceito em relação à homossexualidade.
O título inglês da obra é “Frankenstein: O Novo Prometeu”, sendo originalmente um romance de terror gótico.
Dito monstro, articulado e eloqüente, fugiu do laboratório de Vitor, escondendo-se numa floresta, onde aprendeu a comer frutas e vegetais, e a usar o fogo.
Ao se deparar com seres humanos era sempre escorraçado e agredido, então, eventualmente, escondeu-se num depósito de lenha anexo a uma cabana. De lá, observava, através de frestas, a vida de uma família pobre de ex-nobres, afeiçoando-se a eles e ajudando-os em segredo. A família consistia de um pai cego e um casal de irmãos. Aprendeu a língua e a escrita espionando as aulas que davam à noite à noiva árabe do irmão, e encontrou livros onde aprendeu sobre a vida e a virtude. Após longo tempo, criou coragem para se apresentar à família, e conseguiu conversar com o pai cego, mas quando os filhos chegaram e o viram junto ao pai, também o escorraçaram.  
A criatura torna-se amargurada e resolve procurar seu criador, cujo diário descobrira no bolso do casaco que levou do laboratório na noite da fuga. Por onde passava, era sempre agredido pelos humanos.
Em Genebra, já transtornado por tanta rejeição, começa a cometer assassinatos. Matou o irmão mais novo de Vitor Frankenstein, deixando que fosse incriminada uma jovem criada, Justine. Vitor sabia que o monstro era o culpado e resolveu encontrá-lo num lugar mais afastado. Lá, o monstro dizia que precisava de uma companhia feminina e exigiu que ele construísse uma fêmea para ele. Assim, ele deixaria todos em paz e iria viver nas florestas com sua noiva. Mas, se Vitor não cumprisse o acordo, iria submetê-lo a tormentos de todo tipo.
Ao voltar para Genebra, Vitor fica noivo de Elizabeth, uma moça criada junto com ele e amada como uma filha por seu pai. Na Grã-Bretanha, vai para uma das ilhas do arquipélago Orkneys, onde começa a construir a fêmea. Mas, ele muda de idéia e destrói a criatura. O monstro jura se vingar e mata Elizabeth e Clerval, seu melhor amigo. O pai de Vitor também termina por falecer, pois não suporta a perda de Elizabeth.  
Vitor passa a perseguir a criatura, que o leva através de uma longa caçada em direção ao norte, prosseguindo pelos mares congelados, onde eventualmente são avistados por um navio e resgatados.
Vitor estava, a essa altura, muito doente, e faleceu alguns dias depois. O Capitão vê o monstro chorando por ele em seu leito de morte. Ele diz ao Capitão que vai até o extremo norte e lá iria se suicidar, deixando em paz a humanidade.
Assim termina a história.
Vemos que o “monstro” é alguém que não teve a oportunidade de achar seu lugar no mundo. Por ser diferente, era rejeitado e escorraçado, sem ter chances concretas de expressar quem ele era interiormente. Era julgado sem misericórdia e, em decorrência disso, terminou desenvolvendo uma amargura, uma frieza, chegando a cometer assassinatos em diversas ocasiões.
 A síndrome de Frankenstein faz a pessoa padecer de um profundo sentimento de inadequação. O indivíduo torna-se muito solitário, não se sente parte de lugar nenhum, não se sente parte da própria família, não é compreendido. Ele desenvolve um mecanismo de defesa onde cria uma armadura como forma de agressão. Quer mostrar sua rebeldia, agredindo o outro, por vezes através de atitudes específicas que sabe, causarão horror nos outros.  
Podemos pensar que tal síndrome acontece apenas em “tribos” específicas, gangues, etc. Não necessariamente. Essa síndrome pode estar inconscientemente instalada na psique de um bom pai de família, de um filho aparentemente estável, e só vir à tona sob o efeito de álcool ou drogas. Nestas condições, podem cometer atos de muita crueldade com membros de sua família ou vítimas eventuais. Quando passa o efeito da droga, eles voltam “ao normal”.
No processo psicanalítico, podemos nos deparar com tal síndrome aliada aos medos, ou oculta num comportamento de preguiça, ou enraizada num complexo de castração, e por aí vai. Comumente, encontramos um quadro de muitos maltratos, físicos e psicológicos na infância.

A cura? Começa por abrir portas para este indivíduo, fazendo-o sentir-se convidado a entrar, sentir-se aceito como é. Os demais passos virão no seu tempo. 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Síndrome da Fadiga Crônica

SÍNDROME DA FADIGA CRÔNICA
Este problema, que está longe de ser uma doença, pode afetar até crianças de sete anos, bem como adultos e ambos os sexos igualmente. Os sintomas são muito semelhantes ao do esgotamento, e incluem:
- letargia ou exaustão extrema;
- perturbação do sono, sonolência durante o dia e insônia a noite toda;
- músculos sensíveis, doloridos, pesados;
- perturbação do ritmo intestinal, do sistema urinário e da menstruação;
- dificuldade de concentração, falta de memória, indecisão;
- maior sensibilidade a ruídos altos, luzes e cheiros fortes, etc.;
- depressão, fobias e ansiedades.
Acho que existem muito mais pessoas sofrendo dessa doença do que supomos, o que provavelmente reflete a relutância de aceitá-la como doença com um quadro próprio, e porque a maioria espera sentir alguns desses sintomas num mundo estressante.
O tipo de personalidade que se delineia é de alguém percorrendo um caminho que não é o seu, tentando agradar uma figura que exerce autoridade em um ente querido e chegando a um ponto em que a tensão entre a distância das necessidades da própria alma e as da personalidade ficou grande demais.
Os sintomas representam a distância entre a energia do eu interior e a energia do eu exterior e pedem para serem reconhecidas, a fim de se poder implementar mudanças. No entanto, muitas vezes, o terapeuta é instruído: “Basta que você me dê energia suficiente para continuar trabalhando, etc., que eu vou ficar bem”. Espero que o médico que saiba o que está fazendo responda: “Mas seu modo de vida é a causa do problema!”.
Enquanto a pessoa não admitir que está doente e não reconhecer a necessidade de mudar, seus sintomas continuarão. Os músculos doloridos representam a “energia criativa” que não está se expressando, e muitos desses indivíduos estão em empregos ou estudos onde não conseguem exercer sua criatividade e seguir seu caminho livremente, por medo de desaprovação ou da culpa de deixar os outros numa situação difícil. Por exemplo:
- O homem que entrou no ramo bancário para agradar o pai, embora, na realidade, quisesse estudar decoração de interiores;
- A menina que estava estudando química porque o pai era médico, mas que tinha talento para as belas-artes;
- A mulher que, como professora em regime de tempo integral e mãe, estava exausta, mas não podia sair do emprego porque todos estavam muito orgulhosos dela e a família precisava do dinheiro;
- O jornalista oprimido pelo que via em seu trabalho, mas que não podia parar por se sentir na obrigação de registrar a verdade;
- A cabeleireira que descobriu estar impossibilitada de atender mais uma cliente sem entrar em pânico.
Em todos esses casos, a doença deu à pessoa uma licença para se afastar do trabalho e, mais importante ainda, tempo para pensar. Quando a auto-estima é baixa, dar um passo que afaste o indivíduo das fontes de aprovação exterior e começar a acreditar em si mesmo requer grande coragem; mas, quando você não está bem, não há outra solução. Muitas das pessoas mencionadas acima conseguiram mudar seus padrões de comportamento e, com isso, voltar a trabalhar ou estudar, e se tornaram pessoas mais felizes e mais saudáveis, com limites e senso de identidade muito mais bem definidos.
Todas elas ainda têm que prestar atenção a seus níveis de energia, mas agora usam esse indicador sensível como um aliado que está aconselhando a ir mais devagar. O interessante é que muitas delas me disseram que, assim que ficaram doentes, todos os amigos desapareceram, pois deixaram de ser divertidas. Os bons amigos não abandonam você, principalmente quando você está enfrentando dificuldades; essa situação sugere a natureza superficial dessas relações baseadas nos serviços prestados pela pessoa.


(texto extraído do livro "Anatomia da Cura", de Christine Page)