quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A Importância do Efeito Placebo

PLACEBOS: O EFEITO DA CRENÇA
Mesmo superficialmente, todo aluno de medicina aprende que a mente tem influência direta sobre o corpo e sabe que as pessoas se sentem melhor quando pensam (ainda que não seja verdade) que estão tomando medicamentos. A cura ou a melhora pela ingestão de pílulas de açúcar é classificada como “efeito placebo”. Meu amigo Rob Williams, fundador da Psich-K, um sistema psicológico de tratamento com base em energia, sugere que o melhor termo a ser usado nesses casos é “efeito percepção”. Eu prefiro chamar de “efeito-crença” para enfatizar que nossas percepções, sejam elas precisas ou não, têm grande impacto sobre nosso comportamento e nosso corpo.
Considero o efeito-crença uma prova da habilidade de cura da mente/corpo. No entanto, por se tratar de algo que “ocorre apenas na mente”, o efeito placebo tem sido associado pela medicina a algo que só funciona com charlatães ou, na melhor das hipóteses, com, pacientes fracos e sugestionáveis. Mas o assunto é abordado muito rápida e superficialmente nas escolas de medicina. Os professores passam logo às matérias que tratam das verdadeiras ferramentas modernas: as drogas e a cirurgia.
Infelizmente, isso é um grande erro. O efeito placebo deveria ser um dos principais tópicos de estudo para estudantes de medicina. Os médicos deveriam ser treinados para reconhecer o poder de nossos recursos internos, e não para considerar o poder da mente como algo simples e inferior ao poder dos elementos químicos ou de um bisturi. Está na hora de deixarem de lado sua convicção de que o corpo e seus membros são desprovidos de inteligência e que precisamos de elementos externos para manter a saúde.
O efeito placebo deveria ser alvo de pesquisas patrocinadas. Se os pesquisadores descobrissem como utilizá-lo, poderíamos ter uma ferramenta mais eficiente, à base de energia e sem efeitos colaterais, para tratar as doenças. Os profissionais que utilizam a energia como instrumento de cura afirmam já ter essas ferramentas; porém, como cientista, acredito que, quanto mais descobrirmos sobre a ciência do placebo, mais facilmente poderemos utilizá-la sob condições clínicas.
Creio que este desprezo da medicina em relação à mente seja resultado não apenas do pensamento dogmático, mas também de aspectos financeiros. Se o poder da mente pode curar doenças, para que ir ao médico? E o mais importante: por que tomar remédio? Para meu desgosto, descobri recentemente que a indústria farmacêutica vêm estudando os pacientes que reagem ao tratamento com pílulas de açúcar com o objetivo de eliminá-los das experiências médicas. É desconcertante para essas empresas saber que na maioria dos experimentos seus medicamentos “falsos” têm o mesmo efeito que os grandes coquetéis químicos (Greenberg,2003). Embora essas empresas insistam em afirmar que não estão tentando, com isso, fazer com que medicamentos ineficazes sejam aprovados pelo governo, fica claro que a eficácia das pílulas placebo são uma ameaça para elas. A mensagem é muito clara para mim: já que não conseguimos competir com o placebo de maneira honesta, vamos eliminar a competição!
É engraçado pensar que os médicos não são treinados para lidar com o efeito placebo, pois alguns historiadores afirmam categoricamente que a história da medicina é a história do placebo. No início, os médicos não dispunham de métodos eficazes para curar as doenças. Os métodos mais conhecidos no passado eram a sangria, o tratamento de ferimentos com arsênico e o famigerado veneno de cobra, utilizado para todos os fins. É claro que pelo menos um terço dos pacientes, aqueles considerados suscetíveis ao efeito placebo, apresentavam melhoras com esses tratamentos. E, mesmo no mundo de hoje, quando os médicos em seus aventais brancosreceitam medicamentos, os pacientes acreditam que vão melhorar e acabam melhorando, seja por meio de pílulas de verdade ou apenas de açúcar.
Embora a questão de como o placebo age ainda seja ignorada pela medicina, alguns pesquisadores já começam a prestar mais atenção ao assunto. Os resultados de seus estudos sugerem que não apenas os tratamentos utilizados no século 19 como a sofisticada tecnologia da medicina atual, com todas as suas ferramentas “concretas”, pode estimular o efeito placebo.
Um estudo da Escola de Medicina Baylor publicado em 2002 no New England Journal of Medicine avaliou o resultado de cirurgias em pacientes com problemas sérios de dores nos jeolhos (Moseley, et al., 2002). O principal autor do estudo, Dr. Bruce Moseley, “sabia” que a cirurgia ajudava seus pacientes: “Todo bom cirurgião sabe que não há efeito placebo em cirurgias”. Mas ele queria descobrir qual parte da cirurgia trazia alívio aos pacientes. Dividiu-os em três grupos e raspou a região da cartilagem danificada de um grupo. No outro grupo, afastou a junta do joelho e eliminou, com a ajuda de um jato d’água, a parte que imaginava estar causando a inflamação. Os dois métodos são considerados tratamentos-padrão para problemas de artrite nos joelhos. Já no terceiro grupo, Moseley “simulou” uma cirurgia. Sedou o paciente e fez três incisões em seu joelho. Durante todo o tempo agiu como se estivesse realmente executando a cirurgia. Jogou até água sobre o local para simular o procedimento. Após 40 minutos costurou as incisões. Prescreveu aos pacientes dos três grupos o mesmo tratamento pós-cirurgia, que incluía um programa de exercícios.
O resultado foi impressionante. Sim, os grupos que receberam a cirurgia de verdade obtiveram melhoras. Mas o grupo placebo também! A conclusão é que, apesar de serem realizadas mais de 650 mil cirurgias em joelhos com artrite por ano, cada uma delas por cerca de 5 mil dólares, uma coisa ficou muito clara para Moseley, que declarou: “Minhas habilidades de cirurgião não resultaram benefício algum para esses pacientes. O único efeito em todas elas foi o placebo”. Os programas de TV anunciaram os resultados da pesquisa e mostraram imagens do grupo placebo andando, jogando basquete e desempenhando tarefas que não conseguiam antes da “cirurgia”. Só ficaram sabendo que não tinham sido operados de verdade dois anos depois. Um deles, chamado Tim Peres, disse que antes andava com a ajuda de uma bengala, mas que hoje consegue jogar basquete com os netos. Em uma declaração para o Discovery Health Channel, resumiu o tema de seu livro: “Qualquer coisa é possível neste mundo desde que sua mente queira. A mente é capaz de verdadeiros milagres”.
Estudos mostram que o efeito placebo também é eficaz no tratamento de diversas outras doenças como a asma e o mal de Parkinson. Em casos de depressão, já se tornou um dos principais métodos utilizados, algo tão comum que o Dr. Walter Brown, da Brown University School of Medicine, sugere pílulas com açúcar como primeiro tratamento em casos de depressão moderada (Brown,1998). Os pacientes são informados de que estão tomando remédios sem ingredientes ativos, mas isso não atrapalha o tratamento. Pesquisas mostram que mesmo quando eles sabem que estão tomando placebo, o efeito acaba sendo positivo.
Uma indicação do poder do placebo é apresentada em um relatório do Departamento norte-americano de saúde e assistência social. Segundo o documento, metade dos pacientes com depressão profunda que toma medicamentos com ingredientes ativos melhora e 32% daqueles que tomam placebo obtêm os mesmos resultados (Horgan, 1999). Mesmo esse estudo, porém, subestima o poder do placebo, pois muitos participantes da pesquisa percebem que estão tomando um medicamento verdadeiro porque sentem os efeitos colaterais que os os outros, que tomam apenas placebo, não sentem. Então, uma vez acreditando que estão tomando pílulas de verdade, tornam-se ainda mais suscetíveis ao afeito placebo.
Bem, com tantos efeitos positivos do placebo, não é de se surpreender que a indústria de antidepressivos de 8,2 bilhões de dólares esteja sendo acusada de exagerar na propaganda sobre a eficácia de suas pílulas. Em um artigo publicado em 2002 no periódico Prevention & Treatment, da American Psychological Association (Associação Psicológica Americana), “The emperor’s new drugs” (As novas drogas do imperador), o professor de psicologia Irving Kirsch, da Universidade de Connecticut, afirma ter descoberto que 80% do efeito dos antidepressivos, segundo experiências clínicas, pode ser atribuído ao efeito placebo (Kirsch et al,.2002). Kirsch usou a lei de liberdade de informações em 2001 para obter informações sobre as experiências clínicas feitas com os antidepressivos mais utilizados no mercado. Não se trata de dados extraídos do instituto Food and Drug Administration (FDA). Os números mostram que em mais da metade dos casos os antidepressivos não foram mais eficazes que o placebo. Kirsch declarou em uma entrevista para o Discovery Health Channel: “A diferença entre o efeito das drogas e o do placebo foi menos de dois pontos na média da escla clínica, que vai de 50 a 60 pontos. É uma diferença muito pequena, quase insignificante sob o ponto de vista clínico”.
Outro fato interessante sobre o efeito dos antidepressivos é que eles vêm obtendo desempenho cada vez melhor em testes clínicos nos últimos anos, o que sugere que seus efeitos placebo se devem, em grande parte, a estratégias de marketing. Quanto mais os efeitos milagrosos dos antidepressivos são divulgados pela mídia e pela propaganda, mais eficazes eles se tornam. As crenças são contagiosas! Vivemos hoje em uma cultura em que as pessoas acreditam que os antidepressivos funcionam. Por isso eles funcionam.
Uma designer do interior da Califórnia chamada Janis Schonfeld, que participou de um teste clínico sobre a eficácia do medicamento Effexor (venlafaxine) em 1997, ficou tão surpresa quanto Perez ao descobrir que vinha tomando placebo. Os comprimidos não apenas aliviaram a depressão que a incomodava havia 30 anos, como os exames que fez mostraram que a atividade de seu córtex pré-frontal havia aumentado (Leuchter ET AL.,2002). Mas a melhora não foi apenas no cérebro. Quando nossa mente se modifica, o corpo acompanha as mudanças. Schonfeld também sentiu náusea, um efeito colateral bastante comum do Effexor. Como a maioria dos pacientes que melhora após um tratamento com placebo e depois descobre que estava tomando pílulas de açúcar, ela achou que o médico tivesse se enganado. Tinha certeza de que estava tomando o remédio verdadeiro e pediu que fossem refeitos todos os exames para se certificar.


Bruce H. Lipton (A Biologia da Crença, cap 5, págs. 163 a 168)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Mantras Para Aliviar o Corpo de Dor da Humanidade


Em nossas práticas de Yoga, costumamos separar um tempo para mantralizações. Há muitos anos nos dedicamos a essa disciplina e os resultados energéticos são maravilhosos.

Há mantras para diversas finalidades. Separamos alguns, muito conhecidos e consagrados através dos séculos que, acreditamos, são de extrema ajuda para aliviar a carga do corpo de dor da humanidade.

Um mantra deve ser entoado, no mínimo, 108 vezes. A intenção que se deve manter na mente e no coração é explicada abaixo, após a introdução de cada mantra. Pode-se  entoá-los o quanto quiser, a cada dia, semana ou mês.  

Para controlar o número de mantras entoados costumamos usar um japa-mala, colar de 108 contas, próprio para este tipo de prática espiritual.


1)      BARUCH ATOH ADONAI ELOHENU MEHLOCH AHOLUM

(Bendito sejas Tu, Ó Senhor nosso Deus, Rei do Universo!)

Este importante mantra hebraico invoca o senhor todo-poderoso do universo. Se o recitar por um período prolongado de tempo, a pessoa pode sentir um acúmulo de energia positiva no plexo solar e no chacra da garganta.

2)      OM JESU CHRISTAYA PARAMATMANE PURUSHA AVATARAYA NAMAHA

Este mantra declara que Jesus é o verdadeiro mestre do mundo, espírito que preside todos os espíritos, e está revestido da autoridade divina.

3)      HUNG VAJRA PEH

 De acordo com os ensinamentos do budismo tibetano, existe uma esfera de consciência em volta do nosso planeta. Dentro dessa esfera existem forças nocivas que às vezes são chamadas de “formas-pensamento”. Esses blocos de energia negativa gerados pela raiva, pela violência, pelos acontecimentos terríveis (como guerras mundiais) e outros aspectos infames da consciência causam devastação todos os dias. Circulando como gotas de óleo dentro do oceano da consciência, essas partículas de sujeira têm de ser neutralizadas de alguma maneira.  Os tibetanos usam o mantra de Vajrapani para remover essas partículas de sujeira da consciência. No seu aspecto de protetor dos devotos e iniciador dos habilitados, o Vajrapani é representado erguendo um raio com trovão acima da cabeça, numa mão estendida. A face do protetor é uma visão horrenda, mas, no mesmo instante em que o fragmento é neutralizado, o semblante adquire um aspecto de terna compaixão, mostrando que Vajrapani está pronto para introduzir o devoto nos mistérios espirituais mais elevados.

Durante a mantralização, visualize a camada de consciência que envolve a Terra sendo purificada das energias negativas.


4)      OM VAJRA SATTWA HUM

 Esta forma-pensamento tibetana de pensamento, de um branco intenso e azulado, é usada para criar clareza mental. Nas meditações tradicionais do budismo tibetano, uma pequena figura branca é visualizada sentada cerca de trinta centímetros acima da cabeça da pessoa. Quando o mantra é recitado, a figura emite um raio de luz branca que entra pelo topo de sua cabeça. Consequentemente, todos os padrões mentais e hábitos negativos são eliminados através da aura, dos chacras e do corpo etérico. O lixo é então absorvido pela Terra, que sabe como recicla-lo e transforma-lo em energia aproveitável.

Para usar esse mantra em favor do planeta, recite-o enquanto visualiza a Terra livrando-se do lixo que a humanidade produziu para a energia transformadora da luz solar. A energia da luz solar limpa a aura da Terra todos os dias. Com nossos esforços, estaremos acelerando e intensificando esse processo.

5)      NAMO KWAN SHI YIN PU SA

Kwan Yin é a forma feminina chinês de Avaloketeshwara. Entre os arquétipos budistas, Kwan Yin é uma fonte de grande compaixão. A consciência pode expandir-se, o conhecimento aumentar e os poderes espirituais manifestarem-se, mas sem compaixão eles são pouco mais que poeira ou palha. Jesus sugeriu isso quando disse que, sem amor, não temos nada. A idéia é a mesma aqui. O mantra Kwan Yin impregna o invólucro de consciência que circunda a Terra com uma compaixão dinâmica que se manifesta como graça e misericórdia. Recitar o mantra Kwan Yin é contribuir para aumentar a existência de uma compaixão ativa entre todos.

6)      OM HA KSA MA LA VA RA YAM SWAHA

 Kalachakra é o espírito da Roda do Tempo, a última lição que Buda ensinou antes de morrer. Recitar este mantra é uma forma pessoal de acelerar o próprio desenvolvimento. Recita-lo em favor do planeta ajudará a Terra na sua jornada espiritual.

7)      OM NAMA SHIVAYA

 Jesus disse: “Sede perfeitos como o Vosso Pai no Céu é perfeito”. As práticas do Extremo Oriente da tradição siddha já levavam esse ditame a sério, muitos séculos antes de Jesus nascer. Siddha é um ser que alcançou a perfeição. Isso quer dizer que cada chacra tornou-se perfeito no domínio do princípio energético básico que corresponde a ele. O elemento terra corresponde ao chacra da base da coluna; o elemento água corresponde ao segundo chacra; o fogo, ao terceiro; e assim por diante.

Quando Jesus andou sobre as águas, ele provou que dominava o princípio que rege o segundo chacra. Moisés fez o mesmo quando separou as águas para que os fiéis que deixavam o Egito pudessem passar. Quando Jesus acalmou a tempestade sobre o mar, ele demonstrou que dominava o princípio do quarto chacra. Também quando ele disse: “Céu e Terra poderão desaparecer, mas minhas palavras nunca morrerão”, ele demonstrou ter pleno domínio do princípio que rege o quinto chacra.

Para os mestres siddha da Índia, Jesus seria um deles. Um de seus mantras mais importante é Om Nama Shivaya. Recite este mantra hindu com a idéia em mente de que todos nós devemos nos tornar perfeitos, cada um à sua maneira.

8)      OM EIM SARASWATYEI SWAHA

 Saraswati, por cujo poder da fala (Vach) o universo foi criado, confere todo tipo de conhecimento. Recite o mantra Saraswati com a intenção de elevar conscientemente o conhecimento, entre os seres humanos, a níveis mais elevados. Finalmente, quando soubermos o bastante, os hábitos nocivos de nossa espécie simplesmente se dissiparão.


9)      OM MANI PADME HUM

 Este é o célebre mantra que costuma ser traduzido como “A jóia da consciência está no coração do lótus”.

Avaloketeshwara é considerado um ser espiritual que alcançou um nível espiritual tão elevado que era como se tivesse escalado a montanha mais alta, chegando a um muro de pedras no seu topo. Uma vez ali, Avaloketeswara pulou para cima do muro de pedras e estava prestar a saltar dele, quando então ele entraria definitivamente em outro nível de ser e deixaria para sempre a humanidade. Nesse instante, ele ouviu um forte gemido atrás de si. Virando-se, viu o inconsciente coletivo da humanidade começando a lamentar a perda de sua presença. Tomado de compaixão, ele decidiu adiar essa etapa final da iluminação, sua beatificação definitiva, em favor de todos os seres vivos. Essa decisão tornou-se o “Juramento de Bodhisatwa”, o juramento de servir a todas as formas de vida consciente. Muitos budistas sérios faziam esse juramento. O grau de seriedade dos que fazem esse juramento varia, mas pensando bem, todos os grandes mestres espirituais da humanidade devem ter feito um juramento ou tomado uma decisão desse tipo, do contrário por que voltariam para nos ajudar?

A disciplina espiritual que faz uso do célebre mantra Mani é empreendida para promover a idéia de desenvolvimento espiritual associado ao ato de servir à vida. Durante a mantralização, recite-o sabendo que está colocando seu ombro metafísico na mesma roda que os mestres estão constantemente empurrando – a roda da evolução espiritual da humanidade.

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Se você se sentir preparado, organize a sua sessão mântrica. Ela não tem de ser nem grandiosa nem complicada. De acordo com os textos orientais, Deus reconhece as intenções do coração, mesmo quando os recursos são escassos. Com a mera prática mântrica, nem que seja só por curiosidade, você estará prestando um enorme serviço a todas as formas de vida do Planeta Terra.


                                                                                                                                Namastê!

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Considerações Sobre Amor-Próprio e Egoismo


Remexendo minha pequena,mas rica biblioteca, encontrei um livro de Erich Fromm, “A Arte de Amar”, onde ele faz reflexões interessantes sobre todos os tipos de amor.
Há um subtítulo no Capítulo 3 que fala sobre a diferença entre amor próprio e egoísmo.

Acreditando ser útil esclarecer o significado de cada um, transcrevemos abaixo o citado trecho:

Embora não haja nenhuma objeção à aplicação do conceito de amor a vários objetos, é uma crença muito difundida a de que, se é virtuoso amar os outros, é pecado amar a si mesmo. Considera-se que, se Omo a mim mesmo, não amo mais ninguém, que o amor a si mesmo é a mesma coisa que o egoísmo. Essa ideia está arraigada há muito tempo no pensamento ocidental. Calvino fala do amor a si mesmo como se fosse uma “peste”. Freud fala de amor a si mesmo em termos psiquiátricos, mas seu juízo de valor é igual ao de Calvino. Para ele o amor a si mesmo é a mesma coisa que o narcisismo, é a libido voltando-se para si mesma. O narcisismo é o primeiro estágio do desenvolvimento humano, e a pessoa que, mais adiante na vida, volta a seu estado narcísico é incapaz de amar; nos casos extremos, é insana. Freud considera que o amor é a manifestação da libido, e que a libido é ou voltada para os outros (amor) ou para si mesmo (amor a si mesmo). Amor e amor a si mesmo são, portanto, mutuamente exclusivos no sentido de que quanto mais há de um, menos há do outro. Se o amor a si mesmo é ruim, então a abnegação é virtuosa.

Põe-se a questão: a observação psicológica suporta a tese de que há uma contradição básica entre amor a si e amor aos outros? O amor a si é o mesmo fenômeno que o egoísmo ou trata-se de fenômenos opostos? Além disso, o egoísmo do homem moderno é de fato uma preocupação consigo mesmo enquanto indivíduo, com todas as suas potencialidades intelectuais, emocionais e sensuais? Será que “ele” não se tornou um apêndice de seu papel socioeconômico? O egoísmo é mesmo idêntico ao amor a si ou não seria causado pela falta desse amor?
Antes de iniciarmos a discussão do aspecto psicológico do egoísmo e do amor a si mesmo, precisamos apontar a falácia lógica existente na noção de que o amor aos outros e o amor a si são mutuamente exclusivos. Se é uma virtude amar o próximo como ser humano, deve ser uma virtude – e não um vício – amar a mim mesmo, já que também sou um ser humano. Não há concepção do homem em que eu mesmo não esteja incluído. Uma doutrina que proclame tal exclusão se revela intrinsecamente contraditória. A ideia expressa do “ama o próximo como a ti mesmo” da Bíblia implica que o respeito a si mesmo, o amor e a compreensão por si mesmo não podem ser separados do respeito, do amor e da compreensão por outro indivíduo. O amor por meu próprio eu é inseparavelmente ligado ao amor por qualquer outro ser.

Chegamos agora às premissas psicológicas básicas em que se fundamental as conclusões de nossa argumentação. Em geral, essas premissas são as seguintes: não apenas os outros, mas nós mesmos somos o “objeto” de nossos sentimentos e de nossas atitudes, as atitudes em relação aos outros e a nós mesmos, longe de serem contraditórias, são basicamente conjuntivas. No que concerne ao problema que estamos discutindo, isso significa: o amor aos outros e o amor a nós mesmos não são alternativas. Ao contrário, uma atitude de amor a si mesmo será encontrada em todos os que são capazes de amar os outros. O amor, em princípio, é indivisível no que concerne à conexão entre “objetos” e nosso próprio ser. O amor genuíno é uma expressão de produtividade e supõe cuidado, respeito, responsabilidade e conhecimento. Não é um “afeto” no sentido de ser afetado por alguém, mas um esforço ativo no sentido do crescimento e da felicidade da pessoa amada, arraigado em nossa própria capacidade de amar.

Amar alguém é a realização e a concentração do poder de amar. A afirmação básica contida no amor é dirigida para a pessoa amada como uma encarnação de qualidades essencialmente humanas. O amor a uma pessoa implica o amor ao homem como tal. Essa espécie de “divisão de trabalho”, conforme William James a chama, pela qual uma pessoa ama sua família mas não tem nenhum sentimento para como o “estranho” é indício de uma incapacidade básica de amar. O amor ao homem não é, como se costuma supor, uma abstração que vem depois do amor por uma determinada pessoa, mas é sua premissa, se bem que seja geneticamente adquirida amando-se indivíduos determinados.
Decorre daí que meu eu tem de ser objeto do meu amor tanto quanto outra pessoa. A afirmação da minha vida, da minha felicidade, do meu crescimento, da minha liberdade, arraiga-se na minha capacidade de amar, isto é, no cuidado, no respeito, na responsabilidade e no conhecimento. Se um indivíduo é capaz de amar produtivamente, ele também se ama; se ele só pode amar os outros, é que na verdade não pode amar. Admitindo-se que o amor a si mesmo e aos outros é, em princípio, conjuntivo, como explicaremos o egoísmo, que exclui obviamente qualquer preocupação genuína pelos outros? A pessoa egoísta só se interessa por si mesma, quer tudo para si, não tem prazer em dar, apenas em tomar. Ela vê o mundo exterior unicamente do ponto de vista do que pode dele obter; ela não se interessa pelas necessidades alheias, nem tem consideração pela dignidade e pela integridade delas. Não enxerga nada, além de si mesma; julga todos e tudo do ponto de vista da utilidade que podem ter para si; é basicamente incapaz de amar. Isso acaso não prova que a preocupação pelos outros e a preocupação por si são alternativas inevitáveis? Seria assim, se o egoísmo e o amor a si mesmo fossem idênticos. Mas admitir tal hipótese é uma falácia que levou a muitas conclusões errôneas com relação a nosso problema. Egoísmo e amor a si mesmo, longe de serem idênticos, na verdade são opostos. A pessoa egoísta não se ama muito, ela se ama pouco; na verdade, ela se odeia. Essa falta de carinho e de cuidado por si mesmo, que nada mais é que a expressão da sua falta de produtividade, deixa o egoísta vazio e frustrado. Ele é necessariamente infeliz e tenta ansiosamente arrancar da vida as satisfações que se impede de alcançar. Parece preocupar-se demasiado consigo, mas na verdade apenas faz uma tentativa malsucedida de dissimular e compensar seu fracasso em cuidar de seu eu verdadeiro. Freud considera que o egoísta é um narcisista, como se houvesse retirado seu amor dos outros e voltado todo ele para a sua pessoa. É verdade que as pessoas egoístas são incapazes de amar os outros, mas também não são capazes de amar a si mesmas.

É mais fácil entender o egoísmo comparando-o com a insaciável preocupação com os outros, que encontramos, que encontramos por exemplo, na mãe super-protetora. Embora ela conscientemente acredite ter uma hostilidade profundamente reprimida contra o objeto da sua preocupação. Ela se preocupa em excesso com ele não apenas porque ama muito o filho, mas porque precisa compensar sua falta pura e simples de capacidade de amá-lo.

Essa teoria da  natureza do egoísmo nasceu da experiência psicanalítica com a “abnegação” neurótica, um sintoma de neurose observado em não poucas pessoas que normalmente não se sentem perturbadas por esse sintoma, mas por outros ligados a ele, como a depressão, o cansaço, a incapacidade de trabalhar, o fracasso nos relacionamentos amorosos, e assim por diante. Não apenas essa abnegação não é sentida como um “sintoma”, como costuma ser o traço de caráter redentor de que tanta gente se orgulha. A pessoa “abnegada” não quer nada para si”; ela “vive só para os outros”, orgulha-se de não se considerar importante. Fica intrigada ao constatar que, apesar da sua abnegação, é infeliz, e que seus relacionamentos com os mais próximos dela são insatisfatórios. O trabalho analítico revela que sua abnegação não é algo separado dos outros sintomas que apresenta, mas um deles – na verdade, costuma ser o mais importante de todos; revela que ela está bloqueada em sua capacidade de amar ou de aproveitar o que quer que seja; que está impregnada de hostilidade contra a vida e que por trás da fachada abnegada está escondido um egocentrismo sutil, mas nem por isso menos intenso. Essa pessoa só pode se curar, se sua abnegação também for interpretada como um sintoma dentre outros, de modo que sua falta de produtividade, que está na raiz tanto da abnegação como de seus outros problemas, possa ser reparada.

A natureza da abnegação se torna particularmente patente em seus efeitos sobre os outros, e na maior  parte das vezes, em nossa cultura, no efeito da mãe “abnegada” sobre seus filhos. Ela acredita que, graças à sua abnegação, seus filhos experimentarão o que é ser amado e aprenderão, por sua vez, o que significa amar. No entanto, o efeito da sua abnegação não corresponde de maneira nenhuma às suas expectativas. Os filhos não denotam a felicidade das pessoas convencidas de que são amadas; são ansiosos, tensos, temem a desaprovação da mãe e anseiam por corresponder às suas expectativas. Normalmente, todos eles são afetados pela hostilidade oculta da mãe contra a vida, que eles muito mais sentem do que reconhecem claramente, e acabam eles próprios imbuídos dela. Globalmente, os efeitos que a mãe “abnegada” produz sobre seus filhos não é muito diferente dos da mãe egoísta; na verdade, costumam ser piores, porque a abnegação da mãe impede que os filhos a critiquem. Eles se vêem na obrigação de não desapontá-la; são ensinados, sob a máscara da virtude, a não gostar da vida. Se você tiver a oportunidade de estudar o efeito de uma mãe dotada de verdadeiro amor a si, poderá ver que nada conduz tão bem o filho à experiência do que é o amor, a alegria e a felicidade, do que ser amado por uma mãe que se ama.


A melhor maneira de resumir essas idéias de amor a si mesmo é citar Mestre Eckhart sobre esse ponto: “Se você ama a si mesmo, você ama todos os outros tanto quanto a si mesmo. Se você ama outra pessoa menos do que se ama, na verdade não conseguirá amar a si mesmo; mas, se você amar a todos, inclusive você, igualmente, então amará todos eles  como se fossem uma só pessoa, e essa pessoa é ao mesmo tempo Deus e homem. É assim uma grande e virtuosa pessoa que, amando-se, ama igualmente todos os outros”.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Romper com Velhos Padrões: Difícil, mas Inevitável


Toda pessoa que procura a terapia sabe que chegou a hora de mudar algo em sua vida. Saber disso e realizar isso são coisas distantes, num primeiro momento. Com o desenrolar das sessões, vamos aproximando estes dois pontos até que eles se tornem uma unidade.

O caminho é difícil, pois neste intervalo tem-se que lidar com estruturas arcaicas, padrões estabelecidos na psique que serviram numa dada época da vida, mas que depois de um certo período, passam a ser obstáculos para a evolução do indivíduo.

Mas é justamente aí que se encontra o desafio, a prova crucial do processo analítico.

Nós, como analistas, temos a oportunidade de exercer a função de continente para nosso cliente, mas ao mesmo tempo temos que saber dar-lhe o estímulo adequado para questionar as “leis da sua vida” e, juntos, avaliar que “alicerces” pedem reforma. 

Muitos conflitos se movem em todo esse processo.  Muitas crises acontecem, muitos medos se revolteiam até que as novas bases estejam assentadas. É o preço das mudanças que nosso Self exige para nossa evolução como seres humanos.

Neste ponto, gostaria de transcrever um trecho do livro “Anatomia da Cura”, da Dra. Christine Page, que toca particularmente neste assunto:

Estabelecer novos parâmetros a partir dos quais trabalhar pode muitas vezes ser assustador, pois tudo quanto foi “comprovado pelo tempo” parece familiar e cômodo.

É freqüente haver medo de “ver” o que está por trás do conselheiro, principalmente quando este é o pai ou a mãe. Também pode haver medo do fracasso e de confiar nos próprios instintos recém-descobertos.

As palavras “Eu bem que avisei” ou “Depois não diga que não avisei” não ajudam quando estamos tomando decisões sozinhos.

Quando o sistema de crenças envolve mensagens repetidas sobre a auto-estima, pode ser muito difícil começar a desenvolver o senso de identidade e autovalorização.

O único papel que resta a um indivíduo nessas circunstâncias é acreditar que tudo quanto lhe acontece é culpa sua e que ele nunca vai conseguir nada que tentar obter.

Quando começam a desenvolver um grau modesto de auto-estima, podem até se sentir culpados por negar aquilo em que acreditaram durante tanto tempo.

Podem tornar-se a vítima e o algoz ao mesmo tempo, e o crescimento estaciona.

Na verdade, são os únicos a ter a chave que pode abrir a porta de sua prisão... muitos podem oferecer apoio, mas a “vítima” precisa abrir a porta para permitir que os amigos entrem.

Tudo requer tempo e uma das maneiras de sabotar qualquer movimento para a frente é estabelecer metas altas demais e, assim, realizar a crença subconsciente de que nada é possível.

Seja qual for o motivo, costuma ser muito difícil mudar o “disco” ou sistema de crenças arquivado no banco de dados da memória e substituí-lo por outro.

Mas, quando chega o momento certo, a mudança acontece de acordo com a Lei da Harmonia e do Equilibrio, e lá vamos nós, de boa vontade ou esperneando e gritando!

Eu poderia citar um monte de gente nos seus 50 ou 60 anos, homens e mulheres, cujos atos ainda são governados pelos sistemas de crenças de seus pais.

Como devem agir, o que devem usar, quanto devem se esforçar no trabalho, o que devem ler, o que devem comer.

Todos conselhos bons e sensatos em sua época, mas que talvez não sejam apropriados agora.

Sempre que ouço as palavras “você tem de fazer isso, é obrigado a fazer aquilo”, sei que estou diante de um problema que puxa uma pergunta: Quem disse? Raramente a resposta é “Eu”.

Por exemplo:

Maria era uma mulher bem sucedida, estava com 55 anos e era perfeccionista. Trabalhava o dia inteiro e depois se perguntava por que a cabeça não parava e não a deixava dormir.

Conversamos sobre relaxamento e lazer e ela disse que não eram atividades que fizessem parte de sua rotina, pois significavam a perda de um tempo precioso.

Perguntei-lhe qual a origem dessa rigorosa ética profissional e ela me contou que a mãe sempre lhe dissera que nunca conseguiria nada  e nunca seria alguém.

Durante os últimos 50 anos, ela tinha tentado provar que a mãe estava errada.

Não era capaz de olhar para suas conquistas e se dar os parabéns... Ainda procurava obter a aprovação da mãe.

Em épocas de mudança, é absolutamente válido voltar a hábitos antigos de comportamento durante os curtos períodos de tempo até os novos paradigmas já estarem bem “adaptados” e os antigos sistemas de crenças não combinarem mais com a nova imagem.

Deepak Chopra, em seu livro “Quantum Healing”, afirma que é muito difícil mudar velhos hábitos de uma vida inteira... não é impossível, mas requer um “salto quântico” mental, que significa soltar-se e confiar.

As leis do universo e da terra em que vivemos existem para evitar o caos e proporcionar segurança.

Mas as regras e os sistemas de crenças precisam ser avaliados de tempos em tempos para verificarmos se ainda estão harmônicos com a sabedoria do Eu Superior.

Essa sabedoria surge do desenvolvimento da intuição e reflete aquilo que é bom não só para o indivíduo, mas também para a humanidade como um todo.

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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Sincronicidade: Coincidências Significativas

SINCRONICIDADE

 No decorrer de nossa vida nos deparamos com as mais diversas circunstâncias. Muitas  delas, a maioria, passa mecanicamente, sem que percebamos em seu âmago algo especial ou determinante de novas situações.

 Mas, há certos momentos nos quais nosso estado de consciência se altera, em que conseguimos nos dar conta de algo que se move no “interior” dessas situações.

 Perceber a ligação entre nossa psique e os eventos externos é importante para detectarmos a expressão do Inconsciente Coletivo.

Um dos fenômenos mais ricos nesse sentido é a SINCRONICIDADE.

 Este termo foi criado por Carl Gustav Jung, médico psiquiatra, um dos mais célebres contribuintes para a moderna psicologia. Sobre esta questão ele disse: “Minha preocupação, com relação à psicologia dos processos inconscientes, obrigou-me, há muito tempo,  a procurar – além da causalidade – outro princípio de explicação, uma vez que o princípio da causalidade me parecia impróprio para explicar certos fenômenos surpreendentes da psicologia do inconsciente. Encontrei, assim, fenômenos psicológicos paralelos, que não podiam ser ligados entre si casualmente; deviam ser ligados de outra forma, por outro desenrolar de acontecimentos. Esta conexão de acontecimentos parecia-me ser essencialmente dada, por sua relativa simultaneidade, de onde o termo ‘sincronístico’. Parece, com efeito, que o tempo, longe de ser uma abstração, é um continuum concreto; ele inclui certas qualidades ou condições fundamentais que se manifestam, simultaneamente, em lugares diferentes, com um paralelismo que não pode ser explicado pela casualidade. É o caso, por exemplo, de símbolos, idéias ou estados psíquicos de aparecem simultaneamente”.

 Antes de adentrarmos no tema, vamos a uma breve explanação de alguns temas que vão ajudar na compreensão deste assunto:
 
a)      Consciência: é um “dar-se conta”, “aperceber-se” de uma realidade. Jung diz que nossa consciência não se cria a si mesma, mas emana das profundezas desconhecidas. Desperta gradualmente na infância e, ao longo da vida sai das profundezas do sono, de um estado de inconsciência.
 
b)      Inconsciente: é constituído por tudo aquilo que ignoramos, por aquilo que não tem qualquer relação com o eu, centro dos campos de consciência. É o desconhecido do mundo interior. Engloba tudo que conhecemos, mas sobre o que não pensamos num dado momento, tudo aquilo de que já tivemos consciência mas esquecemos, tudo o que foi percebido pelos sentidos e que o espírito consciente não registrou, tudo o que involuntariamente e sem prestar atenção (isto é, inconscientemente), sinto, penso, relembro, desejo e faço, todo o futuro que se prepara em nós e que só mais tarde se tornará consciente. Tudo isso é conteúdo do inconsciente. É de dois tipos: pessoal e coletivo.

c)      Inconsciente Pessoal: conjunto de todos os conteúdos reprimidos, assim como os instintos e os impulsos que levam à execução de ações comandadas por uma necessidade, mas não por uma motivação consciente (complexos). Esses conteúdos são parte integrante da personalidade individual e poderiam, pois, se tornar conscientes.

d)     Inconsciente Coletivo: zona ou faixa psíquica onde estariam as figuras, símbolos e conteúdos arquetípicos de caráter universal, frequentemente expressos em termos  mitológicos.

e)      Arquétipo: forma imaterial à qual os fenômenos psíquicos tendem a se moldar. É o modelo inato que serve de matriz para o desenvolvimento da psique. Os arquétipos são as tendências estruturais invisíveis dos símbolos. Criam imagens ou visões que correspondem a alguns aspectos da situação consciente. Também são chamados de imagens primordiais e, segundo Jung, se originam de uma constante repetição de uma mesma experiência, durante muitas gerações.

 
SINCRONICIDADE: CONCEITO

 Sincronicidade é uma COINCIDÊNCIA SIGNIFICATIVA que faz a ligação entre nossa psique e uma ocorrência exterior, na qual sentimos uma sensação de união entre o ser interior e o ser exterior. 

Diz Jung: “Escolhi o termo ‘sincronicidade’ porque a aparição simultânea dos dois acontecimentos, ligados pela significação, mas sem relação causal, me pareceu um critério decisivo. Emprego, pois, aqui, o conceito geral de sincronicidade, no sentido especial de coincidência, no tempo, de dois ou vários elementos, sem relação causal e que têm o mesmo conteúdo significativo, ou um sentido similar. Isto não é o mesmo que sincronismo, cujo significado é apenas o da aparição simultânea de dois fenômenos”.

A sincronicidade traz em si o conceito da totalidade, característica do Inconsciente Coletivo. O sentido de totalidade nos faz perceber que ninguém está isolado, que todos os fenômenos estão interligados e se influenciam mutuamente. O Inconsciente não é algo estático, mas possui um dinamismo próprio que objetiva a integração do ego. Ele usa dos elementos visíveis para que possamos nos conscientizar dos “invisíveis”, isto é, daquilo que não é óbvio para o ego, que se encontra num nível inconsciente.

 

CARACTERÍSTICAS DA SINCRONICIDADE

 A sincronicidade se dá nos mundos interno (psique) e externo, simultaneamente. Jung afirma que todas as pessoas, assim como os objetos, animados e inanimados, estão interligados por meio do Inconsciente Coletivo.

Como explicar o caso de uma pessoa que sonha ou tem um pensamento, ou um estado psicológico interior que coincida com um acontecimento exterior? Quem nunca vivenciou um fenômeno desses, em que uma coincidência significativa se deu, aparentemente sem explicação?

São exemplos de sincronicidade: sonhar com um acontecimento e ver ele se cristalizar no mundo físico, palpável; querer encontrar alguém e de repente topar com essa pessoa “por coincidência”; pensar em algo e ver que havia outra pessoa com a mesma idéia...

O fenômeno da sincronicidade atesta a idéia oriental da unidade de todas as coisas, isto é, estamos todos mergulhados na chamada “Alma Universal”, daí podemos perceber o que os outros percebem. Faculdades como a telepatia, protagonista de muitas sincronicidades, não seriam possíveis sem a evidência dessa totalidade que permeia a vida.

O indivíduo está no todo e o todo no indivíduo. Hermes Trismegisto, grande sábio da antiguidade, deixou um axioma que é muito conhecido: “assim como é acima é abaixo, assim como é abaixo é acima”.

Normalmente, a maior parte das pessoas têm dificuldade em perceber e aceitar a sincronicidade, bem como outros fenômenos, porque estão presas ao racionalismo. A percepção da totalidade ou unidade de todas as coisas é própria do lado criativo, emocional e mesmo intuicional do ser humano.

R. H. Blyth, erudito em haiku, disse: “O intelecto pode entender qualquer parte de algo como uma parte, porém não como um todo; pode compreender qualquer coisa que não seja Deus”.

Não devemos confundir sincronicidade com sincronia. Um evento sincrônico é qualquer coisa simultânea, eventos que ocorrem ao mesmo tempo (relógios, horários de ônibus, de aulas em escola, etc.). Na sincronicidade a “coincidência” tem um sabor especial, acontecendo de um marco de tempo subjetivo. A pessoa consegue fazer a ligação de dois episódios, e não é preciso que sejam simultâneos, embora com freqüência isso aconteça.

Sincronicidade e emocionalidade estão intimamente associadas. A sincronicidade provoca um estado emocional transformador. Ao percebermos um evento sincronístico somos tomados de uma emoção especial, que pode provocar mudanças imediatas em nossos estados de ânimo, ou mesmo propiciar alteração profunda de comportamentos.

 
TIPOS DE SINCRONICIDADE

Jung classificou a sincronicidade em três tipos:

1)      Coincidência entre o conteúdo mental (que pode ser um pensamento ou um sentimento) e um evento externo. Ex: pensar em alguém e topar com ele ou ela na rua.

2)      Ter um sonho ou visão que coincide com um acontecimento que está ocorrendo a certa distância (e isto é comprovado mais tarde). Ex: premonições e pressentimentos no momento do acontecimento.

3)      Uma pessoa vê uma imagem (como sonho, visão ou premonição) de algo que ocorrerá no futuro e que então efetivamente acontece. Ex: visão clarividente ou onírica de acontecimentos futuros.

Na sincronicidade é o participante que determina (através de sentimentos meramente subjetivos) se as coincidências são significativas. A sincronicidade é o princípio que Jung postula como o elo que liga a psique e o evento numa coincidência significativa.
 
A sincronicidade está embutida na causalidade. Para avaliar um evento sincronístico é preciso ter a capacidade de notar um estado interior subjetivo, e então conecta-lo intuitivamente a um evento exterior a ele interligado.

 
SINCRONICIDADE E INCONSCIENTE COLETIVO

Para Jung, a camada arquetípica do inconsciente está envolvida em eventos sincronísticos. É no Inconsciente Coletivo, universal e congênito que se encontram os arquétipos, padrões de comportamento instintivo, segundo Jung tão numerosos quantas as situações típicas que houver na vida. A repetição infinita gravou essas experiências dentro de nossa constituição psíquica. São exemplos de situações arquetípicas: nascimento, morte, casamento, laços entre mãe e filho, entre pai e filho, as lutas heróicas, etc.
 
Também entram no conceito de arquétipo as “imagens primordiais (aliás, outra maneira de conceituar um arquétipo) ou figuras que são ativadas e então revestidas com uma coloração emocional inferida pessoalmente.

O Self (si-mesmo) segundo Jung, é o ponto médio relacionado tanto com o Ego como com o Inconsciente, sem contudo ser equivalente a nenhum dos dois. O Self corresponde ao Tao oriental. É uma fonte de energia que impele a pessoa a “tornar-se o que ela é”, conferindo um sentido de ordem à personalidade. Vejamos o que Jung fala sobre o Self ou Si-Mesmo: “O si-mesmo é uma realidade ‘sobre-ordenada’ ao eu consciente. Abrange a psique consciente e a inconsciente, constituindo por esse fato uma personalidade mais ampla, que também somos... Mas não devemos nutrir a esperança de chegar a uma consciência aproximada do si-mesmo; por mais consideráveis e extensas que sejam as paisagens interiores e os setores apreendidos pela consciência, não desaparecerá à massa imprecisa e uma soma desconhecida de inconsciência, que também faz parte integrante da totalidade do si-mesmo. O si-mesmo é o centro e também a circunferência completa que compreende ao mesmo tempo o consciente e o inconsciente; é o centro dessa totalidade, como o eu é o centro da consciência”.

Jung afirma que não há nenhuma evolução linear; há apenas a circum-ambulação do self.

A sincronicidade é o princípio que faz a ligação entre nossa psique e uma ocorrência exterior, na qual sentimos uma misteriosa sensação de união entre o ser interior e o ser exterior. No decorrer da experiência de uma ocorrência sincronística, em vez de nos sentirmos como entidades separadas, isoladas num vasto mundo, experimentamos a interligação com os outros e percebemos o universo num nível profundo e significativo. Essa conexão subjacente é o Inconsciente Coletivo, e o evento sincronístico é uma de suas manifestações específicas.

 
PORQUE A SINCRONICIDADE ACONTECE

Como vimos, a sincronicidade é uma das formas de comunicação do Inconsciente Coletivo, uma das maneiras em que se expressa no mundo exterior. Ela ocorre dentro da “dança” ou circum-ambulação descrita por Jung. O Self quer que tomemos consciência da dança ou mutação do universo interior e que consigamos a integração com ele. É para isso que põe em ação os eventos sincronísticos.

O que proporciona a mudança causada pelos eventos sincronísticos são os estados psíquicos de alta sensitividade. Mudanças de estado emocional proporcionam a elevação do tônus do inconsciente, criando facilmente um declive em que o inconsciente pode fluir para o consciente. A consciência cai, então, sob a influência de impulsos e conteúdos instintivos inconscientes. Geralmente, estes últimos são complexos cuja base última é o arquétipo.

O inconsciente contém, igualmente, percepções subliminares, bem como imagens esquecidas na memória que não podem ser reproduzidas no momento, ou mesmo nunca. Mas, estas imagens radicadas ou não em bases já existentes, se acham em uma relação significativa, análoga ou equivalente a acontecimentos objetivos que não tem com eles nenhuma relação causal reconhecível ou mesmo imaginável.

Há, no inconsciente, uma espécie de conhecimento ou “presença a priori” de acontecimentos, sem qualquer base causal. Jung denominou essa “presença” de “espírito” que, autonomamente, move os arquétipos.

A alma se acha tão desejosa daquela coisa que ela gostaria de realizar, que escolhe espontaneamente a hora ou o momento melhor e mais significativo, que rege também as coisas que concordam melhor com o objetivo de que se ocupa. Aquilo que somos internamente mobiliza forças para alcançar sua meta.

Jung, em seu livro “Sincronicidade”, diz: “O fenômeno da sincronicidade é constituído, portanto, de dois fatores: 1) uma imagem inconsciente alcança a consciência de maneira direta (literalmente) ou indireta (simbolizada ou sugerida) sob a forma de sonhos, associação ou premonição; 2) uma situação objetiva coincide com este conteúdo. Tanto uma coisa como a outra podem, por assim dizer, causar admiração.

 
CONCLUSÃO

A sincronicidade é uma das formas em que o Inconsciente se comunica com o mundo exterior. É um fenômeno especial e que pode produzir insights no psiquismo humano, na medida em que o indivíduo permita-se dar vazão à sua emocionalidade.

Fechamos este trabalho sobre a sincronicidade com as palavras de Jung:

“A emocionalidade da alma humana constitui (realmente) a causa principal de todas as coisas, porque pode afeta-las e modifica-las. A alma se acha, com efeito, tão desejosa daquela coisa que ela gostaria de realizar que escolhe espontaneamente a hora astrológica melhor e mais significativa que rege também as coisas que concordam melhor com o objetivo de que se ocupa”.

 
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domingo, 10 de novembro de 2013

Neurodermite e o Arquétipo da Mãe (Estudo de Caso Pela Via Junguiana)


NEURODERMITE E O ARQUÉTIPO DA MÃE (Estudo de Caso Pela Via Junguiana)

 Querendo abordar a questão do arquétipo da “Mãe”, me deparei com um texto de Judith Harris, em seu livro “Jung e o Ioga: A Ligação Corpo-Mente”.

Judith foi musicista, tocava piano, mas ainda muito jovem desenvolveu uma grave doença que a impediu de seguir esse caminho. Sentia fortes dores, que os recursos da medicina tradicional não resolviam. Aos poucos, ela se deu conta de que seus problemas físicos não podiam ser resolvidos sem levar em conta os elementos psíquicos subjacentes. 

Começou a fazer análise junguiana em combinação com a prática de Yoga. Depois de muitos processos internos, delineou um novo caminho. Curou-se e, como analista junguiana e especialista em Yoga, dedicou-se a proporcionar a outros a mesma oportunidade de autoconhecimento.

Segue, abaixo, a descrição do processo de uma de suas pacientes: June.

June começou as sessões de análise logo após seu aniversário de vinte e um anos. Naquela época ela estava e um momento bastante crítico, sofrendo de neurodermite, uma doença que produz inflamação crônica severa da pele. Não era mais possível reconhecê-la como uma jovem, parecia uma senhora murcha e enferma. Ao redor dos seus olhos formavam-se vários círculos inchados, o que dificultava muito o contato visual com ela. A doença afetava sei corpo desde a cabeça até pouco acima dos tornozelos. A pele do pescoço estava tão grossa que ela mal podia mover a cabeça de um lado para outro. Estava exausta por não conseguir dormir – a coceira era incessante. Sua pele tinha cortes e feridas tão profundas que eu sentia cheiro de sangue assim que ela entrava na sala. Ela veio para a análise investigar o possível componente psicossomático da doença, e também para obter ajuda para lidar com sua tremenda angústia.

June estava desesperada. Ela havia tentado diversas terapias medicamentosas durante cerca de meio ano, incluindo vários meses em uma clínica alemã especializada em pele. Tinha usado tanta cortisona, que passou a não fazer mais efeito. O uso de cortisona a longo prazo realmente causa um afinamento da pele, reduzindo ainda mais sua capacidade natural de funcionar como filtro semipermeável entre os ambientes interno e externo. June passou a repudiar a terapia medicamentosa, ficou com medo dos efeitos a longo prazo, e havia parado de usar cortisona algumas semanas antes de nosso primeiro encontro. O problema de pele piorou quando ela parou de tomar cortisona, mas não em um grau considerável.

O dermatologista afirmou que ela não melhoraria a menos que continuasse usando cortisona em grandes quantidades, uso interno e tópico. De uma outra perspectiva, no entanto, recordei que um sintoma é uma tentativa natural por parte da psique em direção à cura, em direção à plenitude. Senti fortemente que o sintoma que se manifestava nesta insuportável doença de pele era, paradoxalmente, um passo para a cura. A doença frequentemente é o estímulo capaz de trazer a transformação. Por isso, Jung nos lembra “o princípio fundamental de que a sintomatologia de uma doença é ao mesmo tempo uma tentativa natural para a cura”.

Parecia-me que tudo o que era doloroso demais para June trazer à consciência vinha à tona de forma indireta, como sintoma expresso no corpo. A estrutura psíquica estava fraca demais para suportar o conflito, qualquer que fosse, então o conflito havia tomado seu corpo. Na verdade, quando uma doença se manifesta no corpo é mais fácil lidar com ela, embora os sintomas possam ter torturantes. No entanto, quando uma doença ocorre na psique, ela é invisível e fica mais difícil de tratar. A doença de June agora se manifestava no lado infravermelho do espectro, no corpo. Na verdade, ela estava sendo forçada a lidar diretamente com a cor vermelha, que se manifestava como uma vermelhidão bem como um terrível sangramento em sua pele. O âmbito instintivo estava literalmente gritando para ser ouvido, pois a integração do instinto é essencial para o processo de individuação.

A cortisona é conhecida como um imunossupressor, reduzindo assim a produção das “células e combate” naturais do corpo. Precisamos dessas guerreiras para combater a doença e sabe-se que a ingestão prolongada de cortisona pode acarretar sérios problemas. Eu acreditava que a doença de pele era a manifestação de algo psíquico tentando encontrar expressão por meio daquele sintoma  corporal e, com a ingestão de cortisona só poderia suprimir essa capacidade, além de reduzir a capacidade de June resistir a outras doenças, decidi apoiar sua tentativa, contra o conselho dos médicos, para encontrar outra forma de cura. Ao olhar para trás, vejo que naquele momento demos um grande passo diante de nossa decisão de lidarmos juntas com o que pudesse vir do inconsciente. Primeiro tínhamos de lidar com a doença de pele que piorava, porém, a tentativa de cura, do tomar consciência, tornava-se ainda mais urgente.

Nós tínhamos apenas duas horas juntas e June saiu de férias. Antes de sair, perguntei-lhe se ela gostaria de levar um pouco de argila. June prontamente pegou uma faca, cortou a argila ao meio sobre a minha mesa, e perguntou se podia ficar com metade, dizendo que deixaria a outra metade para quando voltasse. A pele é o órgão do toque, na verdade o órgão do sentir, já que tocamos e sentimos as coisas com as nossas mãos. Parecia que June havia recebido muito pouco sentimento de sua mãe. Esta vinha de uma família chinesa de classe alta em que faltavam a espontaneidade, a cordialidade e o contato físico. June não foi uma criança desejada. Seus pais se casaram por causa da gravidez, e ambos se envergonhavam do casamento. O nascimento de June não foi comemorado. Como os diz Marion Woodman: “Uma mãe que não consegue acolher sua filha no mundo deixa-a sem base. Da mesma forma, a mãe dessa mãe e a avó provavelmente não dispunham das raízes profundas que ligam o corpo de uma mulher à terra. Seja qual for a causa, sua própria vida instintiva não estará disponível”.

Na verdade, quando June ficou seriamente doente, sua mãe lhe aplicou o creme de cortisona usando luvas grossas de látex. June disse que gostaria de ter sentido um toque real de sua mãe, especialmente por estar tão doente. Eu senti que trabalhar com argila seria o começo do contato com algo que ela poderia tomar em suas mãos e moldar como quisesse.

O que June precisava era criar um corpo novo e transformado para si. Ao fazer isso, ela conseguiria reunir as partes desconectadas de si mesma, e seu espírito e corpo se tornariam um. Senti que trabalhar com a argila era algo que sustentaria essa transformação. Na Alquimia, o objetivo do trabalho é a transformação de metais básicos em ouro, que é considerado o resultado final de um longo período de gestação no íntimo da terra. O ouro representa corpo sutil. O corpo transformado, portanto, representaria para June a ligação com a parte eterna de si, permitindo assim que o próprio corpo passasse por uma mudança profunda. Na verdade, a pele de June ficou bastante limpa depois de aproximadamente oito meses de análise.

Encontramos muitas situações similares à dessa jovem, em que a experiência do arquétipo da mãe foi predominantemente negativa. A relação mãe-filho no início da vida é absolutamente vital para o desenvolvimento futuro dessa criança. D.W. Winnicott descreve isso como “a preocupação materna primária”. Em outras palavras, a mãe deve desenvolver uma identificação consciente, mas também profundamente inconsciente com a criança: “A mãe que desenvolve esse estado que eu chamei de ‘preocupação materna primária’ fornece um cenário para a constituição da criança começar a se fazer evidente, para que as tendências de desenvolvimento comecem a se desdobrar, e para a criança experimentar um movimento espontâneo e tornar-se dona das sensações que são apropriadas nessa fase inicial da vida”.

Podemos verificar na afirmação acima como pode surgir a falha da relação com o corpo.

Ao usar a argila que lhe dei, June estaria trabalhando com a prima materia. Estaria trabalhando com o lugar no tempo anterior ao nascimento, antes do carma e da experiência de vida que traz o destino até nos. Ela estaria retornando suavemente ao ponto anterior ao início do tempo, trazendo uma cura verdadeira para a profunda ferida criada no domínio do corpo ou instinto. Amassar argila é trabalhar com o corpo. Lemos na Bíblia que o primeiro homem, Adão, nasceu do pó da terra. Da terra misturada à água, surge a argila. Em um texto de alquimia datado do século 17, podemos ler: “Quando a água caiu sobre a terra, surgiu Adão”.

Na verdade, ao usar argila, June estaria trabalhando diretamente com sua doença. Na Antiguidade, a pele era comparada à alma. Pelo processo de amassar e modelar argila, June estaria na verdade trabalhando com sua alma, cuja aflição se manifestava no corpo.

June oscilava entre os opostos da vida e da morte. Naquela época, ela compartilhou comigo um trecho extraído de suas anotações: “Não agüento mais isso! Quero outra pele. A minha ficou muito grossa, a coceira é insuportável. Por que estou sendo castigada dessa forma? Que devo fazer para ficar livre dessa tortura infernal? Por que ninguém me ajuda? Não consigo suportar. Quero coçar minha pele até arrancar toda ela. Não agüento mais, não vou agüentar mais um dia sequer”.

June e eu sabíamos que algo importante teria de acontecer para aliviar seu sofrimento. Frequentemente é preciso ir à profundidade para que as coisas mudem. Com toda aquela coceira e sangramento, ela estava perdendo grande parte de sua antiga pele. Ela teria de abrir mão de uma atitude, e de alguma forma começar a abraçar algo novo. A análise não “cura” as pessoas por si mesma. É bem mais exato falarmos em um reajuste de atitude; em outras palavras, com o tempo, surge uma nova forma de olhar a própria vida. June teria literalmente de largar suas velhas atitudes, sua pele antiga, por assim dizer, para que a transformação fosse possível. Ela teria de tomar uma decisão muito significativa, pois, caso não estivesse realmente disposta a abandonar algumas de suas atitudes com relação a si mesma e ao mundo à sua volta, poderia chegar à morte física ou psíquica. Felizmente, ela estava pronta, e nosso trabalho começou com forte intensidade.

 

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Mandalas


Mandalas

Mandalas são círculos nos quais a divindade principal é colocada no centro, e as outras em camadas. São uma superfície consagrada, protetora, contra determinadas invasões. São um mapa do mundo. Psicologicamente, conforme tão bem estudadas por Jung, correspondem aos elementos estruturais que compõem a personalidade humana, centrados no indivíduo, que ocupa o centro da figura.

A mandala se apresenta, por vezes, na forma de Yantras, desenhos geométricos entrelaçados que, em sua simetria parecem brotar de um ponto central. Esses desenhos são usados em certas práticas de meditação.

É indiscutível a força integradora que se sente na Mandala, o que levou Jung a estudá-las em detalhe. Ela aparece nos momentos em que o ser humano é submetido a uma tensão desagregadora. Surge nas crianças que vêem os pais se separarem, nos adultos quando a neurose se estabelece ou sempre que ocorre uma invasão do inconsciente na alma humana. É uma tentativa de autocura que a Natureza espontaneamente adota. Uma barreira à desintegração.

A filosofia hindu, ou qualquer outro sistema por ela influenciado, é um método para alcançar a autoconsciência. Para isso a Sadhana (prática) é indispensável. No trabalho psicanalítico sabemos que a cisão entre o intelecto e a psique é algo grave e precisa ser reparada. É necessário, pois, restabelecer essa autoconsciência do ego, isolado da Consciência Cósmica. Para a Vedanta, essa Consciência Cósmica é Brahman. A centelha individual, o ego, é Atman. Atman=Brahman. Mas, essa identidade não é consciente no homem comum, e quanto mais inconsciente ele for dessa realidade, maior a tensão existencial, a angústia. A prática (Sadhana) é o método que leva ao reencontro dessa consciência.

A Consciência Cósmica é uma superconsciência da qual o inconsciente coletivo de Jung é apenas um aspecto. Nela estamos mergulhados, existimos e temos o ser. A consciência relativa cria as imagens em função da limitação da percepção do Absoluto através dos sentidos. Neste Oceano Primordial nada é perdido.

Os hindus não consideram a vida como sendo uma luta entre o bem e o mal, entre a virtude e o pecado, mas como uma oposição entre aquela consciência luminosa e seu oposto. A psique e o inconsciente, que chamam de Maya, são os dois pólos desse processo que se chama vida. Sendo assim, estamos diante de uma constante intromissão dessa Maya. Estamos, mais ou menos, sob o seu controle.

A mandala é um recurso gráfico, externo, para conduzir à reintegração. É como se fosse um mapa do Universo mostrando a sua geografia externa e interna. Quando examinamos o Universo, o Sol, a Terra, ou o ser humano notamos uma grande semelhança. Existe sempre uma superfície externa, limite, um centro de atração que congrega em verdadeiras camadas as partes componentes. E se assim não fosse, as coisas explodiriam e não teriam forma. A forma é a marca externa de uma Mandala. Assim como existe a forma para o físico, há um contexto para o psicológico. Uma idéia é uma Mandala quando perfeitamente definida. Um sistema de pensamento é uma Mandala, pois possui uma estrutura, um conjunto. A mandala, mesmo que não a notemos, é implícita e realizável. Suas infinitas possibilidades de realização estão mergulhadas nas profundezas do Inconsciente. A Mandala é, portanto, um Cosmograma, e um Psicograma. Um roteiro para o Absoluto.

 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Mantras e sua Utilidade para a Psicanálise

Mantras

O mantra é a própria razão de ser de muitas práticas tântricas. A palavra mantra origina-se de uma antiga raiz sânscrita, man, que significa pensar, e o sufixo tra, que significa instrumento. O mantra é um conjunto de sons ou palavras com efeitos vibratórios, psíquicos e espirituais, quando devidamente pronunciados.

De acordo com o Tantrismo, cada coisa, seja qual for sua constituição, nada mais é que uma concentração de energia, uma vibração. Toda vibração de um objeto produz uma modificação, que poderá ou não ser apreendida pelo homem.

Nos hinos do Rig-Veda, os Mantras eram apresentados como instrumentos etéricos para o homem atingir a integração da consciência humana com a consciência cósmica. Segundo os Rishis (sábios), os Mantras impregnam o éter supremo e imperecível, onde os deuses estão presentes. A linguagem humana, nascida da utilização da voz, é a manifestação, no físico, de uma tensão psicológica gerada num plano mais sutil; o mental. Portanto, falar gera libertação de tensões. Existem duas maneiras de falar. Uma, a mecânica, à maneira dos seres, na qual a linguagem nada mais é do que o resultado de um processo “digestivo” mental. As palavras nada mais são do que conceitos mal digeridos que irão, por sua vez, ser absorvidos pelos outros para, incorporando-se em suas naturezas nervosas, serem novamente expelidos e permitir a continuação do processo. E com ele todas as infecções psíquicas causadas pelas contaminações decorrentes da falta de higiene dos que são obrigados a viver no meio do esgoto para onde fluem os subprodutos da mente humana. A outra forma é a que se encontra na linguagem intencional nascida de uma experiência em primeira mão da realidade. É a palavra correta, não contaminada, que brota do aqui e agora. Essa palavra não contamina, mas cura.

Os Mantras servem para várias finalidades. Vejamos algumas relacionadas aos objetivos da psicanálise:

a)    Libertação secundária: refere-se ao alívio de um peso ou de alguma coisa que nos aperta até a cura de uma neurose, quando é atingido aquilo que convencionalmente chamamos de “saúde psíquica”.

b)    Evitar a má influência: O homem pode vestir uma couraça protetora, uma barreira contra a contaminação psíquica, de imensa utilidade num mundo dito desenvolvido e civilizado, mas que continua desconhecendo as regras básicas da higiene hiperfísica.

c)    Exorcizar os demônios: Em primeiro lugar, temos que situar devidamente o que seja demônio no mundo tântrico. São nuvens de força imensa atraídas pelos seres de acordo com o seu estado interior (seus pensamentos e sentimentos naquele momento). A neurose, no conceito tântrico, é a posse do paciente por um conteúdo psíquico que o infecta e destrói a sua paz. A remoção da causa, a conscientização da mesma através de várias técnicas é o verdadeiro exorcismo. Numa de suas obras, o Dr. Jung chama a atenção para a influência através do inconsciente coletivo de certas vibrações advindas de pessoas desajustadas. No Volume 9, de um ensaio intitulado “Concerning Rebirth”, ele afirma: “Grande aglomerações de pessoas são sempre um campo propício para epidemias psíquicas”. No Volume 17 do “The Development of Personality”, Jung relata: “As doenças psíquicas e nervosas das crianças dependem enormemente das perturbações no mundo psíquico dos pais. Todas as dificuldades dos pais refletem-se, sem falhar, na psique da criança”.

d)    Curar doenças: A doença é uma quebra de ritmos. Uma dissonância na harmonia natural do funcionamento do sistema psicofísico. Está definitivamente provada a íntima relação entre corpo e espírito, e a forma pela qual muitas doenças físicas aparecem depois de um período de incubação no psíquico. Nesse caso, a cura é a reconstituição dos tecidos psíquicos e poderá ser acelerada pelo uso adequado do som.

e)    Influenciar as ações e pensamentos dos outros: Podemos, segundo o Tantra, mediante a repetição adequada do Mantra, auxiliar os outros. Um Mantra é um som, uma vibração. Toda vibração tem uma forma, uma estrutura, um ritmo. É um campo vibratório que atua diretamente sobre os que estão em contato direto com ele. A mãe que acalenta o filho está, na sua espontaneidade, emitindo um Mantra que produz resultados marcados. Há uma série de fórmulas mântricas usadas com essa intenção. Esse material pode ser encontrado em obras de Mantra-Yoga.

f)     Purificação do corpo humano: A idéia de limpeza e higiene é muito antiga na Índia. Os banhos, o fogo, os incensos, os mantras são recursos para essa higiene do sutil. Antes de certos rituais, o homem tem que se submeter a um processo de assepsia. O Mantra é uma espécie de detergente interno para a remoção da escória acumulada pela vida afora, ou mesmo de outras encarnações.

A eficiência do Mantra não é uma questão de teoria. É um segredo que se revela ao coração do homem e que depende de cada um de nós comprovar. Seria de muita utilidade na clínica psicanalítica, o uso de mantras, tanto pelo terapeuta como pelo analisando, de acordo com a necessidade que a terapia apresentar.

Na Mitologia Hindu, cada deus possui seu mantra. Significa dizer que se queremos uma conexão com partes mais sublimes de nosso Inconsciente, podemos acessá-las usando os mantras correspondentes.

O Mantra atua tanto no próprio emissor como nos receptores que tiveram possibilidades de com ele entrar em ressonância. Mesmo aqueles que não ressoam, que não são autoconscientes, são beneficiados, assim como toda a coletividade.