Para o entendimento deste traço psíquico nos apoiamos,
principalmente, nas reflexões de Wilhelm Reich expressadas em seu livro
“Análise do Caráter”, Capítulo 11, valendo-nos de trechos do mesmo. Este livro
é uma ótima fonte de estudo sobre o funcionalismo da personalidade humana.
Antes de mais nada, vejamos dois conceitos globalmente
aceito sobre o significado do MASOQUISMO, que encontramos no dicionário do
Google:
a)
“atitude de uma pessoa que busca o sofrimento, a
humilhação, ou que neles se compraz”.
b)
“perversão caracterizada pela obtenção de prazer
sexual a partir de sofrimento ou humilhação a que o próprio indivíduo se
submete; algolagnia passiva”.
A palavra em si foi cunhada pela psiquiatra alemão Richard
Von Krafft-Ebing. A base para tal veio das cenas descritas no livro “A Vênus de
Peles” (1870), escrito pelo jornalista austríaco Leopold Von Sacher-Masoch. Na cena em questão, um dos personagens chega
ao orgasmo após ser surrado pelo amante de sua esposa.
Em tempo, frisamos que ambos os conceitos são limitados. São
poucas as pessoas masoquistas que desenvolvem uma perversão masoquista. Tampouco é adequado afirmar que o masoquista
busca o sofrimento, pois a base dos instintos, ou do ID, falando em linguagem
estritamente psicanalítica, é o princípio do prazer. Assim, uma análise mais acurada se fez
necessária e W. Reich buscou elucidar esta questão. Vejamos o que ele descobriu.
O masoquista vê como agradável o que a pessoa normal sente
como desagradável. Assim, o masoquista não busca o sofrimento, mas sente prazer
no sofrimento. Por aí, vemos que não dá para separar o masoquismo da sua
polaridade oposta, o sadismo.
A psicanálise entende que cada fase de desenvolvimento
psicossexual se caracteriza por uma forma correspondente de agressão sádica,
como segue:
1)
Sadismo oral: frustração da sucção. Impulso destrutivo: morder.
2)
Sadismo anal: frustração do prazer anal. Impulso
destrutivo: esmagar, pisar, bater.
3)
Sadismo fálico: frustração do prazer genital.
Impulso destrutivo: penetrar, perfurar.
O sadismo torna-se masoquismo quando se volta contra a
própria pessoa, ou seja, quando são inibidos pela frustração e pelo medo,
terminando em autodestruição.
O superego torna-se o agente da punição. O sentimento de
culpa resulta do conflito entre o impulso amoroso e o impulso destrutivo.
A angústia é um fenômeno do mesmo processo de excitação no
sistema vaso-vegetativo, advindo que, no sistema sensorial é percebido como
prazer. A angústia não é nada mais do que uma sensação de aperto, uma condição
de estase, medos (perigos imaginados) que se tornam emocionalmente carregados
quando ocorre essa estase específica.
O masoquismo, longe de buscar desprazer, demonstra forte
intolerância a tensões psíquicas e sofre uma superprodução de desprazer em
termos quantitativos, não encontrados em qualquer outra neurose.
Segundo Reich, um traço de caráter masoquista típico é um
sentimento subjetivo crônico de sofrimento que se manifesta objetivamente e se
distingue como uma tendência para se
queixar. Como traços adicionais, temos: tendências crônicas de infringir
dor a si próprio e de se autodepreciar (masoquismo moral) e uma intensa paixão
por atormentar os outros, com o que o masoquista não sofre menos que seu
objeto.
Uma pessoa não castiga
a si própria para aplacar ou subornar o superego, a fim de, então, desfrutar o
prazer livre de angústia. O masoquista chega à atividade agradável como qualquer
outra pessoa, mas o medo da punição interpõe-se. A autopunição masoquista é a
realização não do castigo temido, mas de um outro, substituto, mais suave.
Assim, representa um tipo de DEFESA contra o castigo e a angústia. A entrega
passiva-feminina à pessoa que castiga é típica do caráter masoquista.
O masoquista gosta particularmente de provocar os objetos
através dos quais sofreu desapontamentos. De início, esses objetos eram amados,
então houve um despontamento ou o amor exigido pela criança não foi
suficientemente satisfeito.
Qual o significado da exigência excessiva de amor? A
resposta está na predisposição à
angústia, sempre presente nos masoquistas.
Há uma correlação
direta entre a atitude masoquista e a exigência de amor, por um lado, e por outro,
a tensão desagradável e a predisposição à angústia.
Tal como se queixar representa
uma exigência de amor disfarçada e a provocação uma tentativa desesperada de
forçar o amor, a formação global masoquista representa uma tentativa malograda
de se livrar da angústia e do desprazer. Malograda porque, por mais que ele
tente, ele nunca se liberta da tensão interna que constantemente ameaça se
transformar em angústia.
O caráter masoquista procura conter a tensão interna e a
ameaça de angústia por um método inadequado, ou seja, atraindo amor através de
provocações e desafios.
Essa exigência de amor se baseia num medo de ser abandonado, experimentado intensamente bem no começo da
vida. O caráter masoquista não poder suportar ficar só, tal como não pode
suportar a possibilidade de perder uma relação de amor.
O caráter masoquista não pode suportar a perda de um objeto,
do mesmo modo que não poder despojá-lo de seu papel protetor. Não pode suportar a perda de contato.
Em todo masoquista, seja ele moral ou erógeno, encontramos
uma base especificamente erógena para esse sentimento.
O erotismo cutâneo
tem papel especial num masoquista. A pele assume esse papel de uma maneira
muito complicada e sinuosa apenas quando vários elementos de desapontamento
coincidem.
Só o medo de ser abandonado se baseia diretamente no medo
que surge quando se perde o contato de pele com a pessoa amada. A síndrome do
masoquista (que inclui a perversão) se relaciona com a pele: ser beliscado,
esfregado com escovas, chicoteado, amarrado, qualquer coisa que faça a pele
sangrar.
A intenção original não
é um desejo de dor. O objetivo de ser chicoteado não é de sofrer dor;
antes, a dor é suportada por causa da queimação. Fisiologicamente, a tensão
interna é determinada pela restrição do fluxo sanguíneo. Por outro lado, o
forte fluxo sanguíneo pela periferia do corpo ativa a tensão interna e, em
consequência, a base fisiológica da angústia.
Ser abandonado no mundo significa ter frio e ficar
desprotegido; isto é uma condição intolerável de tensão. A combinação especial de erotismo cutâneo,
aliado ao medo de ser abandonado, que procura resolução através de contato
corporal, é característica específica do masoquismo.
O caráter masoquista não pode tolerar elogios e tende para a
autodestruição e a auto-humilhação. Tende a sentir-se estúpido ou a agir como
estúpido.
Toda estrutura neurótica tem um distúrbio genital que, de
uma forma ou de outra, provoca a estase sexual e assim fornece à neurose sua
fonte de energia.
O caráter masoquista gera uma quantidade excessiva de
desprazer, e isso proporciona uma base real para seu sentimento de sofrimento.
O conflito entre o desejo sexual e o medo de punição é
central em toda neurose. Não há processo neurótico sem esse conflito.
Para a terapia do masoquismo é importante que o analista
penetre as barricadas de caráter do cliente, ajudando-o a superar a tendência de
fazer uso de seu sofrimento para provar que o terapeuta está errado. A
revelação de sua natureza sádica é o primeiro passo e o mais urgente – o sadismo
original subjacente – aquele que carrega a angústia de castração.
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