sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Câncer: Uma Abordagem Psicossomática (4)


REGRESSÃO E RELIGIÃO

Paralelamente àquilo que foi dito até agora, torna-se claro na regressão um outro motivo básico do adoecimento por câncer que, igualmente mergulhado nas sombras, é vivido de maneira substitutiva pelo corpo. Regressão é a volta aos inícios, à origem. Os afetados perderam o contato com sua origem primária, as células do tumor têm de viver o tema em si mesmas e o fazem corporalmente à sua maneira letal. A pessoa evidentemente precisa do relacionamento vivo com suas raízes, a re-ligio.

Mas isso não significa apenas o passo atrás, mas também uma retomada. Somente o passo atrás que se torna uma religação torna o progresso real possível. Essa aparente contradição é expressa também na imagem do câncer. Por um lado as células dão um passo atrás e retrocedem às primitivas formas juvenis e por outro, com a tendência à onipotência e à imortalidade, progridem furiosamente.

Tal contradição somente pode ser resolvida pelo sentido primário da religião. Religio quer dizer religação com a origem, com a unidade. Por outro lado, esta unidade chamada de Paraíso pela cristandade, é também o objetivo do caminho de desenvolvimento cristão. Segundo a Bíblia, os homens provêm do Paraíso e um dia devem voltar para lá. É o caminho que vai da unidade inconsciente para a unidade consciente. A expulsão do Paraíso é completada pelo retorno do filho pródigo à casa de seu pai. Podemos ver quão profundamente este padrão arquetípico está enraizado no ser humano pelo fato de a religião hindu descrever o caminho de maneira bastante análoga: “Daqui para aqui”. O antigo símbolo do uroboro, a srpente que morde a própria cauda, é a imagem mais oportuna deste padrão verdadeiramente abrangente. As religiões sempre descrevem o caminho rumo à iluminação, ou seja, rumo à imortalidade, como uma caminhada para a frente em direção à saída e o caminho como um movimento circular, ou seja, em espiral. Consideração e cuidado são igualmente necessários e visam o mesmo objetivo, a unidade.

Nos pacientes de câncer, a recuperação da consciência da origem com a pergunta “De onde venho”, assim como a perspectiva futura, com a pergunta “Para onde vou”, saíram da consciência para mergulhar nas sombras, passando a ser representadas corporalmente. O cuidado e consideração exagerados com que os afetados se mantêm nos estreitos limites da vizinhança e do futuro concretos mostram como eles se tornaram míopes para o significado direto das perguntas. Eles têm tanta consideração para com as outras pessoas, sua moral e suas regras de vida e vão ao encontro do amanhã e de tudo que é novo e distante com tanto cuidado, que não sobra espaço algum para as grandes questões do passado e do futuro. O processo cancerígeno, com sua regressão ao abismo e seu avanço desesperado, é um espelho tão terrível como fiel da situação.

O retorno consciente ao início, com suas possibilidades ilimitadas, e a busca de valores eternos, são caminhos totalmente válidos. O deslocamento para o inconsciente, ao contrário, leva à “doença como caminho”. E também esse caminho é sempre um caminho que, mesmo sendo terrível, traz em si a possibilidade de dar frutos. É algo assim como uma última sacudida para que se desperte para as próprias necessidades.

É aí que se encaixa a experiência psicoterapêutica de que frequentemente os pacientes de câncer são profundamente “arreligiosos”. E ainda que muitos perfis de personalidade pareçam contradizer isso e enfatizem a religiosidade e a devoção ao destino, trata-se na maioria das vezes daquela crendice de igreja que não tem nenhum ponto de contato com a religio, mas que deixa que a vida seja administrada e regulamentada pela autoridade eclesiástica. Aferrar-se a prescrições religiosas e na verdade o contrário da religio e deixa o coração frio e vazio. O que parece uma impressionante vida religiosa para o exterior, evidentemente pode ser oco no íntimo. A falta de vida no centro de uma atividade externa exagerada é representada anatomicamente por muitos tumores que têm seus centros necrosados (=partes mortas). De maneira semelhante, a devoção, a entrega ao destino descoberta pelos sociólogos da medicina não deve ser confundida com a postura religiosa do “Seja feita a Sua vontade!” Na maioria das vezes, trata-se de resignação em relação a um destino sentido como superior, mas que não se aceita. No mais profundo íntimo, a base da entrega não é a confiança na criação de Deus, mas sim o desespero e a impotência. Em vez de entregar-se à vida e às suas possibilidades, os pacientes potenciais de câncer estão entregues  a seus cuidados e considerações a curto prazo e a um medo fundamental da existência.
 
("A Doença Como Linguagem da Alma", Dr. Rudiger Dahlke)

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