quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Câncer: Uma Abordagem Psicossomática (3)


CÂNCER: UMA ABORDAGEM PSICOSSOMÁTICA (Anexo 3)

FASES DE DESENVOLVIMENTO DO SINTOMA

A imagem delineada até agora parece fazer justiça somente a uma pequena parte dos pacientes de câncer pois estes, de uma maneira geral, apresentam um padrão de comportamento que parece antes o contrário. Isso se deve a que o padrão reprimido do câncer quase sempre, por um lado, compensa, e por outro, descreve tais perfis de personalidade na época anterior ao surgimento do sintoma. Mas nesta fase o corpo também apresenta uma imagem muito diferente. É o estágio da excitação contínua, que os tecidos e suas células toleram sem reagir. Elas tentam se proteger e erguer barreiras na medida do possível para, através da imobilidade, sobreviver, ou seja, suportar a desagradável situação. Caso uma célula experimente rebelar-se contra a estimulação prolongada e tente seguir seu próprio caminho, degenerando, saindo da espécie, essa insurreição é imediatamente reprimida pelo sistema imunológico.

Neste padrão, que corresponde à primeira fase da doença, fica caracterizada a personalidade típica do câncer. São pessoas extremamente adaptadas que tentam viver da maneira mais despercebida possível, adequando-se às normas e mais incomodando alguém com as próprias exigências. Elas em grande medida ignoram os desafios para crescer espiritualmente e para o desenvolvimento anímico, já que de maneira alguma querem se expor. Sua vida é pouco estimulante em um duplo sentido: por um lado elas evitam, sempre que possível, experiências novas que poderiam movimentar sua vida, já que mal se atrevem a aproximar-se de suas fronteiras. Elas tratam de ignorar os poucos estímulos que rompem sua couraça defensiva. A repressão das possibilidades de experiências-limite reflete-se imperceptivelmente na interrupção da atividade defensiva do corpo, que mantém tudo seguramente sob controle. Experiências que ultrapassam os limites ou simplesmente alguma inofensiva pulada de cerca são sufocadas ainda em gérmen para, a qualquer preço, manter a situação costumeira como sempre.

O degrau seguinte da escalada mostra como esse preço pode ser alto: é quando a corrente de impulsos de crescimento estancada durante anos rompe o dique da repressão e goza descontroladamente a vida até o esgotamento. Após o rompimento do dique, não há nem volta nem parada. O corpo lança-se aquece outro extremo que até então tinha reprimido abnegadamente. Frequentemente o fenômeno da repressão mostra-se tanto na história anímica da vida como na história das doenças do corpo. Não é raro encontrar as chamadas anamneses vazias, ou seja, que o afetado não apresentava o menor sintoma anos e até décadas antes do surgimento do câncer. O que à primeira vista parece uma saúde imaculada, revela-se como rigorosa repressão a um olhar mais atento. Não somente os desvios anímicos da norma, os desvios corporais também foram totalmente reprimidos. Neste contexto, o psico-oncologista Wolf Buntig fala de “normopatia” quando o ater-se rígida e inflexivelmente às normas transforma-se em doença. O que poderia parecer como contenção simpática ou nobre, pode ser na verdade repressão de impulsos vitais e, em última instância, vida não vivida. Assim como a célula sob estimulação forte e constante faz tudo o que pode para continuar desempenhando seu dever como célula do intestino ou do pulmão, os pacientes também tentam perseverar no cumprimento satisfatório de seus deveres como filha, filho, mãe, pai, subordinado, etc., em detrimento de suas necessidades individuais. O próprio desenvolvimento deve ficar para trás, como acontece com a célula martirizada.

De maneira correspondente, a tendência fundamental dessa vida “não vivida” é também reprimida. Muitas vezes, o afetado não tem consciência de sua disposição depressiva latente, da mesma maneira como não é consciente da repressão das tentativas de insurreição do corpo. O meio ambiente não percebe nada, já que ele não mostra nenhuma inclinação a participar disso, demonstrando menos ainda qualquer disposição a realmente compartilhar a vida com outros. É somente quando o dique é rompido e a vida reprimida irrompe que a disposição de participar vem à língua de maneira livre e veemente.

Na fase do surgimento dos sintomas, os afetados já são de fato “pacientes”, eles são sofredores assombrosamente pacientes. Independentes em grande medida do meio que os cerca e em prol das boas relações de vizinhança, eles o tempo todo dão mostras de amigável consideração. Além disso, eles são pessoas confiáveis com quem se pode contar, embora estejam repelindo os impulsos de mudança ainda em gérmen. Em seu esforço para não incomodar e não ser um fardo para ninguém, não é difícil para os pacientes fazer amigos. Mas isso impede que se formem amizades profundas, já que eles não conhecem nem a si mesmos em sua individualidade e não podem nem mesmo mostrar-se realmente. Como eles não apóiam a si mesmos, parece fácil aos outros estar a seu lado. Então, quando no decorrer da doença aparecem traços de caráter mais profundos, porque eles começam a afirmar sua própria vida, não é fácil nem para os pacientes nem para o meio circundante aceitar essas facetas totalmente inesperadas. Os pacientes normopatas têm, frequentemente, a seu redor pessoas que estão em dívida para com eles. Como eles sempre se esforçaram para fazer tudo direito e deixaram para trás o próprio crescimento, pessoas com uma ressonância correspondente passam a estar agora a seu lado.

O comportamento social dos pacientes pode ser descrito exemplarmente a partir do componente social a que chamamos “maioria silenciosa”, à qual eles mesmos pertencem muitas vezes. Com razão eles se consideram pilares da sociedade. Entretanto, por trás dessa fachada de ordem modelar espreitam todas aquelas características contrárias que se tornam evidentes no nível substituto, no corpo, quando o segundo estágio do surgimento do câncer se instaura. O que jamais foi ventilado na consciência encontra agora seu palco, um palco onde acontecem sobretudo dramas, ou seja, “jogos de sombras”.

Os impulsos de mudança que foram repelidos ao longo dos anos se estendem pelo corpo sob a forma de mutações. Esquece-se o que se faz ou se deixa de fazer, agora a única coisa que interessa é a própria ego-trip. A perfeita adaptação social transforma-se em parasitismo egoísta que não respeita nem a tradição nem os direitos alheios. E se antes a pessoa não se permitiu uma única opinião própria, emerge agora das sombras a longamente reprimida pretensão de dar forma a todo o mundo (corpo) segundo a própria imagem. O organismo é saturado de filiae, as filhas portadoras da morte. A sementeira anímica retida por longo tempo emerge agora corporalmente em tempo recorde e mostra como era forte o desejo até então não vivido de auto-realização e de imposição dos próprios interesses.

A erupção do sintoma pode tornar visível uma grande parte das reivindicações reprimidas do ego, em contraste co m o comportamento do paciente. Quando esses componentes sombrios saem à superfície, é principalmente o meio circundante que fica admirado. Pessoas até então pacatas exigem repentinamente que tudo gire em torno delas e de sua “doença”. Tendo o diagnóstico como álibi, elas agora se atrevem a virar a mesa e deixar que os outros dancem segundo sua música. A contenção e, literalmente, o compasso podem agora ser atirados sobre a amurada para serem substituídos por sons totalmente novos. Pessoas idealmente adaptadas repentinamente saem da raia e pulam a cerca. Por mais desagradável que tal atitude possa ser para o meio circundante, há nisso uma grande oportunidade para o afetado. Caso a partir de agora os princípios de transformação, de auto-realização e de consecução passem a ser vividos no plano anímico-espiritual e se tornem visíveis no nível social, o plano corporal é aliviado. Entretanto, muitos pacientes foram tão longe no papel de cumpridor das normas que chegam a manter o papel de mártir mesmo em face da morte. Sem o alívio do plano anímico, o princípio do ego permanece voltado exclusivamente para o palco do corpo. As chances de acabar com o câncer são muito melhores quando toda a pessoa admite o confronto e não envia unicamente o corpo como seu representante na batalha. Para acabar realmente com algo, é necessário primeiro admiti-lo.

Após a primeira fase de contenção e a subseqüente erupção do câncer, fase que muitas vezes dura décadas, confronta o paciente a última etapa, da caquexia, com um terceiro padrão. O corpo se entrega à devoração de suas energias pelo câncer. No sentido mais verdadeiro da palavra, ele se deixa devorar sem oferecer resistência. A devoção e a entrega ao curso do destino são vividos substitutivamente pelo corpo. Ao final, todo paciente vivencia este tema: conscientemente, quando consegue trazer a temática de volta ao nível espiritual, ou inconscientemente caso o corpo seja abandonado em sua atitude de entrega e o paciente continue lutando contra o inevitável. Parece haver aqui uma contradição, já que imputamos ao afetado o fato de ele não lutar o suficiente, deixando-se conduzir pela vontade dos outros. Neste ponto há um encontro de dois planos, dos quais nos ocuparemos no próximo capítulo. Por um lado, o paciente de fato luta muito pouco, por outro lado ele luta em demasia. Em relação ao seu ambiente, que o degrada a determinadas funções, ele decididamente luta pouco. Para isso ele se defende tanto mais de suas tarefas vitais, se caminho e seu destino. Ele poderia abandonar essa resistência com toda a confiança. Em qualquer caso, seu sintoma o força a isso, pois tanto vencendo o câncer como sendo vencido por ele, a fase de rendição ocorrerá.
(extraído do livro "A Doença Como Linguagem da Alma", do Dr. Rudiger Dahlke)
 

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