quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Vínculos Tantalizantes



VINCULOS TANTALIZANTES

Gostaria de abordar um tema muito interessante e atual, mais comum do que possamos imaginar: vínculos tantalizantes.

Encontramos, na Mitologia Grega, o personagem que deu nome e sentido a este tipo de vínculo: Tântalo.

Conta a lenda que Tântalo roubou os manjares dos deuses do Olimpo e, por isso, Zeus o condenou a, eternamente, passar fome e sede. Ele ficava acorrentado num lugar paradisíaco, dentro de um lago, cujas águas subiam até quase alcançarem sua boca, detendo-se neste ponto. Assim, ele nunca conseguia matar a sede. Também se aproximavam deliciosos frutos, que se afastavam quando parecia que ia finalmente conseguir comê-los. E assim seguia em sua tortura, num ciclo interminável de expectativas e decepções.

No dicionário, quando procuramos pelo termo “tantalizante”, encontramos: “aquele que tantaliza, isto é, que atormenta com alguma coisa que, apresentada à vista, excita o desejo de possuí-la, frustrando-se este desejo continuamente por se manter o objeto fora de alcance, à maneira do suplício de Tântalo”.

Assim, o vínculo tantalizante se caracteriza por uma relação de domínio, apoderação e sedução.  

As mulheres, estatisticamente, são as maiores vítimas de tal vínculo. Envolvem-se com homens que “amam acima de tudo”, mas que as enganam com promessas que nunca cumprem. Pode se tratar de homens casados que afirmam ter um casamento ruim e que vão se separar para ficar com elas, mas esse dia nunca chega. Assim, sua condição de excluída vai se tornando crônica. Em outras situações, tais homens dizem não conseguir amar ninguém, e que elas merecem alguém melhor, etc... As desculpas são as mais variadas, mas carregadas de promessas, mantendo a outra pessoa sob domínio. Não atam nem desatam. Se percebem que a pessoa está tentando se libertar, correm para envolve-las em seus laços, alimentando expectativas e ilusões. É claro que este tipo de vínculo também está presente em casais legalizados, em casamentos constituídos.

As pessoas à volta não conseguem entender o porquê de tanta dependência afetiva. Muitas vezes, a vítima é uma pessoa inteligente, bem sucedida em outras esferas da vida, mas que perde totalmente o bom senso quando perto, ou longe, desse “grande amor”.

É evidente, à primeira vista, a presença de uma boa dose de sado-masoquismo nessa relação. O que não é tão claro, mas é uma realidade, é que, os traços de sadismo e masoquismo estão dentro do casal, dentro de cada um, alternando-se de acordo com as circunstâncias. Todo sádico tem um lado masoquista e todo masoquista tem um lado sádico. Um projeta no outro o tempo todo, se complementam, o que torna a separação mais difícil.

Vejamos, com base na experiência de David  Zimerman, notável psiquiatra/psicanalista, os fundamentos deste tipo patológico de relacionamento:

Domínio:  violência à liberdade do outro, através da apropriação indébita dos “bens afetivos” deste.  Isto se dá pela captura do desejo do outro, quebrantando de modo perverso a autonomia do parceiro, chegando, em casos extremos, à violência física. Pela característica sado-masoquista anteriormente citada, conclui-se que há um conluio inconsciente entre os dois, apesar de apenas um deles manifestar o traço tirânico. O meio regularmente usado pelo dominador é a sedução.

Apoderação: indica posse total do corpo e da psique do outro. A origem dessa conduta pode estar numa infância extrema e precocemente carente, onde o indivíduo vê na posse uma garantia de poder, um tipo de seguro contra o desamparo. Torna-se, então, um sujeito perversamente autoritário. Segundo Zimerman, a apoderação tem suas raízes nas fases pré-genitais, principalmente as ligadas ao narcisismo, onde ainda não há uma diferenciação entre o eu e o outro; e também nas pulsões sádico-anais: impulsos de poder e tomada de posse,  incorporação, retenção, controle onipotente, triunfo, desprezo e destruição do objeto dominado.

Sedução: aqui o sedutor usa de variados recursos, nem sempre éticos, para conquistar o afeto do outro, para depois desprezá-lo e abandoná-lo. Faz promessas que não tem intenção de cumprir, num círculo vicioso de sucessivas decepções e renovadas ilusões. Zimerman diz que isso acontece porque o sedutor funciona como o alter-ego do seduzido, despertando desejos que já eram próprios deste.

Estes traços funcionam conjuntamente, no vínculo tantalizante, ora ressaltando um, ora outro, com a respectiva presença das facetas narcisistas, a da tirania obsessivo-sádica e a perversa.

Para terminar, cito Zimerman, diretamente, em sua primorosa obra “Manual de Técnica Psicanalítica”, p. 338:

“O que deve restar claro é que a denominação de vínculo tantalizante apenas fica justificada nos casos em que predomina nitidamente uma relação amorosa com características de uma situação de aprisionamento que tende à cronificação, nos mesmos moldes de alguma outra forma de adição, consistente em um continuado jogo perverso de acenos e promessas de um dar, seguidos de um retirar, com periódicos términos e reaproximações que recarregam as pilhas desse amor patológico. Também deve ficar claro que, nesses casos, não cabe exatamente rotular de bandido um dos participantes do par amoroso, e o outro, de vítima, porquanto o que está realmente doente é a relação, o vínculo sado-masoquista, que, na imensa maioria das vezes, tem uma origem muito antiga, pré-genital, uma representação de uma criancinha mendigando para a mãe tantalizante provas de que é amada pela mãe, que não vai ficar repudiada, desamada, desamparada e abandonada em uma solidão para sempre”.

“Por guardar raízes tão primitivas e organizadas, está justificada para as pessoas que querem sair dessa adição doentia a indicação prioritária para um tratamento psicanalítico – individual ou de casal – o qual, quando bem conduzido, quase certamente terá um curso com períodos bastante penosos, tendo em vista que não há nada que provoque mais sofrimento do que a renúncia ao mundo das ilusões narcisistas”.

 

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