Gostaria de abordar um tema muito interessante e atual, mais
comum do que possamos imaginar: vínculos
tantalizantes.
Encontramos, na Mitologia Grega, o personagem que deu nome e
sentido a este tipo de vínculo: Tântalo.
Conta a lenda que Tântalo roubou os manjares dos deuses do
Olimpo e, por isso, Zeus o condenou a, eternamente, passar fome e sede. Ele
ficava acorrentado num lugar paradisíaco, dentro de um lago, cujas águas subiam
até quase alcançarem sua boca, detendo-se neste ponto. Assim, ele nunca
conseguia matar a sede. Também se aproximavam deliciosos frutos, que se
afastavam quando parecia que ia finalmente conseguir comê-los. E assim seguia
em sua tortura, num ciclo interminável de expectativas e decepções.
No dicionário, quando procuramos pelo termo “tantalizante”,
encontramos: “aquele que tantaliza, isto é, que atormenta com alguma coisa que,
apresentada à vista, excita o desejo de possuí-la, frustrando-se este desejo
continuamente por se manter o objeto fora de alcance, à maneira do suplício de
Tântalo”.
Assim, o vínculo tantalizante se caracteriza por uma relação
de domínio, apoderação e sedução.
As mulheres, estatisticamente, são as maiores vítimas de tal
vínculo. Envolvem-se com homens que “amam acima de tudo”, mas que as enganam
com promessas que nunca cumprem. Pode se tratar de homens casados que afirmam
ter um casamento ruim e que vão se separar para ficar com elas, mas esse dia
nunca chega. Assim, sua condição de excluída vai se tornando crônica. Em outras
situações, tais homens dizem não conseguir amar ninguém, e que elas merecem
alguém melhor, etc... As desculpas são as mais variadas, mas carregadas de promessas,
mantendo a outra pessoa sob domínio. Não atam nem desatam. Se percebem que a pessoa
está tentando se libertar, correm para envolve-las em seus laços, alimentando
expectativas e ilusões. É claro que este tipo de vínculo também está presente
em casais legalizados, em casamentos constituídos.
As pessoas à volta não conseguem entender o porquê de tanta
dependência afetiva. Muitas vezes, a vítima é uma pessoa inteligente, bem
sucedida em outras esferas da vida, mas que perde totalmente o bom senso quando
perto, ou longe, desse “grande amor”.
É evidente, à primeira vista, a presença de uma boa dose de
sado-masoquismo nessa relação. O que não é tão claro, mas é uma realidade, é
que, os traços de sadismo e masoquismo estão dentro do casal, dentro de cada um,
alternando-se de acordo com as circunstâncias. Todo sádico tem um lado
masoquista e todo masoquista tem um lado sádico. Um projeta no outro o tempo
todo, se complementam, o que torna a separação mais difícil.
Vejamos, com base na experiência de David Zimerman, notável psiquiatra/psicanalista, os
fundamentos deste tipo patológico de relacionamento:
Domínio: violência à
liberdade do outro, através da apropriação indébita dos “bens afetivos”
deste. Isto se dá pela captura do desejo
do outro, quebrantando de modo perverso a autonomia do parceiro, chegando, em
casos extremos, à violência física. Pela característica sado-masoquista
anteriormente citada, conclui-se que há um conluio inconsciente entre os dois,
apesar de apenas um deles manifestar o traço tirânico. O meio regularmente
usado pelo dominador é a sedução.
Apoderação: indica posse total do corpo e da psique do
outro. A origem dessa conduta pode estar numa infância extrema e precocemente
carente, onde o indivíduo vê na posse uma garantia de poder, um tipo de seguro
contra o desamparo. Torna-se, então, um sujeito perversamente autoritário.
Segundo Zimerman, a apoderação tem suas raízes nas fases pré-genitais,
principalmente as ligadas ao narcisismo, onde ainda não há uma diferenciação
entre o eu e o outro; e também nas pulsões sádico-anais: impulsos de poder e
tomada de posse, incorporação, retenção,
controle onipotente, triunfo, desprezo e destruição do objeto dominado.
Sedução: aqui o sedutor usa de variados recursos, nem sempre
éticos, para conquistar o afeto do outro, para depois desprezá-lo e abandoná-lo.
Faz promessas que não tem intenção de cumprir, num círculo vicioso de
sucessivas decepções e renovadas ilusões. Zimerman diz que isso acontece porque
o sedutor funciona como o alter-ego do seduzido, despertando desejos que já
eram próprios deste.
Estes traços funcionam conjuntamente, no vínculo
tantalizante, ora ressaltando um, ora outro, com a respectiva presença das
facetas narcisistas, a da tirania obsessivo-sádica e a perversa.
Para terminar, cito Zimerman, diretamente, em sua primorosa
obra “Manual de Técnica Psicanalítica”, p. 338:
“O que deve restar claro é que a denominação de vínculo
tantalizante apenas fica justificada nos casos em que predomina nitidamente uma
relação amorosa com características de uma situação de aprisionamento que tende
à cronificação, nos mesmos moldes de alguma outra forma de adição, consistente
em um continuado jogo perverso de acenos e promessas de um dar, seguidos de um
retirar, com periódicos términos e reaproximações que recarregam as pilhas
desse amor patológico. Também deve ficar claro que, nesses casos, não cabe
exatamente rotular de bandido um dos participantes do par amoroso, e o outro,
de vítima, porquanto o que está realmente doente é a relação, o vínculo
sado-masoquista, que, na imensa maioria das vezes, tem uma origem muito antiga,
pré-genital, uma representação de uma criancinha mendigando para a mãe
tantalizante provas de que é amada pela mãe, que não vai ficar repudiada,
desamada, desamparada e abandonada em uma solidão para sempre”.
“Por guardar raízes tão primitivas e organizadas, está
justificada para as pessoas que querem sair dessa adição doentia a indicação
prioritária para um tratamento psicanalítico – individual ou de casal – o qual,
quando bem conduzido, quase certamente terá um curso com períodos bastante
penosos, tendo em vista que não há nada que provoque mais sofrimento do que a
renúncia ao mundo das ilusões narcisistas”.
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