CÂNCER: UMA ABORDAGEM PSICOSSOMÁTICA (Anexo 9)
PRINCÍPIOS TERAPÊUTICOS
A melhor terapia começa cedo, com a compreensão de que o
quadro de normopatia já é um sintoma, ainda que se aproxime do ideal de nossa
época. Ao contrário, daí se conclui que esta época sonha um sonho que fomenta o caráter. Os
agentes cancerígenos descobertos diariamente, quando comparados a este
conhecimento, são inofensivos. Quando se começa a caminhar em direção à
individuação já nesses primeiros estágios, poder-se-ia usar de fato a palavra
prevenção sem deturpá-la com o sentido usual de diagnóstico precoce. Nesta
etapa, ainda seria possível dar os passos necessários sem demasiada pressão.
Quando o diagnóstico já constatou a doença, a pressão é monstruosa. Mas ela
pode não apenas oprimir, pode também dar coragem e promover o desenvolvimento.
Entretanto, muitos pacientes vivenciam a enunciação do diagnóstico “câncer”
como se fosse a decretação de uma sentença de morte. Seu caminho de volta está
então na resignação, eles por assim dizer não subscrevem mais esta vida. Alguns
falam até mesmo de um certo alívio, pois com isso todas as responsabilidades
lhe são retiradas. Outros pacientes tomam o desafio segundo o lema “começar a
fazer as coisas certa”. O diagnóstico atua para eles como a iniciação para uma
nova etapa da vida que deve transcorrer de acordo com outras leis. Aquilo que
para o primeiro grupo é o fim de tudo, para eles é o começo. E não é raro que
aí esteja o princípio de uma nova vida. Segundo a experiência da própria
medicina acadêmica, o prognóstico médico exerce muito menos influência sobre a
expectativa de vida que a atitude interna. Trata-se decididamente de saber se os afetados ainda esperam algo da
vida, pois quando esse é o caso eles também esperam um pouco mais. Ao cumprir
seus 12 trabalhos, que correspondem às tarefas arquetípicas do zodíaco,
Hércules é mordido por um terrível caranguejo quando está lutando contra a
Hidra. Em vez de recuar assustado, ele luta e o aniquila antes de vencer a
Hidra.
Após a constatação do diagnóstico, é preciso recortar tantos
passos quanto for possível do âmbito das sombras. Aquilo que é sempre mantido e
vivenciado na consciência não precisa ser representado no palco do corpo. Um
pressuposto para isso é olhar honestamente para a própria situação até chegar à
compreensão de que nada acontece por acaso, mas que tudo faz sentido, mesmo em
um sintoma tão horrível. O desespero que o diagnóstico “câncer” libera somente
pode ser vivenciado com base nesse fundamento. Por duro que isso possa soar,
trata-se de algo essencial para que se possa dar outros passos. Uma medicina
que oculta o diagnóstico do paciente e lhe mente “para seu próprio bem” pode
parecer mais humana. Por outro lado, ela bloqueia todas as chances de
desenvolvimento que ainda possam existir.
Entre as possibilidades de retirar do corpo o que na verdade
é tarefa da alma, está todo o espectro de imagens às quais o câncer força o organismo,
desde saltar a cerca até a agressão mais selvagem, passando pelo crescimento
vital. Trata-se de trocar a posição morna pelas alturas e profundezas da
própria vida. Toda a criatividade desenfreada que se expressa no acontecimento
cancerígeno deve ser levada para o espaço vital consciente, do âmbito corporal
para o âmbito anímico-espiritual. As mutações estão à espera, e requerem
coragem. Elas têm mais sentido em qualquer outro lugar que não seja o corpo.
Enquanto a evolução biológica ocorreu através de mutações corporais, a evolução
individual deve ser levada por um caminho de transformações
anímico-espirituais. Assim como a célula do câncer faz algo de si mesma, os
pacientes devem fazer algo de suas vidas. E é preciso que seja algo próprio –
que se aproxime das pretensões autárquicas do câncer. O próprio paciente deve
viver e fertilidade das células cancerígenas. Em tudo isso, mostra-se
consideração pelas próprias raízes – talvez seja literalmente necessário
renunciar à função altamente especializada que se assumiu na sociedade, na
firma ou na família, para voltar a se tornar um ser humano com necessidades
próprias e idéias malucas.
Todos os pacientes que, por uma vez ainda, viraram a página,
contam que suas vidas mudaram radicalmente através da doença. Em vez do
consentimento dos outros, passa a haver auto-afirmação, em lugar de submissão
do subalterno, a rebelião declarada. Com os pacientes socialmente
bem-sucedidos, pode acontecer que a ego-trip vivida mas não vista pelo próprio
paciente tenha de ser integrada à consciência. Constata-se que há outra coisa
muito mais essencial.
Os critérios apresentados, de maneira bastante análoga, são
válidos também para as terapias dirigidas ao corpo, dos exercícios
bioenergéticos que mobilizam a energia vital às injeções. Sempre que as
terapias assumem os princípios que o câncer vive de fato, suas chances aumentam
consideravelmente. Assim, a medicina antroposófica, por exemplo, utiliza o
visco para colocar em jogo uma excrescência que corresponde parcialmente ao crescimento
do tumor. Além disso, as injeções levam a uma estimulação do organismo que o
incita à luta. O já mencionado tipo de psicoterapia praticado por Simonton
também se encaixa aqui, se bem que ela mata dois coelhos com uma só cajadada,
já que leva os pacientes a vivenciar suas agressões e com isso, ao mesmo tempo,
mina o terreno do tumor. Entretanto, ao lutar contras as células cancerígenas é
preciso ter cuidado para que a luta contras as células cancerígenas não se
transforme em uma luta contra o próprio destino. Antes de cada cura há uma
etapa, necessária, de aceitação; brigar com o destino leva à direção contrária.
Em última instância, trata-se de dar uma ajuda à vitalidade
e à criatividade do paciente, e não mais ou menos soterrá-la através de “aço,
raios e química”. Quando, ainda assim, essas coisas devam ser usadas, façam
sentido ou não, tais medidas deveriam ser consideradas unicamente um ganho de
tempo pelo qual se paga muito caro, sendo as medidas que aumentam a vitalidade
introduzida ao mesmo tempo e, principalmente, depois. Métodos como o de
Simonton, por exemplo, são também ótimos subsídios para apoiar uma
quimioterapia ou uma radioterapia. De qualquer maneira, o contrário não é
verdadeiro. A respiração é um ponto essencial. Respiração é comunicação e esta,
no câncer, foi atirada para um plano primitivo e radical. Até este ponto, uma
terapia respiratória radical é uma boa possibilidade, tanto mais que a cada
sessão o corpo é inundado de oxigênio. Isso já se tornou um método de
tratamento do câncer adotado pela medicina alternativa. Além disso, em muitos
pacientes de câncer a respiração, sendo uma expressão do fluxo da vida, está
limitada e prejudicada. Há na crescente liberação da respiração uma grande
oportunidade de voltar a abrir-se para o fluxo da vida.
A mutação no nível celular encontra correspondência na
metamorfose do nível anímico-espiritual. Encontra-se neste caminho tudo o que
reforça a relação com a religio e que permite o acesso dos afetados a seus
níveis mais profundos. Após toda a necessária rebelião contra seu oportunista
jogo social, tendo encontrado seus verdadeiros lugares e tendo-os assumido de
corpo e alma eles, em qualquer caso, venderam. Isso então significa novamente o
fim de todas as tentativas de ser algo especial, o fim de todo o egoísmo. Eles
reconhecem que estão no lugar certo e que são um com tudo. Isso seria também a dis(solução)
para a célula cancerígena:não assumir seu lugar com resignação e por falta de
alternativas, mas assumi-lo conscientemente e reconhecer sua unidade com todo o
corpo.
Psicoterapias reveladoras podem ser de valor decisivo nesse
caminho, desde que envolvam os níveis do corpo e dos sentimentos e não se
limitem aos “pensamentos da cabeça”. A grande oportunidade está em decifrar o
padrão de vida no qual o câncer tornou-se necessário. A outra é uma questão de
humildade e de clemência. Pois o amor que tudo abrange, sendo a chave da
imortalidade, não pode ser comprovado e nem mesmo ser de fato utilizado
terapeuticamente. Pode-se unicamente preparar alguém para que esteja alerta
quando isso lhe aconteça. Em todas as épocas alguns pacientes de câncer
aproveitaram a possibilidade oferecida pelo fato de estarem mortalmente doentes
para abrir-se para esse grande passo. Embora também tenham começado como
normopatas eles, sob a pressão de seu sintoma, transformaram-se em seres
humanos que impressionavam os outros unicamente com sua presença.
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Todos esses textos sobre a ánalise psicossomática do câncer,
temos publicado nas últimas semanas,foram retirados do livro “A Doença Como
Linguagem da Alma”, de Rudiger Dahlke.
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