sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Câncer: Uma Abordagem Psicossomática (9)


CÂNCER: UMA ABORDAGEM PSICOSSOMÁTICA (Anexo 9)

PRINCÍPIOS TERAPÊUTICOS

A melhor terapia começa cedo, com a compreensão de que o quadro de normopatia já é um sintoma, ainda que se aproxime do ideal de nossa época. Ao contrário, daí se conclui que esta época  sonha um sonho que fomenta o caráter. Os agentes cancerígenos descobertos diariamente, quando comparados a este conhecimento, são inofensivos. Quando se começa a caminhar em direção à individuação já nesses primeiros estágios, poder-se-ia usar de fato a palavra prevenção sem deturpá-la com o sentido usual de diagnóstico precoce. Nesta etapa, ainda seria possível dar os passos necessários sem demasiada pressão. Quando o diagnóstico já constatou a doença, a pressão é monstruosa. Mas ela pode não apenas oprimir, pode também dar coragem e promover o desenvolvimento. Entretanto, muitos pacientes vivenciam a enunciação do diagnóstico “câncer” como se fosse a decretação de uma sentença de morte. Seu caminho de volta está então na resignação, eles por assim dizer não subscrevem mais esta vida. Alguns falam até mesmo de um certo alívio, pois com isso todas as responsabilidades lhe são retiradas. Outros pacientes tomam o desafio segundo o lema “começar a fazer as coisas certa”. O diagnóstico atua para eles como a iniciação para uma nova etapa da vida que deve transcorrer de acordo com outras leis. Aquilo que para o primeiro grupo é o fim de tudo, para eles é o começo. E não é raro que aí esteja o princípio de uma nova vida. Segundo a experiência da própria medicina acadêmica, o prognóstico médico exerce muito menos influência sobre a expectativa de vida que a atitude interna. Trata-se decididamente  de saber se os afetados ainda esperam algo da vida, pois quando esse é o caso eles também esperam um pouco mais. Ao cumprir seus 12 trabalhos, que correspondem às tarefas arquetípicas do zodíaco, Hércules é mordido por um terrível caranguejo quando está lutando contra a Hidra. Em vez de recuar assustado, ele luta e o aniquila antes de vencer a Hidra.

Após a constatação do diagnóstico, é preciso recortar tantos passos quanto for possível do âmbito das sombras. Aquilo que é sempre mantido e vivenciado na consciência não precisa ser representado no palco do corpo. Um pressuposto para isso é olhar honestamente para a própria situação até chegar à compreensão de que nada acontece por acaso, mas que tudo faz sentido, mesmo em um sintoma tão horrível. O desespero que o diagnóstico “câncer” libera somente pode ser vivenciado com base nesse fundamento. Por duro que isso possa soar, trata-se de algo essencial para que se possa dar outros passos. Uma medicina que oculta o diagnóstico do paciente e lhe mente “para seu próprio bem” pode parecer mais humana. Por outro lado, ela bloqueia todas as chances de desenvolvimento que ainda possam existir.

Entre as possibilidades de retirar do corpo o que na verdade é tarefa da alma, está todo o espectro de imagens às quais o câncer força o organismo, desde saltar a cerca até a agressão mais selvagem, passando pelo crescimento vital. Trata-se de trocar a posição morna pelas alturas e profundezas da própria vida. Toda a criatividade desenfreada que se expressa no acontecimento cancerígeno deve ser levada para o espaço vital consciente, do âmbito corporal para o âmbito anímico-espiritual. As mutações estão à espera, e requerem coragem. Elas têm mais sentido em qualquer outro lugar que não seja o corpo. Enquanto a evolução biológica ocorreu através de mutações corporais, a evolução individual deve ser levada por um caminho de transformações anímico-espirituais. Assim como a célula do câncer faz algo de si mesma, os pacientes devem fazer algo de suas vidas. E é preciso que seja algo próprio – que se aproxime das pretensões autárquicas do câncer. O próprio paciente deve viver e fertilidade das células cancerígenas. Em tudo isso, mostra-se consideração pelas próprias raízes – talvez seja literalmente necessário renunciar à função altamente especializada que se assumiu na sociedade, na firma ou na família, para voltar a se tornar um ser humano com necessidades próprias e idéias malucas.

Todos os pacientes que, por uma vez ainda, viraram a página, contam que suas vidas mudaram radicalmente através da doença. Em vez do consentimento dos outros, passa a haver auto-afirmação, em lugar de submissão do subalterno, a rebelião declarada. Com os pacientes socialmente bem-sucedidos, pode acontecer que a ego-trip vivida mas não vista pelo próprio paciente tenha de ser integrada à consciência. Constata-se que há outra coisa muito mais essencial.

Os critérios apresentados, de maneira bastante análoga, são válidos também para as terapias dirigidas ao corpo, dos exercícios bioenergéticos que mobilizam a energia vital às injeções. Sempre que as terapias assumem os princípios que o câncer vive de fato, suas chances aumentam consideravelmente. Assim, a medicina antroposófica, por exemplo, utiliza o visco para colocar em jogo uma excrescência que corresponde parcialmente ao crescimento do tumor. Além disso, as injeções levam a uma estimulação do organismo que o incita à luta. O já mencionado tipo de psicoterapia praticado por Simonton também se encaixa aqui, se bem que ela mata dois coelhos com uma só cajadada, já que leva os pacientes a vivenciar suas agressões e com isso, ao mesmo tempo, mina o terreno do tumor. Entretanto, ao lutar contras as células cancerígenas é preciso ter cuidado para que a luta contras as células cancerígenas não se transforme em uma luta contra o próprio destino. Antes de cada cura há uma etapa, necessária, de aceitação; brigar com o destino leva à direção contrária.

Em última instância, trata-se de dar uma ajuda à vitalidade e à criatividade do paciente, e não mais ou menos soterrá-la através de “aço, raios e química”. Quando, ainda assim, essas coisas devam ser usadas, façam sentido ou não, tais medidas deveriam ser consideradas unicamente um ganho de tempo pelo qual se paga muito caro, sendo as medidas que aumentam a vitalidade introduzida ao mesmo tempo e, principalmente, depois. Métodos como o de Simonton, por exemplo, são também ótimos subsídios para apoiar uma quimioterapia ou uma radioterapia. De qualquer maneira, o contrário não é verdadeiro. A respiração é um ponto essencial. Respiração é comunicação e esta, no câncer, foi atirada para um plano primitivo e radical. Até este ponto, uma terapia respiratória radical é uma boa possibilidade, tanto mais que a cada sessão o corpo é inundado de oxigênio. Isso já se tornou um método de tratamento do câncer adotado pela medicina alternativa. Além disso, em muitos pacientes de câncer a respiração, sendo uma expressão do fluxo da vida, está limitada e prejudicada. Há na crescente liberação da respiração uma grande oportunidade de voltar a abrir-se para o fluxo da vida.

A mutação no nível celular encontra correspondência na metamorfose do nível anímico-espiritual. Encontra-se neste caminho tudo o que reforça a relação com a religio e que permite o acesso dos afetados a seus níveis mais profundos. Após toda a necessária rebelião contra seu oportunista jogo social, tendo encontrado seus verdadeiros lugares e tendo-os assumido de corpo e alma eles, em qualquer caso, venderam. Isso então significa novamente o fim de todas as tentativas de ser algo especial, o fim de todo o egoísmo. Eles reconhecem que estão no lugar certo e que são um com tudo. Isso seria também a dis(solução) para a célula cancerígena:não assumir seu lugar com resignação e por falta de alternativas, mas assumi-lo conscientemente e reconhecer sua unidade com todo o corpo.

Psicoterapias reveladoras podem ser de valor decisivo nesse caminho, desde que envolvam os níveis do corpo e dos sentimentos e não se limitem aos “pensamentos da cabeça”. A grande oportunidade está em decifrar o padrão de vida no qual o câncer tornou-se necessário. A outra é uma questão de humildade e de clemência. Pois o amor que tudo abrange, sendo a chave da imortalidade, não pode ser comprovado e nem mesmo ser de fato utilizado terapeuticamente. Pode-se unicamente preparar alguém para que esteja alerta quando isso lhe aconteça. Em todas as épocas alguns pacientes de câncer aproveitaram a possibilidade oferecida pelo fato de estarem mortalmente doentes para abrir-se para esse grande passo. Embora também tenham começado como normopatas eles, sob a pressão de seu sintoma, transformaram-se em seres humanos que impressionavam os outros unicamente com sua presença.

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Todos esses textos sobre a ánalise psicossomática do câncer, temos publicado nas últimas semanas,foram retirados do livro “A Doença Como Linguagem da Alma”, de Rudiger Dahlke.

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