O CORPO DE DOR (anexo 5)
O INDIVIDUAL E O COLETIVO
Toda emoção negativa que não é plenamente enfrentada nem
considerada pelo que ela é no momento em que se manifesta não se dissipa por
inteiro. Deixa atrás de si um traço remanescente de dor.
Para as crianças, em especial, as emoções negativas muito
fortes são tão insuortáveis que elas não conseguem enfrentá-las, por isso
tendem a evitá-las. Na ausência de um adulto
consciente que as oriente com amor e sensibilidade a lidar de forma
direta com esse tipo de emoção, a decisão de não sentir, é, na verdade, a única
opção da criança naquele momento. Infelizmente, em geral, esse mecanismo básico
de defesa continua a vigorar até a vida adulta. A emoção sobrevive sem que a
pessoa perceba e manifesta-se de maneira indireta – por exemplo, como
ansiedade, raiva, explosões violentas, mau humor ou até mesmo como uma doença. Em alguns
casos, ela interfere em todos os relacionamentos íntimos, podendo até mesmo
sabotá-los. A maioria dos psicoterapeutas tem pacientes que, no início, afirmam
ter vivido uma infância feliz, mas, com o tempo, o oposto acaba se revelando.
Embora esses exemplos possam ser extremos, ninguém passa pela infância sem
experimentar algum tipo de sofrimento emocional. Mesmo que nossos pais vivessem
de modo consciente, teríamos sido criados num mundo que, em grande parte,
permanece inconsciente.
As sobras de dor deixadas para trás a cada forte emoção
negativa que não é enfrentada, aceita e depois abandonada de forma plena
juntam-se formando um campo energético que vive em cada uma das células do
corpo. Elas incluem não só os sofrimentos da infância como as emoções dolorosas
que se agregam a eles depois, na adolescência e durante a vida adulta – essas
dores, em grande parte, são criadas pela voz do ego. É o sofrimento emocional
que passa a ser o nosso companheiro inevitável quando uma falsa sensação do eu
é a base da nossa vida.
Esse campo energético de emoções muito antigas, mas ainda
vivas, que subsiste em quase todos os seres humanos é o corpo de dor.
O corpo de dor, porém, não tem uma natureza apenas
individual. Ele também engloba o sofrimento experimentado por um número
incontável de pessoas ao longo da história da humanidade. Essa dor se
caracteriza por um conflito tribal ininterrupto, escravidão, pilhagem,
seqüestros, torturas e outras formas de violência. Tal sofrimento ainda vive na
psique coletiva e é aumentado todos os dias, como podemos constatar quando
assistimos aos noticiários ou presenciamos os conflitos nos relacionamentos
entre as pessoas. O corpo de dor coletivo é provavelmente codificado dentro do
DNA de cada ser humano, embora não o tenhamos descoberto ainda.
Todo recém-nascido traz um corpo de dor emocional. No caso
de alguns bebês, ele é mais pesado e mais denso do que em outros. Algumas
dessas crianças são muito felizes na maior parte do tempo, enquanto outras
parecem carregar uma imensa quantidade de infelicidade dentro de si. É verdade
que há bebês que choram demais porque não recebem amor e atenção suficientes,
porém outros choram sem nenhuma razão aparente, quase como se estivessem
tentando tornar todos ao redor tão infelizes quanto eles próprios – e
geralmente conseguem. Eles chegam a este mundo com uma porção significativa de
sofrimento humano. Existem ainda os recém-nascidos que choram com freqüência
porque sentem a emanação das emoções negativas do pai ou da mãe, e isso lhes
causa sofrimento e também faz seu corpo de dor aumentar pela absorção da
energia dos corpos de dor dos pais. Seja qual for o caso, à medida que o corpo
físico do bebê cresce, o mesmo acontece com o corpo de dor.
Uma criança pequena que tem um corpo de dor leve não será
necessariamente um adulto “mais
avançado” em termos espirituais do que alguém com um corpo de dor denso. Na
verdade, em geral acontece o contrário.
Quem tem um corpo de dor pesado, costuma ter mais chance de despertar
espiritualmente do que quem possui um corpo de dor leve. Embora algumas dessas
pessoas permaneçam presas em seu corpo de dor pesado, muitas chegam a um ponto
em que não conseguem mais viver com a infelicidade, e assim sua motivação para
despertar se fortalece.
Por que o corpo de Cristo em sofrimento, sua face distorcida
em agonia e seu corpo sangrando com numerosos ferimentos, é uma imagem tão
significativa na consciência coletiva da humanidade? Milhões de pessoas,
sobretudo na época medieval, não teriam tido uma afinidade tão profunda com
ele, caso alguma coisa dentro delas mesmas não estivesse em consonância com
essa imagem, se elas não a tivessem inconscientemente reconhecido como uma
representação exterior da sua própria realidade interior – o corpo de dor. As
pessoas ainda não estavam conscientes o bastante para reconhecê-lo dentro de si
mesmas, porém era o começo de sua tomada de consciência em relação a ele.
Cristo pode ser considerado o arquétipo humano, incorporando tanto o sofrimento
quanto a possibilidade de transcendência.
Eckhart Tolle (Um Novo Mundo: O Despertar de Uma Nova
Consciência)
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