O CORPO DE DOR (anexo 4)
CARREGANDO O PASSADO
A incapacidade, ou melhor, a relutância da mente humana em
deixar de lado o passado é primorosamente ilustrada na história dos dois monges
zen, Tanzan e Ekido, que caminhavam numa estrada enlameada depois de uma forte
chuva. Próximo a uma aldeia, eles encontraram uma moça que estava tendo
dificuldade em atravessar a estrada por causa da lama. Se ela continuasse a
caminhar, estragaria seu quimono de seda. Sem titubear, Tanzan a pegou no colo
e a carregou para o outro lado da estrada.
Os monges prosseguiram na sua caminhada em silêncio. Cinco
horas depois, quando já estavam perto do templo onde passariam a noite, Ekido
não conseguiu mais se conter.
- Por que você carregou a moça para o outro lado da estrada?
– perguntou. – Nós, monges, não devemos fazer essas coisas.
- Faz horas que coloquei aquela jovem no chão –
respondeu Tanzan. – Você ainda a está
carregando?
Agora, imagine como seria a vida de alguém que viva como
Ekido o tempo todo, incapaz de parar de pensar nas situações ou não querendo
fazer isso e acumulando cada vez mais “material” dentro de si. Que pesado fardo
do passado elas carregam na mente.
O passado vive em nós na forma de lembranças, no entanto elas
em si mesmas não são um problema. Na verdade, é por meio delas que aprendemos
com nossas experiências e com os erros que cometemos. Somente quando as
recordações, isto é, os pensamentos sobre o passado, nos dominam completamente
é que elas se transformam num fardo, começam a ser problemáticas e a fazer
parte do que entendemos como o eu. Nossa personalidade, que é condicionada pelo
passado, se torna nossa prisão. Essas memórias são investidas de uma percepção
do eu, e nossa história passa a ser a percepção que temos de nós mesmos. Esse
“pequeno eu” é uma ilusão que obscurece nossa verdadeira identidade como a
presença eterna e sem forma.
Nossa história, porém, é formada por lembranças mentais e
emocionais – emoções antigas que são revividas continuamente. Assim como o monge que carregou o fardo do
ressentimento por cinco horas, alimentando-o com pensamentos, a maioria das
pessoas leva consigo uma grande quantidade de bagagem desnecessária, tanto
mental quanto emocional, ao longo de toda a vida. Esses indivíduos se limitam
com ressentimentos, arrependimentos, hostilidade e culpa. Seu pensamento
emocional se torna seu eu e, assim, eles se apegam a velhas emoções porque
estas fortalecem sua identidade.
Por causa da tendência humana de perpetuar emoções antigas,
quase todo mundo carrega no seu campo energético um acúmulo de antigas dores
emocionais, que eu chamo de “corpo de dor”.
Podemos, no entanto, parar de acrescentar ao corpo de dor
aquilo que já temos. Somos capazes de aprender a refrear o hábito de acumular e
perpetuar antigas emoções batendo nossas asas, metaforicamente falando, e nos
abstendo de viver com a mente no passado, não importa se um incidente aconteceu
ontem ou 30 anos atrás. Temos como aprender a não manter vivos acontecimentos e
situações e, em vez disso, sempre dirigir a atenção para o momento presente –
puro, atemporal -, em vez de nos deixarmos atrair por histórias mentais
produzidas pela mente. Assim, nossa
própria presença se torna nossa identidade, e não nossos pensamentos e nossas
emoções.
Absolutamente nada que tenha acontecido no passado pode nos
impedir de estar presentes agora. E, se o passado não tem como evitar nosso
estado de presença, que poder ele tem?
(Eckhart Tolle- Um Novo Mundo: O Despertar de Uma Nova
Consciência)
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