quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Jung: Um Estudo de Caso (1904-1905)

Aprendendo com os mestres:

JUNG: UM ESTUDO DE CASO (1904-1905)

Durante os anos 1904-1905, organizei na clínica psiquiátrica um laboratório de psicopatologia experimental. Com um grupo de alunos estudava as reações psíquicas (isto é, as associações).  (...)

As experiências sobre associações e a experiência psicogalvânica tornaram-me conhecido na América; de lá vieram muitos doentes para me consultar. Guardei a lembrança de um dos primeiros casos:

Um colega americano me enviara um doente. O diagnóstico era: “neurastenia alcoólica”. O prognóstico dizia: “incurável”. Consequentemente meu colega aconselhara ao doente consultar certo neurologista famoso, em Berlim, prevendo que minha tentativa terapêutica malograria. O doente veio para a consulta e, depois de uma pequena conversa, constatei que sofria de uma simples neurose, cuja origem psíquica ele desconhecia. Fiz a experiência de associações e compreendi que sofria as conseqüências de um formidável complexo materno. Nascido de uma família rica e considerada, casado com uma mulher simpática, não tinha, por assim, dizer, preocupações de ordem exterior. Mas bebia demais: era uma tentativa desesperada de entrar em narcose para esquecer sua situação opressiva. Naturalmente, não conseguiu livrar-se de suas dificuldades através desse caminho.

Sua mãe era a proprietária de uma grande empresa e ele, cujos dons iam além do comum, desempenhava na firma o papel de diretor. Para dizer a verdade, deveria ter renunciado, há muito, a essa submissão à mãe, mas não podia decidir-se a sacrificar sua excelente situação. Permanecia, pois, acorrentado a ela, que lhe proporcionava o cargo. Sempre que estavam juntos, ou quando precisava submeter-se a uma de suas decisões, começava a beber para abafar suas emoções ou, então, para desembaraçar-se delas. No fundo, não queria sair do ninho cálido e, contra seu próprio instinto, sucumbiu à tentação do bem-estar e do conforto.

Depois de um curto tratamento, cessou de beber e considerou-se curado. Eu o avisei: “Não posso garantir que o senhor não caia no mesmo estado se voltar à antiga situação”. Ele não acreditou em mim e voltou muito animado para a América.

Mal se encontrou novamente sob a influência da mãe, pôs-se a beber. Depois, encontrando-se ela na Suiça, chamou-me para uma consulta. Era uma mulher inteligente, mas possuída por um demônio de poder de primeira grandeza. Pude então descobrir diante do quê o filho teria que viver, e percebi que ele não teria forças para resistir, era também fisicamente frágil, não podendo competir com a mãe nem nesse aspecto. Resolvi-me então a um ato de violência: sem preveni-lo, entreguei à mãe um atestado, dizendo que em razão de seu alcoolismo ele não poderia continuar por mais tempo no cargo que ocupava. Era necessário despedi-lo. Esse conselho foi seguido e, naturalmente ele ficou furioso comigo.

O que decidi não podia, normalmente, coincidir com a consciência médica. Mas sabia que para o bem do doente, deveria assumir essa responsabilidade.

Como evoluiu posteriormente esse homem? Separado da mãe, pôde desenvolver sua personalidade: fez uma carreira brilhante, apesar – ou por causa – do “tratamento cavalar” que lhe impusera. Sua mulher ficou-me grata: o marido não só vencera o alcoolismo, como também seguia agora seu caminho pessoal com grande sucesso.

Durante anos senti culpa em relação a esse doente, porque assinara, a despeito dele, este atestado. Mas sabia perfeitamente que só um ato de violência poderia tê-lo salvo. Dessa forma, sua neurose desapareceu.

“Mémorias, Sonhos, Reflexões” – C.G. Jung

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