JUNG: UM ESTUDO DE CASO (1904-1905)
Durante os anos 1904-1905, organizei na clínica psiquiátrica
um laboratório de psicopatologia experimental. Com um grupo de alunos estudava
as reações psíquicas (isto é, as associações).
(...)
As experiências sobre associações e a experiência
psicogalvânica tornaram-me conhecido na América; de lá vieram muitos doentes
para me consultar. Guardei a lembrança de um dos primeiros casos:
Um colega americano me enviara um doente. O diagnóstico era:
“neurastenia alcoólica”. O prognóstico dizia: “incurável”. Consequentemente meu
colega aconselhara ao doente consultar certo neurologista famoso, em Berlim,
prevendo que minha tentativa terapêutica malograria. O doente veio para a
consulta e, depois de uma pequena conversa, constatei que sofria de uma simples
neurose, cuja origem psíquica ele desconhecia. Fiz a experiência de associações
e compreendi que sofria as conseqüências de um formidável complexo materno.
Nascido de uma família rica e considerada, casado com uma mulher simpática, não
tinha, por assim, dizer, preocupações de ordem exterior. Mas bebia demais: era
uma tentativa desesperada de entrar em narcose para esquecer sua situação
opressiva. Naturalmente, não conseguiu livrar-se de suas dificuldades através
desse caminho.
Sua mãe era a proprietária de uma grande empresa e ele,
cujos dons iam além do comum, desempenhava na firma o papel de diretor. Para
dizer a verdade, deveria ter renunciado, há muito, a essa submissão à mãe, mas
não podia decidir-se a sacrificar sua excelente situação. Permanecia, pois,
acorrentado a ela, que lhe proporcionava o cargo. Sempre que estavam juntos, ou
quando precisava submeter-se a uma de suas decisões, começava a beber para
abafar suas emoções ou, então, para desembaraçar-se delas. No fundo, não queria
sair do ninho cálido e, contra seu próprio instinto, sucumbiu à tentação do
bem-estar e do conforto.
Depois de um curto tratamento, cessou de beber e
considerou-se curado. Eu o avisei: “Não posso garantir que o senhor não caia no
mesmo estado se voltar à antiga situação”. Ele não acreditou em mim e voltou
muito animado para a América.
Mal se encontrou novamente sob a influência da mãe, pôs-se a
beber. Depois, encontrando-se ela na Suiça, chamou-me para uma consulta. Era
uma mulher inteligente, mas possuída por um demônio de poder de primeira
grandeza. Pude então descobrir diante do quê o filho teria que viver, e percebi
que ele não teria forças para resistir, era também fisicamente frágil, não
podendo competir com a mãe nem nesse aspecto. Resolvi-me então a um ato de
violência: sem preveni-lo, entreguei à mãe um atestado, dizendo que em razão de
seu alcoolismo ele não poderia continuar por mais tempo no cargo que ocupava.
Era necessário despedi-lo. Esse conselho foi seguido e, naturalmente ele ficou
furioso comigo.
O que decidi não podia, normalmente, coincidir com a
consciência médica. Mas sabia que para o bem do doente, deveria assumir essa
responsabilidade.
Como evoluiu posteriormente esse homem? Separado da mãe,
pôde desenvolver sua personalidade: fez uma carreira brilhante, apesar – ou por
causa – do “tratamento cavalar” que lhe impusera. Sua mulher ficou-me grata: o
marido não só vencera o alcoolismo, como também seguia agora seu caminho
pessoal com grande sucesso.
Durante anos senti culpa em relação a esse doente, porque
assinara, a despeito dele, este atestado. Mas sabia perfeitamente que só um ato
de violência poderia tê-lo salvo. Dessa forma, sua neurose desapareceu.
“Mémorias, Sonhos, Reflexões” – C.G. Jung
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