quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Câncer: Uma Abordagem Psicossomática (8)


CÂNCER: UMA ABORDAGEM PSICOSSOMÁTICA (Anexo 8)

SOLUÇÃO (REDENÇÃO) DO PROBLEMA DO CÂNCER

Com base em nossa perplexidade por um lado, e nossa valoração por outro, é difícil ver ainda uma dis(solução) na representação do câncer. Como comunidade, temos muito medo das nossas próprias forças e das energias que estão adormecidas em nós. Amparados por inúmeros álibis sociais, nós a empurramos para a sombra. Embora a sociedade tenha estilizado a livre manifestação do indivíduo e a livre empresa como sendo o objetivo máximo a ser atingido, a maioria de seus membros individuais é atormentada por medos e angústias consideráveis no que a isso se refere. Os índices de crescimento anímico-espiritual continuam sendo muito mais baixos que os índices de crescimento científico. A longo prazo, nosso grandioso produto nacional bruto não pode compensar a falta de crescimento interior. Com o apoio da sociedade, mas por iniciativa própria, muitas pessoas conseguem bloquear a manifestação de seu eu, encaixando-a em estruturas pré-determinadas com facilidades ou, muitas vezes também à força. Gratificações externas aliviam a renúncia ao desenvolvimento da individualidade e promovem a massificação da pessoa. Apenas um pequeno passo separa o indivíduo massificado do “normopata”.

Como a auto-realização é parte do caminho de desenvolvimento do ser humano, ela não pode ser eliminada do mundo, podendo no máximo ser posta de lado. Quando empurrada para o lado, ela aterrissa na sombra. Esta tem duas possibilidades de expressão no mundo material: o mundo corporal interior (microcosmos) e o mundo (meio ambiente) exterior (macrocosmos). Consequentemente, o caminho dos processos de crescimento reprimidos vai da consciência para o mundo de sombras do inconsciente, e dali para o plano corporal ou para o mundo exterior. Como o princípio é conservado a cada passo e precisa adaptar suas possibilidades de expressão ao plano em que se manifesta, ele pode ser encontrado por toda parte, seja em sua manifestação redimida ou em sua forma não-redimida. Quanto mais ele é reprimido, menos redimido ele se apresenta, mas mesma sob  a forma menos redimida deve ser possível vislumbrar ainda o plano redimido.

Nós em geral consideramos o plano material como não-redimido, e o plano anímico-espiritual como redimido. No acontecimento do câncer, nós consideramos maligno aquilo que em sentido figurado nos parece totalmente desejável: o princípio de expansão. O câncer ultrapassa todas as fronteiras e obstáculos, estende-se por tudo, penetra em tudo, participa de tudo, une-se a tudo, até a estruturas alheias, não se detém diante de nada, não pode ser detido por praticamente nada, é quase imortal e não teme nem mesmo a morte. O câncer é a expansão que mergulhou nas sombras (do corpo). Consequentemente, trata-se de expandir a consciência, de descobrir a infinitude e a imortalidade da alma. Não deveríamos nos admirar que o princípio mais elevado apareça por intermédio do mais maligno de todos os sintomas. A sombra mais escura sempre emite a luz mais brilhante. Com a auto-realização, no câncer, o que mergulhou nas sombras é o tema que procura atingir o objetivo final de todo desenvolvimento: o “si mesmo”.

Embora o meio seja o objetivo final, no início do caminho é necessário confiar em si mesmo e ir para os extremos. Quando Cristo diz: “Seja quente ou frio, o morno eu cuspirei”, ele está falando sobre uma etapa do caminho. É o meio como compromisso podre que deve ser abandonado. Aqui está a tarefa mais difícil do aprendizado do paciente de câncer. Nesse sentido, o tranqüilo meio-termo no qual o normopata se acomodou não é de forma alguma um lugar definitivo. Em lugar da harmonia do meio, o que impera é uma harmonia aparente. As (“malignas”) energias do ego não são visíveis, mas sua vida nas sombras é tanto mais intensa. O normopata jamais ferirá alguém com um não egoísta e descompromissado, mas tampouco fará alguém feliz com um sim incondicional. Ele se desculpa permanentemente por sua existência, mas não se livra da culpa primordial (a separação da unidade). Para ele, a aparência é mais importante que o ser. Entretanto, trata-se em última instância do ser, e ele portanto não encontra a paz final no cômodo meio, um caminho ao longo do qual ele encontra pouquíssima resistência, ou seja, a paz que ele pode encontrar aqui não é realmente a paz definitiva.

A primeiríssima coisa que ele deve fazer é começar a se mover, a crescer, a se transformar e a se desenvolver. Faz parte, também, aprender a dizer não, detectar e viver seus desejos egoístas, experimentar rebelar-se contra regras rígidas, escapar de estruturas demasiado estreitas, chegar perto e perto demais dos outros, pular fronteiras, ignorar limitações, viver todas as coisas que, caso contrário, ocorrem nas sombras como acontecimento cancerígeno. Em vez de mutações no nível celular, poderia haver metamorfoses nos âmbitos anímico, espiritual e social. Em vez de sair da espécie (degenerar), ele poderia pular a cerca (demasiado opressora). Trata-se de travar conhecimento com o próprio ego, ainda, e principalmente, quando ele não é um destacado contemporâneo e, por essa razão, não traz muita distinção ao meio circundante.  Em vez de sair da espécie, trata-se de encontrar a própria espécie. Em vez de separação, o que se procura é continuidade e responsabilidade por si mesmo.

A orientação terapêutica do radiologia americano Carl Simonton vai nessa direção de uma maneira muito corporal. Simonton, com bastante sucesso, deixa que seus pacientes entrem diariamente em uma guerra múltipla. Em meditações dirigidas, eles combatem o câncer no nível celular com sua agressividade que acaba de ser redescoberta. O sistema imunológico é apoiado em sua luta pela existência com imagens interna e fantasias criadas pela imaginação, e assim a agressão tão longamente reprimida passa a ser vivida. Á primeira vista, mas somente à primeira vista, o conselho de combater o câncer a todo custo parece estar em contradição com o princípio homeopático. Como o agressivo câncer, é justamente a agressão que é homeopática, pois trata-se de um remédio semelhante.

Embora estas primeiras etapas do despertar para as próprias necessidades seja também muito importante e não possa ser substituída, o caminho não pára aí. O “seja quente ou frio...” cristão é inevitável, mas o desenvolvimento continua, e então, finalmente trata-se de: “Se alguém golpeia sua face esquerda, oferece-lhe a direita”. Essas duas frases contraditórias já criaram muita perplexidade, porque se referem a diferentes etapas do caminho. É justamente neste ponto que é perigoso continuar a escrever, pois segundo todas as experiências, justamente aqueles pacientes que ainda têm de lidar muito e por muito tempo com os passos descritos até agora, de asserção agressiva de si mesmos, tendem a refugiar-se rapidamente nos “planos mais elevados”. Por trás disso está a suposição equivocada de que a realização de um tema tão sublime como o amor levará facilmente à libertação do ego, juntamente com suas energias agressivas. Mas quando se salta ou se abandona com demasiada rapidez um plano anterior, o plano seguinte não tem a menor chance. Não se ganha nada se alguém “morno”, por pura covardia, oferece a face direita após lhe terem golpeado a esquerda. O amor então se transformará em um sentimento morno, e a salvação em hipocrisia. Um paciente de câncer não pode se dar ao luxo de cometer tais erros, dos quais a ladainha de “luz e amor” da cena new age se aproxima muito.

Apesar do perigo de se incorrer em mal-entendidos, é necessário já ter em vista um objetivo, ainda que esteja muito distante. Mas os passos e tarefas seguintes pressupõem o domínio dos passos anteriores, pois caso contrário eles se transformam facilmente em um bumerangue. (...)

Por mais importante que seja a exibição das energias do ego durante o percurso, ela não pode ser o objetivo final. O caminho a seguir e o seu objetivo estão sempre implícitos ao próprio acontecimento cancerígeno. Em vez de crescimento corporal, trata-se de crescimento anímico-espiritual. O ser humano cresce fisicamente durante cerca de vinte anos; depois disso ele precisa continuar crescendo anímica e espiritualmente, ou então o crescimento afunda na sombra. Esse crescimento pode se dar no mundo exterior durante muito tempo, podendo, por exemplo, aproveitar as possibilidades correspondentes de um negócio em expansão. Mas em algum momento ele terá por objetivo a auto-realização em um sentido mais elevado. Em última instância, trata-se de tornar-se um com o todo, retornar ao Paraíso, ou seja, deixar que o eu e as sombras aflorem no self. Esse estado, que recebe tantos nomes diferentes em diferentes culturas e que mesmo assim quer dizer sempre a mesma coisa, não pode ser representado com exatidão a partir do mundo da polaridade. Palavras como eternidade, nirvana, reino dos céus, reino de Deus, paraíso, ser ou meio são somente aproximações. O problema, não só dos pacientes de câncer mas de todos os seres humanos, são os passos que levam a esse objetivo e à sua sequência.

A regressão retratada pelo processo cancerígeno, que corporaliza a busca da origem, indica o caminho. Em vez de regressão no corpo, trata-se de religio no âmbito anímico-espiritual. O crescimento degenerado e caótico em todas as  direções mostra o perigo, que o progresso sem objetivo termina na morte. Morrer, também, que paira ameaçadoramente sobre o acontecimento cancerígeno, é uma forma de retirada do mundo polar para a unidade. Todas as indicações apontam para um único ponto, a unidade. Mas isso não pode ser realizado com as forças do ego. Assim como é importante para o paciente descobrir seu ego, mais tarde será igualmente importante crescer para além dele. Depois que ele tiver aprendido a se impor, chega-se ao pólo oposto do plano de aprendizado: aprender a inserir-se na unidade maior. Primeiro pode ser importante protestar contra as regras estritas da vida laboral ou social, reconhecer que o próprio chefe não é nenhum deus. Mas quando o ego está desenvolvido e em plena possessão do poder pelo qual lutou, é preciso reconhecer que o caminho do ego leva à catástrofe tanto como sua repressão. Depois que a pequena ordem das regras mesquinhas foi saltada, é preciso encontrar a grande a aceitá-la. “Seja feita a Sua vontade”, diz o pai-nosso, e isso não quer dizer, como antes, o superior hierárquico ou o sócio ou o eu, mas Deus, ou seja lá como se queira chamar a unidade.

É neste ponto que está o principal engano do câncer, e ele volta a ser um espelho perfeito do principal engano da humanidade moderna. A célula cancerígena tenta alcançar a imortalidade por si mesma e à custa do resto do corpo. Fazendo isso, ela não vê que esse caminho, em última instância, a matará juntamente com o corpo, assim como a humanidade não viu até agora que sua ego-trip à custa do mundo somente pode terminar com o naufrágio conjunto. Não existe qualquer independência da unidade maior à qual se pertence. As justas ambições de auto-realização e imortalidade somente podem culminar no conhecimento espiritual de que o único objetivo é o si mesmo, a unidade com tudo. Esta não exclui nada nem ninguém, e por si mesma não se deixa conquistar pessoalmente de maneira egoísta. Ela contém tanto a individualidade como a ordem mais elevada. Ela se encontra no próprio meio, no de cada célula e no de cada ser humano e ainda assim é somente o Um. Não existe nem o meu self nem o seu self, somente o self.

É preciso encontrar a unidade, a imortalidade da alma em si mesmo, e reconhecer que o todo já está em nós mesmos assim como nós mesmos estamos no todo. Este, entretanto, é o ponto final, ou melhor, o ponto do meio, que somente pode ser aberto pelo amor. E isso também já está simbolizado no acontecimento do câncer. Assim como o  amor, o câncer também ultrapassa todas as fronteiras, cobre todas as distâncias, atravessa todas as barreiras, supera todos os obstáculos, assim como o amor ele não se detém diante de nada, estende-se por tudo, penetra em todos os âmbitos da vida, domina toda a vida; assim como o  amor, o câncer busca a imortalidade e nessa  busca, assim como o  amor, não teme nem mesmo a morte. O câncer, portanto, também é de fato um amor que mergulhou nas sombras.

(Dr. Rudiger Dahlke, psiquiatra – “A Doença Como Linguagem da Alma”)

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