terça-feira, 3 de setembro de 2013

Câncer: Uma Abordagem Psicossomática (7)


CÂNCER: UMA ABORDAGEM PSICOSSOMÁTICA (Anexo 7)

O CÂNCER NO PLANO SOCIAL

A célula cancerígena quer tomar todo o mundo (corpo) de assalto e fazer tudo à sua maneira. É por essa razão que ela penetra em toda parte, enviando seus agressivos “missionários” até os recantos mais afastados do país (corpo). A medicina as chama de filiae (latim:filhas) ou metástases. Esta última palavra é grega e quer dizer transformação, transplante ou migração. A pretensão de poder “meter-se” até mesmo nas partes mais afastadas do corpo está feita sob medida para a célula embrionária, que em sua indiferenciação ainda traz em si todas as possibilidades. No entanto, desenvolvimento significa, entre outras coisas, limitação e especialização. A célula cancerígena superou ou perdeu de vista a ambas.

A comparação do comportamento adulto e infantil revela a imaturidade de tal postura. A criança ainda tem o direito de ver-se em todas as profissões e todas as formas de vida e de acreditar que seu papai, sendo um aumento de seu próprio eu, pode tudo. Ela pode sonhar que viaja por todo o mundo sem precisar preocupar-se com questões concretas tais como a obtenção dos meios necessários. Sua reivindicação de brincar em todos os brinquedos do playground e, além disso, participar de todos os jogos pode irritar os pais, mas não chega a ser um problema nessa fase. Um adulto que fizesse essas exigências, ao contrário, chegaria rapidamente a um impasse com o meio circundante, deixando apenas duas alternativas: ou ele ou o meio circundante. Ele é convencido ou obrigado pelo meio a adaptar-se a suas exigências, o que o força a uma espécie de amadurecimento precoce, que corresponde à tentativa de ressocialização no cumprimento das penas, ou então ele é confinado definitivamente.

A segunda possibilidade, a de que essa pessoa prevaleça sobre seu meio e imponha sua vontade, é mais rara. No plano anímico-espiritual, as tentativas correspondentes são consideradas megalomania, quase sempre subjugadas e confinadas “com êxito” em uma instituição psiquiátrica. É relativamente raro que um “louco” consiga realmente tomar o poder. No âmbito político, as tentativas correspondentes são combatidas como terrorismo e quase sempre submetidas por meio da violência, e só muito raramente através do poder de persuasão. Os terroristas chamam a si mesmos de revolucionários, às vezes também falam de células revolucionárias, mas para o estado afetado são considerados criminosos que não devem esperar nem clemência nem consideração. Caso vençam, seu poder será respeitado, pois eles serão os novos senhores do país.

No âmbito econômico, os representantes da atitude correspondente são aplaudidos desde o início, já que o câncer evidencia a altitude que faz o êxito empresarial. O empreendedor típico da primeira fase do capitalismo ultrapassa as fronteiras estabelecidas e ataca a concorrência sem compaixão, expulsando-a da área, já que com o poder de seus cotovelos pressiona-a contra a parede e a tira do negócio, mina o seu terreno ou pelo menos se infiltra em seus mercados. Em lugar de metástases, sucursais, filiae tornam-se filiais, empresas afiliadas são fundadas. No princípio a matriz, como o tumor correspondente, cresce para além de si mesma, então ela se infiltra na vizinhança para finalmente tornar-se ativa por todo o país e, idealmente, no mundo todo. Estar presente em toda parte e ter tudo sob controle. Este é o credo do capitalismo e o comportamento tradicional das grandes empresas. Evidentemente, procede-se de maneira agressiva e desconsiderada.

As metástases do câncer e as sucursais das empresas têm objetivos análogos. Elas se esforçam para colocar o máximo possível de seu próprio programa sem dar a menor chance às forças locais. O modelo ideal do câncer torna-se explícito no mapa-mundi em um escritório empresarial. Um grosso círculo vermelho no meio assinala a localização da empresa matriz, que se infiltra nas regiões circundantes com pequenas filiais marcadas também em vermelho, porém menores. Estas metástases diminuem em número à medida que nos aproximamos da periferia. Alguns países ainda estão livres, enquanto que em outros há grandes colônias que por sua vez disseminam filiais ao seu redor. Os mapas assinalados dessa maneira são assombrosamente semelhantes às imagens de corpos tomados pelo câncer, obtidas por procedimentos de diagnósticos tais como a cintilografia.

Há um outro paralelo ao acontecimento cancerígeno, menos carregado de emoção porque já superado pela história, que é a do colonialismo. A formação de colônias fora do próprio país, considerada do ponto de vista de cada império, era uma estratégia cancerígena. Na medida do possível, querer-se-ia colocar o mundo inteiro sob a própria influência e eles de forma alguma sentiam-se constrangidos em invadir violentamente as fronteiras e atacar brutalmente culturas em sua maioria intactas, somente que menos agressivas. As condições de vida não eram nem respeitadas nem poupadas, e as pessoas que se encontrava eram declaradas minorias e escravizadas. Cada império estava de tal maneira convencido da própria megalomania a ponto de querer lançar em todo o mundo grandes ou pequenas edições da Inglaterra, da Espanha, de Portugal, da França ou da Alemanha. Somente os outros impérios, igualmente canceromorfos, colocavam limites a seu crescimento invasivo. Tal como seu pendant anatômico, os reinos coloniais frequentemente tinham problemas de abastecimento, mas tratava-se, sobretudo, de expansão e, muito menos da falta de infra-estrutura necessária para tal. Assim como nos tumores, pode-se encontrar nos restos, digamos, do império colonial português, uma notável carência de infra-estrutura. Com essa espécie de crescimento indiferenciado, muito veio abaixo tanto nas colônias metastáticas como na matriz das numerosas filhas malvadas. Em um determinado momento, tumores matrizes minúsculos tais como Portugal ou a Inglaterra tinham pendentes de si impérios gigantescos, que continuavam a se expandir e a consumir energia. A Inglaterra aproximou-se especialmente da imagem do câncer com suas colônias totalmente emancipadas do “tumor matriz” (EUA, Canadá, Austrália, Rodésia ou África do Sul). A história da época colonial deixa claro que, no que se refere aos tumores nacionais, tratava-se muito mais de expansão e ostentação de poder que de comércio e intercâmbio. De maneira semelhante a cabeças hidrocefálicas, administrações coloniais infladas parasitavam países economicamente indigentes cuja estrutura própria tinha sido saqueada, apoiando-se nas costas de “primitivos” escravizados cujo caráter certamente jamais atingiu o grau de primitivo daqueles que os colonizava,. As células cancerígenas, com seus núcleos superdimensionados exibem, em relação a seu entorno, um excesso de primitivismo semelhante.

O padrão do câncer não confirma o de nosso mundo apenas em grandes traços, podendo ser seguido em detalhe para aqueles que têm olhos para vê-lo. O crescimento das grandes cidades modernas oferece uma imagem explícita de ânsia de expansão de tipo canceromorfo. As fotos tiradas por satélites mostram como elas devoram e ulceram a paisagem circundante. Tal como um tumor canceroso, elas confiam no crescimento desalojador e infiltrante, enquanto ao mesmo tempo emissários isolados são enviados sob a forma de cidades-satélite, cidades-dormitórios, zonas industriais e outras atividades metastáticas.

Quando se considera a Terra como um todo, a maneira como por toda parte ela é cancerigenamente devorada, saqueada impiedosamente e privada de sua capacidade de reação, a imagem correspondente àquela de um corpo que sucumbiu ao câncer. Quanto à avaliação do estágio em que ela se encontra, se ainda pode lutar para defender-se ou se já está em estado terminal, os economistas, biólogos, teólogos e outros “istas” e “ólogos” não chegaram a um acordo. O correspondente estado de resignação do corpo frente à energia vital juvenil do câncer chama-se caquexia. Ela se entrega à consumação, demonstrando em sua atitude de entrega que está aberto para passar ao outro mundo. Como a nossa Terra continua tentando regenerar-se e se defende energicamente do pululante gênero humano, ainda há esperança para ela.

Mas não somente os princípios de nossa maneira de pensar no que se refere à Terra assemelha,-se àqueles da célula cancerígena, nós compartilhamos também um lapso decisivo, ou seja, não medimos as conseqüências de nosso comportamento: a morte de todo o organismo implica inevitavelmente na morte de todas as suas células, inclusive as células do câncer. Elas conseguem liberar-se de seu ambiente e aproximar-se do ideal de autarquia, onipotência e onipresença. Tal como um organismo unicelular, que depende unicamente de si mesmo, concentrando todas as funções em um único corpo, elas se transformam em um guerreiro solitário praticamente independente em meio à comunidade celular. Elas trocam suas habilidades altamente especializadas pela imortalidade potencial, tal como possui o organismo unicelular. Os organismos unicelulares e as células cancerígenas permanecem vivos enquanto á alimento suficiente. Todas as outras células organizadas estão ligadas a uma expectativa de vida natural, estabelecida em seu material genético. As células do câncer desativaram essa limitação e não mostram nenhuma tendência ao envelhecimento, como o demonstra um experimento macabro. As células de um tumor cujo proprietário morreu nos anos 20, justamente devido a esse tumor, vivem e se dividem até hoje em uma solução nutriente sem mostrar qualquer sinal de envelhecimento ou cansaço. O fato de as células cancerígenas normalmente morrerem logo após a morte de seu hospedeiro deve-se ao esgotamento do suprimento de alimento e energia. Enquanto o organismo unicelular realmente perdura independente e imortal em seu mundo aquático de superabundância, a célula cancerígena não percebe que é apenas potencialmente imortal e já não pode tornar-se independente. Exatamente como o ser humano no mundo, seu destino estará sempre ligado ao corpo em que vive.

A caricatura de nossos ideais, representada pelo câncer, deixa claro que nosso planeta já atingiu a fase de erupção da doença. Mais decepcionante ainda, no entanto, é o incômodo conhecimento de que nós mesmos somos o câncer da Terra. Do mesmo modo, o crescimento de nossa ciência é tão demente como o do câncer. Os índices de crescimento são enormes, mas o empreendimento não tem nenhum objetivo que possa ser alcançado. O objetivo do progresso é mais progresso e assim, por princípio, caminha rumo ao futuro e para fora de nosso alcance. O câncer também tem um objetivo pouco realista. Este se encontra em sua sombra e é a ruína do organismo. Se fôssemos mais honestos, teríamos de admitir que o objetivo final de nosso progresso é igualmente a ruína do organismo Terra. Bastaria que os piedosos desejos dos políticos se tornassem realidade e os países em desenvolvimento saíssem do atraso tecnológico em que se encontram para que a já ameaçada ecologia deste planeta recebesse um golpe mortal. Em todo caso, pode-se ficar tranqüilo em relação a isso, já que esses desejos não são levados com muita seriedade. Entretanto, aqueles desejos que insistem em um progresso linear para nossa parte do mundo o são totalmente, e eles têm algo de degenerado, já que colocam a espécie em risco. Sem a consciência de nossa origem na natureza e sem ter um objetivo no âmbito espiritual, corremos o perigo de nos tornarmos um câncer que não pode mais ser controlado. Nós já preenchemos todos os pré-requisitos necessários para tal.

Quando essa doença maligna mostra sua face terrível, nos assustamos porque reconhecemos a nós mesmos. Não queremos ver-nos de maneira tão honesta, recusamos um espelho tão nítido. A humanidade tem isso em comum com todos os pacientes.
(Dr. Rudiger Dahlke -A Doença Como Linguagem da Alma)

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