O CORPO DE DOR (anexo 7)
COMO O CORPO DE DOR DE ALIMENTA DO CONFLITO
Se houver outras pessoas por perto, em geral nosso parceiro
ou nossa parceira ou um parente próximo, o corpo de dor tentará provocá-los –
levá-los ao limite, como se diz – para que possa se nutrir do conflito que
resultará disso. Os corpos de dor adoram relacionamentos íntimos e famílias
porque é deles que retiram a maior parte de seu alimento. É difícil resistirmos
ao corpo de dor de alguém que esteja determinado a suscitar uma relação da
nossa parte. Instintivamente, ele conhece nossos pontos mais fracos, mais
vulneráveis. Se não for bem sucedido da primeira vez, tentará de novo seguidas
vezes. É emoção pura procurando mais emoção. O corpo de dor da outra pessoa
quer despertar o nosso para que os dois corpos de dor se energizem mutuamente.
Muitos relacionamentos são marcados por episódios violentos
e destrutivos envolvendo o corpo de dor. Esses enfrentamentos costumam ocorrer
em intervalos regulares. Para uma criança pequena, é uma dor quase insuportável
ter que testemunhar a agressividade emocional dos corpos de dor dos pais,
embora essa seja a sina de milhões de crianças em todo o mundo, o pesadelo de
sua existência cotidiana. Essa é também uma das principais maneiras de se
transmitir o corpo de dor humano de uma geração à outra. Depois de cada
incidente desse tipo, os parceiros se
reconciliam e se estabelece uma fase de paz relativa que terá a duração que o
ego permitir.
O consumo excessivo de álcool costuma fortalecer o corpo de
dor, sobretudo no caso de homens, mas isso também ocorre com algumas mulheres.
Quando uma pessoa se embriaga, ela passa por uma completa mudança de
personalidade enquanto o corpo de dor assume o controle. Em geral, um indivíduo
profundamente inconsciente cujo corpo de dor está habituado a se realimentar
por meio da violência física a direciona para o cônjuge ou para os filhos.
Depois que o efeito do álcool passa, ele se arrepende de verdade e às vezes até
diz que nunca mais repetirá a cena e acredita nisso. Porém, a pessoa que está
falando e fazendo promessas não é a entidade que cometeu a violência. Assim,
podemos ter certeza de que aquilo acontecerá de novo por vezes seguidas, a não
ser que essa pessoa se torne presente, reconheça o corpo de dor em si mesma e abandone
sua identificação com ele. Em alguns casos, o aconselhamento consegue ajudá-la
a fazer isso.
A maioria dos corpos de dor quer tanto infligir quanto
sentir dor, contudo alguns deles são predominantemente agressores ou vítimas.
Em ambos os casos, eles se alimentam da violência, tanto emocional quanto
física. Algumas pessoas que pensam estar “apaixonadas” estão na verdade se
sentindo atraídas uma pela outra porque seus respectivos corpos de dor se
complementam. Às vezes, os papéis de agressor e de vítima se definem já no seu
primeiro contato. Embora muita gente acredite que certos casamentos foram
feitos no céu, na realidade eles se realizaram no inferno.
Se você já conviveu com um gato, deve ter percebido que, até
mesmo quando esse animal aparenta estar dormindo, ele sabe o que está se
passando ao redor, pois, ao menor ruído inesperado, suas orelhas se direcionam
para a fonte do barulho e seus olhos podem até se entreabrir ligeiramente. Com
os corpos de dor latentes acontece a mesma coisa. Em algum nível, eles ainda
estão despertos, prontos para entrar em ação quando um estímulo adequado se
apresenta.
Nos relacionamentos íntimos, os corpos de dor costumam ser
espertos o bastante para permanecer discretos até que as duas pessoas começam a
viver juntas e, de preferência, assinem um contrato comprometendo-se a ficar
unidas pelo resto da vida. Nós não nos casamos apenas com uma mulher ou com um
homem, também nos casamos com o corpo de dor dessa pessoa. Pode ser um
verdadeiro choque quando – talvez não muito tempo depois de começarmos a viver
sob o mesmo teto ou após a lua de mel – vemos que nosso parceiro ou nossa
parceira está exibindo uma personalidade totalmente diferente. Sua voz se torna
mais áspera ou aguda quando nos acusa, nos culpa ou grita conosco, em geral por
uma questão de menor importância. Há casos também em que essa pessoa passa a
ficar retraída.
- O que há de errado? – perguntamos.
- Não há nada de errado – ela responde.
Mas a energia intensamente hostil que ela transmite está
dizendo:
- Está tudo errado.
Quando olhamos para ela, vemos que já não há luz nos seus
olhos – é como se um pesado véu tivesse descido, e o ser que conhecemos e
amamos e que antes era capaz de brilhar sobrepondo-se ao ego agora está
inteiramente obscurecido. Parece que estamos diante de um verdadeiro estranho
cujos olhos mostram apenas rancor, hostilidade, amargura ou raiva. Quando ele
nos dirige suas palavras, não é nosso cônjuge que está falando, mas o corpo de
dor se expressando por meio dele. Qualquer coisa que esteja dizendo é a versão
da realidade do corpo de dor, algo distorcido pelo medo, pela hostilidade, pela
ira e pelo desejo de infligir e receber mais sofrimento.
A essa altura, podemos nos perguntar se essa é a verdadeira
face daquela pessoa – a que nunca tínhamos visto antes – e se cometemos um
grande erro quando a escolhemos como companheira. Na realidade, essa não é a
sua face genuína, apenas o corpo de dor que assumiu temporariamente o controle.
Seria difícil encontrar um parceiro ou uma parceira que não carregasse um corpo
de dor, no entanto seria sensato escolher alguém que não tivesse um corpo de
dor tão denso.
(Eckhart Tolle – Um Novo Mundo: O Despertar de Uma Nova
Consciência)
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